Taiguara, a voz mais censurada pela ditadura
3 de Março de 2018, 10:36
A ditadura militar instaurada no Brasil em 1964 e que caiu de podre 20 anos depois perseguiu implacavelmente inúmeros artistas que ousaram se opor a ela - ou simplesmente adotaram uma liberdade estética fora dos padrões oficiais. Na música popular, os casos mais notórios são os de Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque.
Nenhum cantor e compositor, porém, foi tão perseguido quanto o talentosíssimo Taiguara, que nos anos 60 e 70 do século passado foi figura constante nos festivais de música e paradas de sucesso, com as suas canções e voz despudoradamente românticas - ao mesmo tempo em que, em seus shows e entrevistas, dizia cobras e lagartos do regime que suprimia as liberdades do povo brasileiro.
A jornalista Janes Rocha, que escreveu um livro sobre o artista, levantou 81 composições de Taiguara vetadas pela censura.
Dois discos, “Imyra, Tayra, Ipy” e “Let the children hear the music”, gravado em Londres, foram inteiramente proibidos depois de lançados.
A barra era muito pesada naqueles tempos de "Brasil, ame-o ou deixe-o"...
Taiguara morreu em 1996. Doze anos antes, lançou uma obra-prima, o disco "Canções de Amor e Liberdade", absolutamente político, um grito de revolta, um testemunho de um grande artista sobre uma época que envergonha a espécie humana.
É um disco de rara coerência, com melodias calcadas em ritmos regionais, letras que soam como lindos poemas libertário e arranjos criativos.
Uma das faixas, "Voz do Leste", tem a participação da excelente dupla sertaneja Cacique e Pajé. "Anita", um bolero, é dedicada à filha de Luís Carlos Prestes, o eterno "Cavaleiro da Esperança"; o clássico "Índia" ressurge com a letra original traduzida; "Estrela Vermelha", com melodia do avô de Taiguara Graciliano Silva, é de um lirismo emocionante...
Que falta faz um Taiguara neste Brasil Novo!
https://www.youtube.com/watch?v=1tfWmF6eHY0&t=64s
Voz do Leste
Sou Voz Operária do Tatuapé
Canto enquanto enfrento o batente co'a mão
Trabalho no ritmo desse Chamamé
Meu pouco Salário faz minha ilusão
Sou voz operária do Tatuapé
Vivo como posso e me deixa o patrão
E enquanto respira dessa chaminé
Meu povo se vira e não vê solução
No teatro da vergonha
aonde a verdade não se diz
Tem quem representa a massa,
quem ri da desgraça
E quem banca o infeliz
Tem até burguês que sonha
que entra em cena e engana a atriz
Tem quem sustenta a trapaça
e depois que fracassa
amordaça o país
Tem quem sustenta a trapaça
E depois que fracassa,
Amordaça o país.
Já meu drama é o da cegonha...
quase morre o meu guri...
Sobra pr'o Leste a fumaça
e a peste ameaça
O ar do Piqueri
Pior que a matança medonha
é o desemprego pra engolir...
Seja no peito ou na raça,
esse teatro devasso
Alguém tem que proibir...
Seja no palco ou na praça
Essas peças sem graça
vão ter que sair.
(sair de cartaz...)
Sou voz operária...
A coisa tá feia: se o Picasso fosse vivo ia pintar tabuleta
1 de Março de 2018, 10:30
Tião Carreiro é conhecido como o Rei do Pagode, ritmo que criou naturalmente, com base nos ritmos regionais que tão bem conhecia - e tocava, em sua viola, como ninguém.
Tião Carreiro, além desse título, é também lembrado como um dos mais icônicos artistas do gênero que se convencionou chamar de "sertanejo" ou "caipira", um balaio onde se encontra uma variedade de ritmos e influências.
Embora tenha atuado com outros parceiros - Carreirinho, Paraíso e Praiano - foi com Pardinho que ele se tornou uma lenda para o público em geral e para os violeiros em particular - sua habilidade é tanta que houve quem dissesse, fazendo uma analogia com o gênero musical mais difundido no mundo, que ele é o "Jimi Hendrix brasileiro".
Tião Carreiro, nascido em 1934, morreu em 1993. Deixou um legado artístico imenso e uma legião de fãs absolutamente fiel.
Algumas de suas composições são peças obrigatórias no repertório de qualquer artista "sertanejo" que se preze.
