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Educação Popular e Religião: Uma Conexão Libertadora e política (Por Selvino Heck)

August 22, 2025 14:03 , by Luíz Müller Blog - | No one following this article yet.
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O que educação popular tem a ver com religião?

Duas semanas de trabalho e descanso em São Paulo no mês de agosto, a maior parte na Escola Paulo Freire, local que conheci muito tempo atrás, quando ainda era o Centro Pastoral Vergueiro. Decido me hospedar na casa, entre o fim da Assembleia Geral do CEAAL, Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe, e o início do Seminário sobre Comunicação do Movimento Fé e Política nacional, na sede da APEOESP, no Largo do Arouche.

Comunicam, para minha alegria, e para encher os dias de folga, que Frei Betto estará na Escola Paulo Freire na terça, 12 de agosto, para um Encontro com jovens, com o tema ´Educação Popular´. Encontro-o, para sua surpresa, acompanhado de Rosângela Rossi, que trabalhou  conosco no Projeto Escolas-Irmãs do Programa Fome Zero nos governos Lula, início dos anos 2000. Abraços mil no meio da surpresa mútua dos felizes reencontros.

Primero encaminhamento de Frei Betto, antes de iniciar a Roda de Conversa: “Recuem a mesa e coloquem na roda uma cadeira para mim. Não sou um professor, e sim um educador popular. Aqui vamos falar de educação popular, nada de educação bancária.”

Todos e todas acomodadas-os numa única roda, Frei Betto faz duas rodas, cada um sentado na frente de um companheiro ou companheira. E passa uma pergunta para cada um-uma das-os participantes da Roda de Conversa. Coube-me o número 6, com a seguinte e inesperada pergunta: “O que a educação popular tem a ver com religião?´

Confesso que foi total surpresa. (Quase) nunca coloquei-me esta questão. As duas rodas vão girando e cada um vai colocando para quem está à sua frente as respostas à sua pergunta.  

Digo, num primeiro momento, para quem está à minha frente: “Ambos, educação popular e religião, são libertadores. Falam de utopia, de nova sociedade. Tem valores como a solidariedade, o diálogo, falam com os mais pobres entre os pobres, as trabalhadoras e os trabalhadores.”

Aos poucos, enquanto a roda gira, vou pensando e aprimorando minha resposta. Digo, finalmente: “Fui frei franciscano, morador da Lomba do Pinheiro nos anos 1970/1980, periferia de Porto Alegre, trabalhando com CEBs, Comunidades Eclesiais de Base,  Pastoral Operária, Pastoral de Juventude, participava e estimulava os Grupos de Reflexão da Bíblia nas casas dos moradores, mais adiante ajudando a fundar o Movimento Fé e Política. Ao mesmo tempo, e sempre junto, como educador popular, organizava cursos de alfabetização, participava das lutas das Associações de Bairro por melhorias para o povo da Lomba no transporte coletivo, postos de saúde, escolas e tudo mais que era necessidade em vilas populares de trabalhadoras-es pobres, e apoiava a greve dos metalúrgicos do ABC, dos bancários e construção civil de Porto Alegre. Ou seja, a educação popular sempre esteve junto, misturada com a ação pastoral, com a leitura libertadora da Bíblia, da vida das comunidades de fé.”

Ou seja, Frei Betto mais uma vez ajudou a abrir meus olhos, o que ele fez pela primeira vez no início dos anos 1970, eu frei franciscano, quando li, em livro feito à base de mimeógrafo, suas CARTAS DA PRISÃO, muito tempo depois transformadas em livro.

Chegando em casa, Porto Alegre, onde estou organizando minha vida, meus muitos escritos de décadas, as montanhas de livros, com apoio da Loiva Dietrich e do Marcelo Moura, redescobri num caderno de 1979 materiais escritos à mão para preparar Cursos e Encontros de Formação e articulação de jovens e comunidades de base. 

Escrevi, num roteiro, à mão, em 1979: “Como num trabalho de base, podemos abrir brechas no capitalismo, se ele é um sistema amplo, quase mundial e nós pequeninos grãos de areia?

