Não fala com pobre, não dá mão a preto, não carrega embrulho
14 de Maio de 2018, 14:00
"A Banca do Distinto" é um dos mais conhecidos sambas de Billy Blanco, paraense que se formou em arquitetura no Rio, mas que depois viu que seu negócio era outro: compôs cerca de 500 músicas, 300 das quais gravadas pelos maiores nomes da MPB: Dick Farney, Lúcio Alves, João Gilberto, Dolores Duran, Sílvio Caldas, Nora Ney, Jamelão, Elizeth Cardoso, Dóris Monteiro, Os Cariocas, Pery Ribeiro, Miltinho, Elis Regina, Hebe Camargo...
Entre seus sucessos destacam-se "Sinfonia Paulistana", "Tereza da Praia", "O Morro", "Estatuto da Gafieira", "Mocinho Bonito", "Samba Triste", "Viva meu Samba", "Samba de Morro", "Pra Variar", "Sinfonia do Rio de Janeiro" e "Canto Livre". "Sinfonia do Rio de Janeiro" é composta por dez canções, escritas em parceria com Tom Jobim, em 1960.
"A Banca do Distinto" tem uma história interessante. Foi composta a pedido da então namorada Dolores Duran, talentosíssima cantora e compositora morta precocemente, aos 29 anos. Dolores estava incomodada com um cliente da boate em que ela cantava, nos anos 50, no famoso Beco das Garrafas, no Rio. O sujeito ia todas as noites ao seu show, sentava-se na primeira fileira de mesas, mas sempre de costas para o palco. Não dirigia uma única palavra a ela. E sempre pedia uma música. Chamava um garçom, dava a ele um bilhete e dizia: “Manda a neguinha cantar essa música aqui.”
No meio da madrugada, ia embora, levando um embrulho com a refeição que encomendava. Mas não o carregava: pedia que o garçom o levasse até o seu carro.
Dolores, inconformada com a atitude do indivíduo, contou a história a Billy que, sem mais, compôs o samba “A Banca do Distinto”. Dolores então se vingou: cantou o samba para o “doutor”, que depois disso sumiu da boate.
"A Banca do Distinto" foi gravado em 1959 pela própria Dolores, e posteriormente por Isaurinha Garcia, Elza Soares, Neusa Maria, Dóris Monteiro, Elis Regina e Jair Rodrigues, entre outros.
Como este é o país dos "doutores", gente de bem que não fala com pobre, não dá mão a preto, nem carrega embrulho, a música continua atualíssima.
https://www.youtube.com/watch?v=mZNp3p5X1UI
Não fala com pobre, não dá mão a preto
Não carrega embrulho
Pra que tanta pose, doutor
Pra que esse orgulho
A bruxa que é cega esbarra na gente
E a vida estanca
O enfarte lhe pega, doutor
E acaba essa banca
A vaidade é assim, põe o bobo no alto
E retira a escada
Mas fica por perto esperando sentada
Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal
Todo mundo é igual quando a vida termina
Com terra em cima e na horizontal
Hot Club de Piracicaba comemora dez anos de música e amizade
18 de Abril de 2018, 9:54O palco do belo Teatro Erotídes de Campos, no Engenho Central, em Piracicaba, vai se iluminar neste sábado, 21 de abril, com uma constelação de músicos de primeira grandeza, que vão apresentar, a partir das 20 horas, o novo álbum do Hot Club de Piracicaba, que neste ano completa sua primeira década de existência.
Para quem não sabe, o Hot Club de Piracicaba (HCP) não é um clube com associados, mas sim um conjunto musical, fundado em 2008 pelo juiz de Direito José Fernando Seifarth de Freitas, que tem a música por hobby, e pelos profissionais liberais Alcides Lima (Cidão) e Marcos Mônaco, respectivamente baterista e clarinetista da prestigiada banda paulistana Traditional Jazz Band Brasil.
O grupo foi formado para o tocar o “jazz manouche”, ou "cigano", aproveitando elementos do jazz tradicional e da música brasileira. Atualmente há uma infinidade de "Hot Clubs" em todos os continentes, que se dedicam a preservar o estilo criado pelo violonista belga Django Reinhardt na década de 30 do século passado. O nome Hot Club deriva do grupo que imortalizou a música de Django, o Quintette du Hot Club de France.