Como a deliciosa "A Coisa Tá Feia", dele em parceria com outro craque do gênero, Lourival dos Santos: "Já está no cabo da enxada quem pegava na caneta/Quem tinha mãozinha fina foi parar na picareta/Já tem doutor na pedreira dando duro na marreta", dizem três de seus 28 versos, escritos para ironizar uma realidade que, mais que nunca, está viva, neste incrível, inacreditável e surrealista Brasil Novo.
https://www.youtube.com/watch?v=6vpFdu_WDmY
Burro que fugiu do laço tá de baixo da roseta
Quem fugiu de canivete foi topar com baioneta
Já está no cabo da enxada quem pegava na caneta
Quem tinha mãozinha fina foi parar na picareta
Já tem doutor na pedreira dando duro na marreta
A coisa tá feia, a coisa tá preta...
Quem não for filho de Deus, tá na unha do capeta.
Criança na mamadeira, já tá fazendo careta
Até o leite das crianças virou droga na chupeta
Já está pagando o pato, até filho de proveta
Mundo velho é uma bomba, girando neste planeta
Qualquer dia a bomba estoura é só relar na espoleta
A coisa tá feia, a coisa tá preta...
Quem não for filho de Deus, tá na unha do capeta.
Quem dava caixinha alta, já esta cortando a gorjeta
Já não ganha mais esmola nem quem anda de muleta
Faz mudança na carroça quem fazia na carreta
Colírio de dedo-duro é pimenta malagueta
Sopa de caco de vidro é banquete de cagueta
A coisa tá feia, a coisa tá preta...
Quem não for filho de Deus, tá na unha do capeta.
Quem foi o rei do baralho virou trouxa na roleta
Gavião que pegava cobra, já foge de borboleta
Se o Picasso fosse vivo ia pintar tabuleta
Bezerrada de gravata que se cuide não se meta
Quem mamava no governo agora secou a teta
A coisa tá feia, a coisa tá preta...
Quem não for filho de Deus, tá na unha do capeta.
'Canção Para Inglês Ver': como o genial Lalá reagiu à invasão americana
18 de Janeiro de 2018, 17:49
Lamartine Babo, o Lalá, é um dos gigantes da música popular brasileira. O carioca morto aos 59 anos, em 1963, ficou conhecido por ter composto dezenas de deliciosas marchinhas de carnaval, que fazem sucesso até hoje, mas sua obra é muito maior: ele compôs sambas (Serra da Boa Esperança/esperança que encerra/no coração do Brasil/um punhado de terra..."), valsas ("eu sonhei que tu estava tão linda/numa noite de raro esplendor..."), e até uma opereta - embora não tocasse nenhum instrumento.
Compôs também hinos para os 11 clubes que disputavam, na sua época, o campeonato carioca, um mais bonito que o outro, uma façanha que por si só já o colocaria entre os gênios da MPB.
Foi craque também no rádio, mídia que, antes da TV, fascinava o Brasil, apresentando, durante muitos anos, o programa Trem da Alegria, junto com Yara Salles e Heber de Bôscoli - os três formavam o Trio de Ossos, que ficou famoso no país todo.
Gozador, trocadilhista, inquieto, Lamartine Babo soube como nenhum outro artista resumir a alma do carioca.
E, atento às mudanças que ocorriam no tempo em que viveu, foi um dos primeiros a perceber o impacto do "soft power" americano entre os brasileiros.
Em 1931 Lamartine lançou uma de suas músicas mais originais - ou malucas, ou cômicas, como queiram -, "Canção Para Inglês Ver", que tem uma letra aparentemente surrealista, mas que, no fundo, é uma crítica ao estrangeirismo que começava a tomar conta do Brasil - principalmente aquilo que vinha dos Estados Unidos, por meio dos primeiros filmes falados.
"Canção Para Inglês Ver", um foxtrote, ritmo nascido nos EUA, muito popular nos anos 30 do século passado, tem sido gravada até hoje - continua atualíssima.
Afinal, o Brasil de agora é muito mais americanizado que o de 87 anos atrás, quando ela foi lançada...
