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POEMAS PUGILISTAS​

22 de Dezembro de 2019, 16:44 , por Nocaute - | No one following this article yet.
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Marcílio Godoi

Poemas pugilistas

Sob a forma de versos, Marcílio Godói abre a cicatriz e mergulha nas entranhas do Brasil. O poeta estreia hoje e estará aqui semanalmente.

QUEM INVENTOU O BRASIL

Quem inventou o Brasil
foi Jorge Mautner, Cacaso,
Hilda e Itamar Assumpção.
Foi Zé Celso, foi Zé Béttio, foi Zé ketty,
Cartola e Waly Salomão.

Quem inventou o Brasil
foi Darcy Ribeiro, Tom Zé,
foi Chacrinha e o Rosa no sertão.
Foi Carolina de Jesus e João Antônio
foi o Oscar, seu sopro, e o filho do Serjão.

Quem inventou o Brasil
foi Raul Bopp, o Cortez e o Seixas
foi Lúcio Costa e o câmera na mão.
Foi Lina, Oswald, Mutarelli,
foi Garrincha, Canhoteiro e Tostão.

Quem inventou o Brasil
foi Arnaldo Batista, Elza, Oiticica
foram os Dorivais, os Lobos, não o Lobão.
Foi o Zuenir, o Dias e o Carlos Gomes,
foi Leila, Zequinha de Abreu, Nara Leão.

Quem inventou o brasil
foi Macalé, Sampaio, Anacê.
Leminski, Caio f., Caio Prado e Itararé Barão.
Foi Science, Clarice, Veríssimos, Chica
e o da Silva, Jacobina e sua revolução.

Quem inventou o Brasil
não foi Dom Manuel, Caminha, Cabral,
mas o Neto Cabral João.
Foi Cecília, o da Pedra, o de Barros, o do Beco, os Mários
de Andrade e Quintana, Otelo, Gracindo, Zé do caixão.

Quem inventou o Brasil
foi Jorge de Lima e Barretos, Vinícius, Amado,
o Benjor, o Guinga, o Guinha e o Gonzagão.
Foram os Antônios Calado, Jobim
Candido, Conselheiro e Lampião.

Quem inventou o Brasil
foi Chiquinha, Nelsons Freire, Cavaquinho e Rodrigues,
Jackson, Clementina e Jamelão.
Foi o Paulinho, o Almir Pernambuquinho
foi Gentileza, não foi o Faustão.

Quem inventou o Brasil
foi Chico Rei, Joaquim Xavier, Aleijadinho,
Nise, Suassuna, Mussum, Noel e Rubião.
Ismael Nery, Cícero Dias, Vitalino,
Zumbi, Ziembinski, Salgado e a lente do Militão.

Quem inventou o Brasil
foi Plínio Marcos, Bezerra, Patativa,
o Moringueira, o Freire, sua alfabetização.
Foi Boal, Fernandona, Zé Bonitinho,
foi Morais, Miguilim e Manuelzão.

Quem inventou o Brasil
foi Bispo do Rosário, Euclides, Ana Néri,
Dom Helder, Gregório de Matos e o Mattosão.
Foi Torquato Neto, Elis, Tomie Ohtake.
Não foi o istabiliximente, não.

ANTIPOEMA

Prazer, Brasil
Somos a chacina, o assassínio, o estado terrorista.
Exterminamos pretos, universidades, museus.
Prazer, somos os anjos da morte de ecossistemas
ministérios culturais, aldeias indígenas
e reservas ambientais.

Encantado, Brasil.
Temos nojo de pobre, de refugiado
nojo de quem lembra, de quem pergunta,
nojo de quem pensa. Prazer.

Somos a narrativa dos dejetos,
dos dinheiros, do autoritarismo machocrático.
Assassinamos mendigos e o pensamento livre, a arte
em nome da livre iniciativa privada, prazer.

Criminalizamos o movimento periférico
da quebrada, quebramos o pacto,
pagamos o pato, deixamos intactos
os tribunais de milicianos. Prazer, Brasil.

Somos aqueles que não veem
os cegos burgueses mais que hipócritas
dos fundo de renda fixa e imobilidade social
simulando horror à violência
mas praticando-a como ninguém. Prazer.

Fixamos o fundamentalismo religioso neopentecostal
que pune a mulher, queima livros, mas não rasga dinheiro.
Somos o que enche o Congresso de dogmas
e submetralhadoras para os fiéis de boa índole
e Cristo no coração.

Somos a farta distribuição de balas, presídios
e falsas clínicas de reabilitação
munição para matar gays
ou encarcerá-los em mentes reprimidas, prazer.
Somos o país dos fetos mal formados
perdidos no labirinto laboratorial
subdesenvolvido da ganância.

Acertamos também, alvo atento
os andarilhos da estrada deserta
à procura de um naco de terra
em que se cultive territórios improdutivos
que ainda possam ser chamados de Nação.
Prazer, nação brasileira.

