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Soberania Tecnológica e Conhecimento Livre: Do Tabuleiro Geopolítico ao Quilombo Digital (Por Eloa Kátia Coelho)

September 1, 2025 14:57 , by Luíz Müller Blog - | No one following this article yet.
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Um texto elaborado a partir das reflexões de Eloá Kátia Coelho, Pesquisadora Científica, Lésbica Internacionalista Afrodiasporica e Poeta

Vivemos sob a égide de um capitalismo predatório que opera como um crime organizado quase perfeito. Sua perfeição reside na sua legalidade.

É um sistema que permite que o cacau, colhido por mãos infantis na Costa do Marfim, se transforme no luxuoso chocolate belga, deixando a miséria na origem e o lucro no destino. É a lógica que faz uma calça
jeans Levi’s ser fabricada em Lesoto, por uma fração do preço pelo qual será vendida em Nova York. É o sistema que permite que roupas de grife sejam produzidas em condições análogas à escravidão na Ásia para ostentar etiquetas de prestígio em Paris.

Este sistema, que se sustenta na exploração legalizada, deixa um rastro de fraturas sociais, Estados enfraquecidos e populações desesperadas. E é nessas brechas, criadas pela ganância legal, que floresce o crime organizado ilegal: o narcotráfico do PCC e do CV, as fraudes das fintechs, o tráfico de seres humanos, de órgãos e a hedionda pornografia infantil. Um crime alimenta o outro. O sistema legal cria as condições para o ilegal prosperar e vice versa.

Hoje, essa mesma lógica predatória avança sobre uma nova fronteira: nossos dados, nossas mentes, nosso futuro digital. Em um mundo multipolar, o bloco EUA/UE, a China e a Rússia disputam a hegemonia sobre esta nova colônia digital. Nós, os povos do Sul Global – da América Latina, da África, da Oceania – somos o palco e o prêmio dessa disputa.
Nossa resposta não pode ser a de escolher um novo mestre. Nossa resposta deve ser a insurgência total contra este sistema.

Reparação Histórica e a Nova Colonização Digital
Este sistema foi construído sobre a expropriação da nossa cultura, da nossa ancestralidade e dos nossos corpos. As dívidas históricas com os povos originários das Américas, como os Cherokee; com os povos africanos e sua diáspora; com os aborígenes australianos, nunca foram pagas. Pelo contrário, a dívida se aprofunda. A IA, a IoT (internet das coisas) e o capitalismo de vigilância representam a continuidade dessa expropriação por outros meios.
Nossos saberes ancestrais são transformados em dados, nossas línguas em modelos de linguagem, nossas relações comunitárias em grafos sociais – tudo sem nosso consentimento, sem nosso controle e sem qualquer benefício.
A luta por soberania tecnológica é, portanto, inseparável da luta por reparações urgentes e integrais.

O Pensamento Insurgente: Conhecimento Livre como Quebra de Patente Coletiva
Contra a lógica da patente e do segredo industrial, erguemos a bandeira do conhecimento livre (software, hardware, dados abertos). Este é o nosso pensamento insurgente, nossa
tática de guerrilha contra o monopólio. É a promoção de uma “quebra de patente coletiva” que transforma tecnologia de mercadoria em bem comum. Isso nos permite
construir nossas próprias ferramentas, adaptadas às nossas realidades, recusando o papel
de meros consumidores na nova ordem digital. É a construção de soberania tecnológica.

Os Protagonistas da Alternativa: O Sul Global se Levanta
A verdadeira alternativa a este neocolonialismo digital não virá de Washington, Bruxelas e Pequim. Virá daqueles que conhecem a exploração na pele e que já constroem outros mundos em seu cotidiano:

    • Pessoas LGBTQIAP+ e Two-Spirit, com suas cosmologias não-binárias.
    • Terreiros de matriz africana, com sua sabedoria ancestral e comunitária.
    • Povos originários, quilombolas e comunidades populares, com sua relação com a
      terra e a memória coletiva.
    • A Economia Popular Solidária Feminista Antirracista, que pratica os valores da
      cooperação e da justiça social.
      Esses são os sujeitos políticos que devem conduzir o processo, transformando a si mesmos
      em objetos de extração de dados em protagonistas da sua própria história digital.

    Do Tabuleiro Geopolítico ao Quilombo Digital
    Não nos interessa escolher entre ser uma colônia digital dos EUA ou da China. Não nos
    interessa trocar a dominação do FMI pela armadilha da dívida do Cinturão e Rota da Seda. A nossa luta é por um terceiro caminho. Um caminho autônomo, que exige reparação pelo passado e soberania sobre o futuro, fundamentado na Tríplice Consciência e na Tríplice Convivência.
    Recusando-nos a ser peões no tabuleiro multipolar. Nossa estratégia é virar o tabuleiro. É construir nossos próprios espaços de autonomia e poder.
    Sem conhecimento livre, a tecnologia é apenas mais uma arma na mão dos impérios; com conhecimento livre, ela se torna quilombo digital, roda de saberes, terreiro de axé, economia solidária, arte de rua e insurgência coletiva contra o crime organizado global, seja ele legal ou ilegal.
    Esta é a nossa resposta à nova ordem mundial. Não a escolha de um polo, mas a criação de uma rede de pólos autônomos e solidários. É o nosso direito é nosso dever construir um futuro onde a inteligência não seja artificial e aprisionadora, mas coletiva, popular, soberana e, acima de tudo, livre, pelo exercício sistêmico, orgânico e necessário de uma Inteligência Insurgente. Isso é Soberania dos Povos!

      Eloa Katia Coelho


      Source: https://luizmuller.com/2025/09/01/soberania-tecnologica-e-conhecimento-livre-do-tabuleiro-geopolitico-ao-quilombo-digital-por-eloa-katia-coelho/

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