https://www.youtube.com/watch?v=USCS_EWv30g
Ai loviu
Forguétisclaine maini itapiru
Forguestifaive anderu dai xeu
No bonde silva manuel, manuel, manuel
Ai loviu
Tu revi istiven via catumbai
Independence la do paraguai
Estudibeiquer jaceguai
Ies mai glass, ies mai glass
Salada de alface
Flay tox mail til
Istandar oiu, forguet not mi, oi
Ai loviu
Abacaxi uisqui of chuchu
Malacacheta independence dei
No istriti flexi me estrepei
Elixir de inhame, elixir de inhame
Reclame de andaime, reclame de andaime
Mon paris jet'aime, sorvete de creme
Mai guerli gudi naiti, oi
Duble faiti
Isso parece uma canção do oeste
Coisas horríveis lá do faroeste
Do tomas veiga com manteiga
Mai sanduíche
Eu nunca fui paulo istrish
Meu nome é laska di clau
Jone felipe canar
Laiti andipauer companhia limitada iu
Zê boi iscoti avequi boi zebu
Lawrence tíbeti com feijão tutu
Trem da cozinha não é trem azul
Mai sanduíche
Eu nunca fui paulo istrish
Meu nome é laska di clau
Jone felipe canar
Laiti andipauer companhia limitada iu
Zê boi iscoti avequi boi zebu
Lawrence tíbeti com feijão tutu
Trem da cozinha não é trem azul
O Época de Ouro se renova para continuar o mesmo: um patrimônio artístico
16 de Janeiro de 2018, 14:45
O Época de Ouro deixou de ser, há muito tempo, um grupo musical: é hoje um patrimônio artístico da humanidade.
Se estivesse atuando num país de verdade, não seria o conjunto que se apresentaria de terno e gravata em seus recitais, mas sim a plateia, que se obrigaria a usar esse traje em reverência à excepcional qualidade da música a ela oferecida.
O fato é que não existiria mais chorinho no Brasil - e no mundo todo - se não fosse o Época de Ouro. E se existisse, ele estaria confinado a guetos minúsculos e escondidos, com executantes centenários, guardiões de segredos musicais tão complexos como a mais bem guardada fórmula do mais obscuro alquimista.
Mas o Época de Ouro resistiu às modas e à voracidade da indústria de entretenimento, e não se rendeu ao canto da sereia dos modernismos passageiros: a música que faz há mais de meio século continua pura e cristalina como as notas extraídas no pequeno instrumento de cordas de seu fundador, o imortal Jacob Pick Bittencourt, vulgo do Bandolim.
Essa música espalhou sementes por toda a terra, gerando frutos de tamanhos e cores diversas, mas de sabor único e delicioso.
A árvore mãe, para nossa felicidade, continua não só intacta, mas renovando sua folhagem e flores.
O ano de 2018 nem bem começou e trouxe a boa notícia: o Época de Ouro está com nova formação e vai estreá-la em dois concertos - isso mesmo, concertos, não shows -, no Sesc Pompéia, dias 26 e 27 de janeiro, sábado e domingo, às 21 e 18 horas, respectivamente. O recital, uma homenagem ao centenário de Jacob do Bandolim, terá ainda as participações da cantora Mariene de Castro e do bandolinista Rodrigo Lessa, fundador do Nó Em Pingo D'Água.
O "novo" Época de Ouro tem Celsinho Silva no pandeiro, substituindo seu pai, mestre Jorginho do Pandeiro, falecido em julho do ano passado, Jorge Filho (cavaquinho), Ronaldo do Bandolim, Antonio Rocha (flauta), e os violões de João Camarero (sete cordas) e Luiz Flavio Alcofra (seis cordas).
Todos craques, todos dignos representantes da música brasileira, essa inesgotável fonte de criatividade e beleza.
"Freguês", um livro que dá cara aos invisíveis e nome aos anônimos
15 de Janeiro de 2018, 10:18
Pedro Fávaro Jr. é jornalista desde 1975. Mas conheço o Pedrinho muito antes de ele beber a cachaça que transforma pessoas normais em masoquistas esquisitões que passam dias e noites à procura de um bom lide, à caça de um furo ou do melhor título para a matéria que deveria, obviamente, ganhar o Prêmio Esso - esse Oscar da imprensa brasileira que não existe mais...
Conheço o Pedrinho desde criança, quando nós dois usávamos calças curtas na Jundiaí que ainda, volta e meia, é personagem de meus sonhos.
Pedrinho já fez muita coisa nesta vida: trabalhou em rádio em sua cidade natal, criou a Imprensa Oficial do Município quando seu pai foi prefeito, lançou o jornal católico "O Verbo", entre outras publicações, foi editor do "Diário do Povo" e do "Correio Popular", os dois de Campinas, trabalhou como repórter, redator e editor no Grupo Estado - ficou por mais de 20 anos na Agência Estado.
Além disso tudo, se tornou diácono permanente da Igreja Católica. E é casado desde 1976 com Sônia Maria, tem duas filhas e um filho, músico, e uma neta.