O HCP gravou, em 2008, o seu primeiro CD, "Jazz a La Django", inspirado na obra de Django Reinhardt. Em 2010 lançou o CD “Quinteto do Hot Club de Piracicaba”. Seu novo trabalho, “Amigos”, tem participação de músicos nacionais (Bina Coquet, Florian Cristea, Seo Manouche) e internacionais (Howard Alden, Richard Smith, Robin Nolan e Paul Mehling). Misturando instrumentos de metais, típicos da bandas de jazz tradicional, com violões ciganos, o HCP foi o primeiro grupo brasileiro a ter incluída uma música no prestigiado selo europeu “Hot Club Records”, de Jon Larsen, dedicado exclusivamente ao jazz cigano.
O grupo realizou inúmeras apresentações nos teatros municipais de Piracicaba, nos Sesi e Sesc do Estado de São Paulo, e na capital, em locais como os prestigiados Bourbon Street Music Club e Jazz nos Fundos. Tocou no palco principal da Virada Cultural Paulista em 2015 e acompanhou artistas internacionais no Brasil, como Eva Scholten e Paul Mehling. É o grupo anfitrião do Festival Internacional de Jazz Manouche de Piracicaba e encabeçou o movimento do jazz cigano brasileiro, que surgiu justamente por meio desse festival.
"Tenho muito orgulho do que conquistamos"
Em 2008, eu e meus dois grandes amigos Cidão e Mônaco, membros da Traditional Jazz Band, tivemos a ideia de fundar o Hot Club de Piracicaba. Seria uma banda com a ideia de receber convidados, para ser um verdadeiro clube de jazz.
Muito embora tivéssemos como referência inicial o jazz cigano de Django Reinhardt, a nossa linguagem tinha muito do jazz tradicional, talvez pela própria formação, com uso de instrumentos de metais e influência da Tradional Jazz Band. Isso é bem perceptível no primeiro CD, lançado em 2008.
Ao longo do tempo, fomos amadurencendo e encontrando outros caminhos e formações.
Constituímos um quinteto e gravamos o segundo CD, com a participação do violonista piracicabano Otiniel Aleixo (Legal). Ele trouxe a proposta de misturar música brasileira com o jazz manouche. Foi um projeto muito bem sucedido, que nos rendeu a participação no selo europeu Hot Club Records numa coletânea de jazz manouche (Django Festival nº 6), com a música “Caravan”. Uma formação instrumental única nesse tipo de grupo, com dois violões ciganos, trompete, trombone e tuba.
Depois, a cantora Pa Moreno ingressou na banda, e trouxe a sua influência do blues. E o pianista André Grella incorporou ao grupo uma linguagem mais moderna.
O trabalho com Bina Coquet, a partir de 2015 (e durante toda a gravação do novo CD “Amigos”), inseriu o Hot Club na trilha que eu sempre desejei: a linguagem virtuosística do jazz manouche nos solos de violão, com uma sólida banda e arranjos criativos com os instrumentos de metais, bateria e piano, em músicas instrumentais e vocais.
A par disso, formou-se uma amizade muito forte entre os integrantes do grupo, o que, para mim, é o segredo do seu sucesso e longevidade.
É uma energia explosiva o encontro dos músicos nas apresentações.
Além daqueles que podem ser considerados “fixos” no grupo (André Grella, Eloy Porto, Eli Silva, Frank, Pa Moreno, Gilliadi e eu), há aqueles que sempre que podem se juntam ao grupo, como Wagnão (bateria), Augusto (saxofone), Edu Belloni (guitarra) e Ricardinho (trombone), além das cantoras Iuna Sanches, Estela Manfrinato e Wana Narval. O fotógrafo Antonio Trivelin, o publicitário Luis Castel, o luthier Fabiano Lima e o engenheiro de gravação Renato Napty fazem parte dessa família. O mais novo integrante da trupe é o chileno Sebastian Abuter Pinto, que também tem tocado clarinete conosco.
Tenho muito orgulho do que conquistamos. Além de sermos verdadeiros anfitriões do festival de jazz manouche de Piracicaba, nos apresentamos com músicos incríveis como Robin Nolan, Eva Scholten, Richard Smith e Paul Mehling.