– 1. Grupos solidários de entreajuda e reflexão. 2. Ações solidárias: mutirões, ajuda aos vizinhos. 3. Comunidades de vida. 4. Liturgia da comunhão e parwticipaçãpo. Liturgia encarnada, a partir da realidade. 4. Cursos de conscientização, Retiros, etc. 5. Educação para a solidariedade e a socialização: crianças, catequese, escola, etc. 6. Debruçar comunitário sobre os problemas. Descobrir as causas dos problemas. 7. Associações de Bairros comprometidas. 8. Clubes de Mães, comunidades (CEBs) com objetivos claros e com um progressivo aprofundamento nos objetivos e na realidade em que vive. 8. Movimentos mais amplos ao redor dos problemas, contatos conscientizadores com governos. 9. Articulação com outros trabalhos de base para enfrentamento conjunto e aprofundamento da situação vivida. 10. Incentivo à participação em outros movimentos sociais com objetivo semelhantes: sindicatos, movimentos partidários, de Igreja e outros.”    

  E redescobri também um texto escrito à mão no final dos anos 1990, eu então deputado estadual constituinte gaúcho e presidente do PT/RS. Aí vai o texto de 35 anos atrás, plenamente atual.

“POLÍTICA PRECISA DE MÍSTICA?

A atividade política tem sofrido um grande desgaste nos últimos anos no Brasil. Parcela considerável da população não acredita nos partidos, pensa que os parlamentares são mentirosos e corruptos, vê os governantes como os que prometem muito, mas não cumprem nada.

E, cá pra nós, muitas vezes o povo tem razão. A política hoje virou troca de cargos e favores, tornou-se busca de prestígio pessoal e de enriquecimento, viver rodeado de mordomias. Parece que os partidos não têm programa ou que são todos iguais, não há causas a defender, não há ideais.

Assim, as utopias são questionadas, os sonhos são meras fantasias, perde-se o significado da luta.

A política carece de mística. Estamos num tempo sem símbolos ou de símbolos sem sentido. Não há gratuidade, não há doação, não há sinceridade. A esperança é apenas uma palavra vazia.

Mesmo a esquerda, que sempre proclamou o sonho da nova sociedade, acreditou na utopia de um tempo diferente, muitas vezes transformou a prática política em pura atividade racional, onde a tática e estratégia friamente analisadas e definidas predominam, onde o objetivo único e absoluto valia mais que tudo e todos, onde as relações humanas, pessoas e afetivas eram secundárias quando não esquecidas.

Para quem tem uma perspectiva transformadora, a paixão e/ou a mística são fundamentais. Não se faz política só com a razão. É preciso também vontade pessoal e coletiva, entrega, o sujeito se envolvendo, sonhando, acreditando e lutando pelo ideal. Não se faz política sem amor à causa.

Por isso, a política precisa de símbolos, de gratuidade e, muitas vezes, de indignação e inconformismo. Porque o que se quer construir são homens e mulheres livres, um mundo justo, digno e de iguais. As revolucionárias e os revolucionários são místicas e místicos, celebram a vida e as vitórias, cantam o amor, salvam a individualidade sem descrer do coletivo.

Quem quer recuperar a credibilidade da atividade política deve descobrir, criar e desenvolver-lhe uma mística que fuja da mentira, da empulhação, do conformismo e da carranca. Uma mística revolucionária, que resgate a gratuidade, a doação, o sentido coletivo e o respeito ao diferente, pode reavivar o sonho e a utopia.”  

A vida, como sempre digo, de vez em quando é mesmo muito boa. No caso, reencontrar Frei Betto e suas reflexões sobre educação popular, relembrar com Rosângela Rossi o Escolas-Irmãs, alimentar a fé, alimentar-se da pedagogia libertadora de Paulo Freire, continuar sonhando com um Reino de paz e justiça, traduzido e consturído hoje numa Sociedade do Bem Viver.

Selvino Heck

Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)

Em vinte dois de agosto de dois mil e vinte cinco


Source: https://luizmuller.com/2025/08/22/educacao-popular-e-religiao-uma-conexao-libertadora-e-politica-por-selvino-heck/

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