Todo esse prólogo, na verdade um esboço de uma biografia muito mais rica e interessante, foi para contar algo que deixa todos os seus inúmeros amigos orgulhosos e felizes: é que o primeiro livro do Pedrinho, "Freguês", acaba de ser lançado pela editora Chiado, de Portugal - ele já está à venda no site da empresa.
O livro dá voz aos excluídos, esses seres que vivem anônimos e à margem de uma sociedade que apenas os tolera.
"Eles vivem na praça, nas ruas de uma cidade no interior de São Paulo e ninguém lhes dá atenção por julgá-los estorvos, um bando de foras-da-lei", diz a sinopse do livro feita pela Chiado. "Chegam ao abandono empurrados pela orfandade, a violência doméstica praticada por madrastas ou padrastos e tomam gosto pela vida, pela cultura da rua e se viciam nela. Quase sempre acabam virando marionetes nas mãos do tráfico e da polícia, embora tenham sonhos, desejos, ambições e projetos, como qualquer pessoa considerada normal pelos padrões sociais."
Motta:
Vamos lá. Aviso, adoro falar...
Mandei o original para três editoras brasileiras em 2015 e 2016... A média de tempo para me responderem foi de quatro meses. Todas me deram sonoros ou rebuscados NÃOS por escrito. Mas nenhum deles me convenceu, porque não havia argumentação sobre o texto, o livro, a narrativa... Só sobre prazo, planejamento contábil coisa e tal. Declino por educação o nome das editoras.
Claro, como qualquer ser normal, pensei em ter falhado. Em não ter produzido um texto decente para um primeiro romance, porque o jornalista insistiu em ficar grudado no meu pé, atazanando o tempo todo.
Para chegar no livro, passei por experiências incríveis. A primeira – depois de trancos e barrancos com as chefias na Agência Estado – foi a de pensar que escolhi ser jornalista por gostar de escrever. E tudo que o jornalista sempre fez menos foi escrever – porque foi sacado logo da reportagem para editar, pautar, ser gestor e por último – acredite se quiser “reempacotar” notícias. Era a expressão usada pelos colegas para pegar uma notícia de jornal e transformar o texto num SMS, de 140 caracteres: “Reempacota pra mim, por favor!” Ou para pegar uma notícia de internet e virar para jornal.
Fiz um treinamento em Programação Neurolinguística (PNL) e entendi que fui ser jornalista e o fui, por quase 40 anos, pelo gosto de escrever. Mas quem escreve deve ser ESCRITOR. Aí peguei meus alfarrábios, uma coleção de crônicas sobre minha experiência com moradores de rua e guardadores de carro e quis transformar em livro. Não dava certo. Ficava desconexo. Fiz uma primeira oficina de literatura com a escritora Nanete Neves, fiz uma segunda e uma terceira com o professor Marcelo Spalding, uma quarta com Fábio Barreto, jornalista e escritor que virou roteirista em Hollywood. Uma última com o Rodrigo Amaral Gurgel.
No meio do caminho, fiz um treinamento em PNL. O treinador, Marcos Stefani, um grande amigo meu, guitarrista e meu ex-barbeiro, havia terminado um curso com certificação internacional para ser COACH e precisava de cobaias. Ofereceu 12 sessões gratuitas. Topei. Na primeira me pergunta qual seria meu maior e mais imediato sonho. Escrever um livro, respondi. Ele me garantiu que na 12ª sessão eu teria o livro.
Fiz duas sessões, com dinâmicas bem bacanas. Simples, que tratam de foco, de fisiologia e determinação. Depois da segunda, destruí a coleção de crônicas, alinhavei os textos e em oito horas de trabalho intermitente tinha um livro. Entreguei o livro na 12ª sessão. “Muito bom”, me diz o treinador depois de examinar o trabalho. “Você tem um bonsai aqui. Um pequeno livro, muito bem cuidado e tratado. Bem aparado. Legal mesmo! Atingimos o objetivo”, conta. O melhor de tudo foi ele me dizer que adoraria ser sócio de meu projeto de escritor, porque em nenhum momento, nas sessões, falei de dinheiro, de sucesso, de fama. Não: falei de escrever, de trabalhar como escritor.
Passa o tempo. Continuo em cima. Depois de conhecer a Nanete, que escreveu "O Poeta e a Foca", peço pra ela ler o meu livro. Ela topa sem compromisso. Me devolve o material no dia seguinte e diz: “Tem força de livro, tem texto de escritor. Mas falta uma voz melhor para o narrador. E outra coisa: é pequeno. Ainda não tem tamanho de livro. Precisa de mais trabalho!”