A maior dificuldade da banda é conciliar atividades e horários. Porque é um time muito grande e todos tem outros trabalhos. Mas sempre damos um jeito de tocar ao menos uma vez por mês. E uma coisa é verdade: toda vez, repito, toda vez, é um enorme prazer tocar com essa turma. Nenhuma briga em dez anos, muita risada e história para contar.
Viva para sempre, senhora da canção!
17 de Abril de 2018, 10:18
O Brasil ficou mais pobre, artística e culturalmente, com a morte de Dona Ivone Lara segunda-feira, 16 de abril, aos 97 anos completados três dias antes.
Escrever sobre a imensa e incomparável obra dessa extraordinária compositora e cantora é desnecessário.
Há artistas que dispensam as palavras para louvá-los - seu talento fala por si.
Dona Ivone Lara há muito tempo era uma instituição, uma frondosa e altiva árvore, generosa em frutos, saborosos e opulentos.
Que os canários, tangarás e os rouxinóis.
Já afinaram os gogos
Só falta minha voz somando
Lá vou eu pra onde o samba manda ver
Ouvir reais melodias
Imperiais harmonias
Dissonâncias não têm vez
Beber de um gole a poesia
Me embriagar de alegria
Na mais pura lucidez
Ivone lara ra ra ra ra ra
Perola rara no compor e no cantar
Senhora da canção doce instrumento
Pastora da emoção, do sentimento.
Ivone lara ra ra ra
Tudo se aclara sobre a luz do teu luar
Lavando a nossa alma
Com a mais fina inspiração
Meu samba de pega na palma
E beija sua mão
O mecanismo da dominação
26 de Março de 2018, 15:21O samba-enredo que exaltou a liberdade em plena ditadura
19 de Março de 2018, 9:54
O Carnaval se foi, não se fala mais no samba da Tuiuti, mas o país continua sob o impacto de um mal disfarçado golpe de Estado, que trocou uma presidenta honesta por uma quadrilha que segue, impunemente, o assalto às, cada vez menores, riquezas nacionais.
O Carnaval se foi, mas este não é o país do Carnaval, com golpe ou sem golpe, com democracia ou sem democracia?
Assim, nunca é demais lembrar que não foi só a Tuiuti quem aproveitou o desfile para denunciar a grave situação vivida pela nação, para dar um forte recado às autoridades e, sob o poderoso ritmo do samba, proporcionar um momento de catarse coletiva.
Em 1969, poucos dias depois do fechamento total do regime, com o fatídico AI-5, o retrato por inteiro da ditadura militar, a Império Serrano levava, corajosamente, ao público o enredo "Heróis da Liberdade", cantando o samba-enredo de Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manoel Ferreira.
Para que isso fosse possível, foi preciso trocar a palavra "revolução" por "evolução" na letra. O zelo do censor, porém, não foi suficiente para impedir que as pessoa compreendessem que a música não falava propriamente do movimento abolicionista, mas que era uma alegoria sobre o momento social e político do Brasil.
E que dava um recado claro sobre como o povo deve proceder para promover mudanças - a revolução deve nascer de um movimento coletivo, que envolva a todos:
"Heróis da Liberdade" é apontado como um dos melhores - se não o melhor - samba-enredo de todos os tempos.
Foi gravado por inúmeros medalhões da música popular brasileira - João Bosco preservou a letra original, com a palavra "revolução".
Mas coube a Roberto Ribeiro, cantor extraordinário, fazer o registro definitivo dessa obra-prima - é algo de arrepiar!
Ô ô ô ô
Liberdade, Senhor,
Passava a noite, vinha dia
O sangue do negro corria
Dia a dia
De lamento em lamento
De agonia em agonia
Ele pedia
O fim da tirania
Lá em Vila Rica
Junto ao Largo da Bica
Local da opressão
A fiel maçonaria
Com sabedoria
Deu sua decisão lá, rá, rá
Com flores e alegria veio a abolição
A Independência laureando o seu brasão
Ao longe soldados e tambores
Alunos e professores
Acompanhados de clarim
Cantavam assim:
Já raiou a liberdade
A liberdade já raiou
Esta brisa que a juventude afaga
Esta chama que o ódio não apaga pelo Universo
É a evolução em sua legítima razão
Samba, oh samba
Tem a sua primazia
De gozar da felicidade
Samba, meu samba
Presta esta homenagem
Aos "Heróis da Liberdade"
Ô ô ô