O jornalista espanhol Carles Francino comenta o “pesadelo distópico” proposto pelo cineasta David Trueba: e se os europeus tivessem que se refugiar na África, para se proteger da contaminação pelo coronavírus?
Faz anos que a literatura, o cinema e as séries de televisão têm adotado a distopia, esse gênero que consiste em imaginar um futuro hostil e desagradável – mas não louco a ponto de ser descartado como algo que algum dia poderia se tornar realidade.
David Trueba, que é diretor de cinema, sugere no jornal El País uma distopia a propósito do coronavírus que nos obriga a refletir, que nos coloca frente ao espelho.
Imaginem, diz ele, que o contágio do coronavírus se estenda pela Europa de maneira incontrolável, enquanto no continente africano, pelas condições climáticas, não haja incidências. Aterradas, prossegue o relato, as famílias europeias fugiriam da doença de maneira histérica rumo à fronteira africana. Tentariam cruzar o mar pelo Estreito, se lançariam em embarcações precárias saindo das ilhas gregas e da costa turca.
Perseguidos pela sombra de uma nova peste mortal, buscariam ficar a salvo.
Porém…
Ao chegar na costa africana, as mesmas barreiras que eles levantaram, os mesmos controles violentos, e as fronteiras mais inexpugnáveis surgiriam como freio. E, além disso, as forças da ordem atirariam contra os ocidentais sem piedade, e gritariam: “Voltem para suas casas! Deixem-nos em paz! Não queremos sua doença, nem sua miséria, nem sua necessidade!”
Como relato distópico, não está mal, certo? Porque, além disso, recordem como a Europa, nossa Europa, esta Europa, privatizou o controle migratório, mandando um montão de gente para a Turquia, que agora mais ou menos nos chantageia. Ou, seja, quer dizer que não calculamos bem, como tampouco calcularam corretamente aqueles que, há anos, optaram por privatizar hospitais, laboratórios, serviços sanitários.
Agora, de repente, com todo esse problema enorme do coronavírus, redescobrimos o valor de um sistema público de saúde – por certo, com milhares de trabalhadores trabalhando duro para tentar frear o contágio, mas se arriscando a perder a corrida.
Pergunta: valeu a pena cortar tanto, privatizar, globalizar? Tudo isso servirá para nós aprendermos? Ou seguiremos em direção à distopia? Aceitamos propostas.
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