Somos o lugar do cidadão descartado
pela mais que conveniente
polarização de tudo.
Somos o progresso predatório
genocida, feminicida, fratricida
quilombocida, pobrecida, inseticida.
Somos o país do Glifosato livre.

Somos os novos hospícios, os velhos porões,
dos velhos novos tempos de mesmas amarguras.
Somos o eletrochoque e o cano de descarga,
somos o constrangimento, a grave ameaça,
o pau de arara, o pelourinho,
o grito libertário, abafado
com lágrimas e sangue no travesseiro.

Somos só os sem terra, os sem teto, os sem nada
ambulando casas carroças com cachorros
no centro da cidade.
Nice to meet you.

Somos a cura para toda inconveniência.
Somos a demência vestida de médico,
perseguindo mais médicos.
Somos a nova dita, somos a desdita.
Somos os jagunços de Brasília, prazer.

Temos tentáculos em todos os poderes
e tomamos as forças armadas
antes que a esquerda democrática,
progressista, aqueles comunistas
bolivarianos ousassem fazê-lo.

Somos a corrosão e o colapso.
Somos o grande lapso da história
inventamos miliuma formas de corrupção.
Sacramentamos o estado policial
para nossos inimigos, é claro.

E enquanto você se acostuma com a ideia
de que chegamos para ficar,
para que consiga compreender mais rapidamente
quem somos, de que somos feitos, de fato,
e a que viemos, de fake,
compramos todos os grandes canais de comunicação
corporativos, cristãos, esportivos, pornográficos.
Você nem vai notar
que seus direitos, garantias, seguridades
foram todos retirados por você mesmo
enquanto você dormia. Meritocraticamente.

Somos você escravo, prazer.
Somos o fascínio fascista
travestido de ladrões de laranjas.
Somos a corte dos bobos da corte
e dos guardas nem tão bobos do Supremo.
Supremo grampo de silêncios inconfessáveis.
Somos o lastro do spread bancário,
derramado no sigilo bancário,
dos paraísos bancários, prazer, otários.

Muito mais que a “rachadinha”,
somos a suprema “corrompliance”,
o jeitinho moderno que criamos
thank you, guys, de entregar
a força de trabalho do povo, sua mais valia
seu petróleo via tribunais americanos.
Somos robôs sensíveis, movidos à lagosta
e gasolina de avião da FAB. Prazer imenso.

Somos o gran-circo de curiosidades
de inofensiva intervenção fanfarro-burlesca,
somos a nova camiseta da seleção
batendo panelas na varanda gourmet, just do it.
Mas somos a velha distensão política
neocolonial de sempre.
Já nos vimos antes, mas, prazer em rever.

Somos o velho quintalzinho de operações táticas
da metrópole idealizada por capatazes,
mas o seu ódio não lhe deixa enxergar o óbvio
o seu ódvio, aquilo que nos sustenta
e nos paralisa em nossa gargalhada louca.
Somos o país da felicidade, devemos ser o Brasil, prazer.

Somos o estado de exceção como regra
uma construção orquestrada pela injustiça
erguida pela violência, travestida de sarcasmo
e sustentada por jeitinhos históricos
e acordos gananciosos, criminosos, vá lá, mas irrastreáveis
em várias dimensões e esferas. Prazer.

Somos a floresta em chamas numa zape governamental,
somos das costas largas, continentais, sujas de óleo. Prazer.
Somos agora um só pasto de soja transgênica e sem fim. Muito prazer.
Somos você sozinho, em sua mais longa espera, pop agrotóxica.
Somos o mandatário impune
metralhando da janela do helicóptero
aqueles que julga ser a razão da miséria.

Somos o país do fuzilamento sumário,
das novas chibatadas e dos 80 furos,
digo, somos o País do Futuro.
E sob o cruel embargo da justiça, lhe saúdo,
Prazer, Brasil.

AS TREZE TÁBUAS DA REPÚBLICA BOLSONARISTA

Fernanda Montenegro é inimiga da nação;
a misoginia, não.

Luíza Erundina é inimiga da nação;
as milícias, não.

Paulo Freire é inimigo da nação;
o analfabetismo, não.

Marielle Franco é inimiga da nação;
a violência policial, não.

Chico Buarque é inimigo da nação;
o ódio, não.

Glenn Greenwald é inimigo da nação;
as fakenews, não.

Jean Wyllys é inimigo da nação;
a homofobia, não.

Wagner Moura é inimigo da nação;
a censura, não.

Celso Amorim é inimigo da nação;
o entreguismo, não.

Eduardo Suplicy é inimigo da nação;
a concentração de renda, não.

Os professores são inimigos da nação;
o fundamentalismo religioso, não.

Zumbi dos Palmares é inimigo da nação;
o racismo, não.

Lula é inimigo da nação;
Sérgio Moro, não.

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Fonte: https://nocaute.blog.br/2019/12/22/poemas-pugilistas%e2%80%8b/

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