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Dois testemunhos do atentado contra o ônibus da caravana de Lula

28 de Março de 2018, 12:14 , por Nocaute – Blog do Fernando Morais - | No one following this article yet.
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Leia o depoimento de Eleonora de Lucena, editora do site Tutameia, e enviada especial da Folha de S.Paulo à Caravana de Lula, e de Clarice Cardoso, coordenadora de conteúdo da agência PT de notícias, sobre o tiro que atingiu um dos ônibus acompanha o ex-presidente Lula pela região sul do país .

Eleonora de Lucena

O barulho seco no lado direito do ônibus provocou silêncio. Pedras novamente, pensei. Pedras, alguém falou. O ruído foi diferente.

Tínhamos recém partido de Quedas do Iguaçu, onde Lula fizera ato. Dez minutos de viagem e veio o impacto. Era local de vegetação fechada, mato alto na borda da estrada. O comboio continuou.

Minutos depois, carros da PM passaram pela caravana. Não pararam nem acompanharam o comboio.
No trajeto, manifestações de apoio de moradores. Crianças ensaiavam corrida para acompanhar os ônibus.

A 1 km do destino, Laranjeiras do Sul, o motorista reduz a velocidade. Para. Descemos. Pneu furado, alguém disse. Saltamos. Miguelitos (ganchos de metal) nos dois pneus da direita. Logo identificamos as marcas dos projéteis.

Foi um atentado. A escalada fascista subiu mais um degrau. Grupos ultradireitistas não enxergam limites. Ovos, pedras, projéteis, chicotes. São milícias armadas que planejam atentados. Como as gangues que precederam as SS nazista. O mesmo modus operandi terrorista.

Vi isso num crescendo nos últimos dias. Adeptos de Bolsonaro, ruralistas, pessoas violentas que berram e xingam. Eu mesma levei uma ovada na cabeça no sábado só por estar saindo do hotel onde estava hospedado Lula. “Lincha, é comunista”, ouvi em algum momento.

O país precisa reagir. O atentado não foi só contra Lula. O projétil foi contra a democracia. Democratas precisam aprender com a história e formar já uma frente ampla contra o fascismo.

Clarice Cardoso

Estamos bem. Estamos com os nossos. Passado o susto, encontramos conforto – e quanto!- nos que caminham ao nosso lado. Obrigada a todos e todas que estão enviando mensagens no privado. Com tempo e cabeça fresca, prometo responder a tudo.

Estávamos em deslocamento, pouco depois de sair de Quedas do Iguaçu, quando ouvimos o estrondo e vi a marca no vidro do meu lado. Eu senti um impacto e fiquei com a orelha zunindo por mais de uma hora. Levei alguns minutos para processar que não eram as pedras e ovos “de sempre”. Outra coisa tinha acontecido.

Os pneus furados pelo que depois descobrimos serem miguelitos (grandes pregos colocados na estrada) nos obrigaram a descer e, diante do furo inquestionável na lataria, veio a certeza de que a marca no meu vidro era de uma bala que, sabe-se lá por que sorte, ricocheteou.

Veio de uma parte escura de mata na estrada, a covardia não mostra seu rosto.

O frio na espinha que senti na hora era da indignação diante dos que todo esse tempo mininizaram, ironizaram ou desqualificaram nossas insistentes denúncias. Não é possível esperar que um atentado desses aconteça para se tomar alguma atitude. Um atentado contra a vida de um presidente.

Isso foi diferente dos rojões que ameaçavam jogar contra nós ou de uma tentativa de nos assustar. A altura da marca no vidro deixa clara a intenção e o que teria acontecido se a bala tivesse passado.

Não são conflitos o que tem acontecido nos últimos dias, não são forças em condições iguais nem disputa de ideias políticas. São ataques hostis e covardes, apoiados por uma elite que saliva diante do horror e de uma mídia que com ela é, abertamente ou não, conivente.

No começo eram ovos, fogos e memes. Ontem foram tiros no vidro e na lataria. Até onde essa escalada avança? A que ponto vamos nos permitir chegar? Que a História nos sirva de alerta…

É urgente que os progressistas se unam e reajam. Não só pela indignação por nós, pelos jornalistas que estão conosco, em defesa de Lula ou do petismo. Diferenças precisam ser suspensas para que uma grande força de esquerda possa se colocar de pé contra o que querem fazer conosco.

O que está em jogo é algo muito maior e mais urgente. É um ideal de país, uma escolha de em que lado seguir. É a liberdade de pensamento. O direito mesmo de existir.

São as nossas crenças o que realmente assusta os que nos têm em mira. É o ideal que lhes dá medo, especialmente quando instalado no peito de quem está disposto a lutar por ele. É o sonho que mobiliza e vira realidade, luta, política. Isso se multiplica e cresce, resiste.

Detalhes do ocorrido à parte, fica o nojo diante da virulência do fascismo. Dos rostos desfigurados por ódio. E a certeza de que vamos resistir.

O medo é algo que retrai, apequena, e por isso sei que não é essa a palavra que resume o sentimento da hora. Se há algo que eu quero, é expandir, ir além de mim para lutar com todos e todas que acreditam neste país e não se acovardam.

Parafraseando o presidente, eu não saí de casa para ouvir desaforo. Não embarquei num ônibus no extremo sul para sentir medo ou ódio. Não acompanhei três caravanas para desistir da caminhada na quarta.

Porque foram quatro caravanas de experiências pessoais e profissionais inestimáveis. Quatro caravanas de atos bonitos, pacíficos, de encontros com pessoas lindas e seus sorrisos, de contato com a realidade transformada pelos que acreditaram e lutaram antes de nós.

Estamos sim colhendo o que plantamos. Estamos colhendo histórias de superação e luta. A gratidão de quem, ao ter o que comer, onde morar, dignidade, pôde enfim começar a sonhar, estudar, conquistou cidadania. É para encontrar com essas pessoas que saímos em caravana. E isso estamos fazendo. E isso é o que nos alimenta.

Não dá para expressar o que está contido nos abraços apertados que recebi dos companheiros e companheiras do MST, que nos receberam e alimentaram o corpo e a alma, e dos que estão aqui conosco.

Pena de quem não caminha com o povo. De quem não sabe ouvir os milhões de homens e mulheres aguerridos deste país. Pobre de quem não conhece e não sente o Brasil que pulsa no coração das multidões.

Apesar de tudo, seguimos. Atravessamos tudo e chegamos. Vamos continuar. Já estamos. Porque somos feitos de matéria que resiste. Porque aprendemos a não baixar a cabeça para os que gritam mais alto. Porque levamos do lado esquerdo do peito uma estrela.

As jararacas estão mais vivas que nunca!

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Fonte: http://nocaute.blog.br/2018/03/28/depoimento/

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