Aceitei a crítica bem similar ao que havia dito o treinador. Mais oficina. E trabalhando todo dia no texto. De 12 mil palavras foi parar em quase 25 mil. Cresceu. A trama melhorou e saiu o livro: "Freguês", nome sugerido pela Nanete que de quebra foi a preparadora do trabalho.
Aí faltavam as editoras. Corri atrás e nada. Falei com a Maria Fernanda de Andrade, ex-Estadão (nesse meio tempo, quis o destino, para minha libertação, que eu fosse demitido da Agência depois de 15 anos). Ela me sugeriu mandar o original para a Chiado Editora, de Portugal. Deu o endereço e tal. Em dois dias, a Chiado me responde: “Senhor Pedro: agradecemos a escolha e pedimos sua paciência. Nosso Conselho Editorial leva 12 dias para analisar um livro do tamanho do seu, de 150 páginas...”
Doze dias... Que bênção depois de tanto tempo esperando. E quando voltou a resposta voltou dizendo que o texto tinha qualidades literárias e comerciais e interessava à Chiado. Junto, me encaminharam uma proposta de contrato de três anos e todos os detalhes comerciais e tal sobre o assunto. Topei e até agora não me arrependo.
Houve um contratempo na Alfândega. Os livros desembarcaram e não foram autorizados a entrar no mercado, para a alegria dos meus cunhados... “Droga não pode entrar no País”, brincaram eles no final do ano. Cunhados...
Enfim, agora devo receber meus exemplares até o final de janeiro e estou programando o lançamento para março. Aqui em Jundiaí, bem informal mesmo, em algum lugar que eu goste, como o Villa Pizza Bar, de um amigo de meu filho. E talvez no Bar do Alemão, no Parque Antártica, em São Paulo. Nada de livraria, biblioteca e tal...
O livro tem o Scarlet, que é real como protagonista. Conta a história da minha amizade e relacionamento com moradores de rua e guardadores de carro, de modo romanceado, mas muitas vezes não-ficcional. O gênero, como o Sérgio Roveri diz na apresentação do livro, cada um escolha como bem entender. O prefácio, o Sandro Vaia começou a escrever mas adoeceu e acabou deixando pela metade. Foi embora o italiano... Mas a família (Vera e Giuliana) autorizou a publicar o que ele escreveu. Fiz como homenagem. E claro, para valorizar o meu trabalho.
A história do Scarlet deu voz para o narrador. É um dom Quixote às avessas, buscando a própria identidade. O livro é a história dessa busca, cheia de insucessos, de pessoas empurradas por muitos tipos de dramas, para fora de suas famílias. Que têm alma, têm sonhos, têm desejos como qualquer outro. Só que viram invisíveis na rua. A gente passa, joga uma moeda pra eles e acha que tudo está bem.
Eles não têm nome. É outro tema tratado no texto. Escondem-se atrás de apelidos, porque o nome vira ameaça. E às vezes, nas sombras, esquecem o nome... E por aí vai, Motta.
Decidi, em 2013, quando completei 60 anos e terminei o projeto do "Freguês", que escreveria cinco livros até os 65 anos. Estou preparando simultaneamente uma coletânea de poesias, outra de contos e crônicas e estou empenhado (já no nono capítulo) no "Blecaute", o livro dos jardins – uma metáfora a partir da história de uma escritora – sobre os sete níveis neurológicos. Depois, estou no terceiro capítulo, também, de uma distopia para a qual não encontrei nome, mas fala do mundo derretendo e de uma sociedade em frangalhos, em que as pessoas para sobreviver dependem de cotas oficiais de água e do fornecimento de ar para os contêineres onde são obrigadas a morar, em razão das temperaturas altíssimas do planeta.
E vou rabiscando uns autos, uns monólogos, uns sonetos aqui e acolá, pra distrair, porque escritor que não escreve é desempregado.
Paralelamente, continuo diácono permanente da Igreja, casado há 42 anos com dona Sônia, quatro filhos, à espera do segundo netinho, o Francisco, que chega por esses dias. A primeira é a Helena.
E agora voltei a trabalhar. Convidado pela Mônica Gropelo, fui parar na Rede TVTEC, onde cuido do site de notícias, escrevo duas vezes por semana num blog e faço reportagens para a tevê. Mas de olho fixo no escritor porque lá está um dos meus grandes sonhos.
Continuo, como você, atrás da Utopia. Quem sabe ela não esteja logo aí na esquina...
Tenho acompanhado e amado os sambas. Vamos conversando mais.
Abração fraterno. Saudade.