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A propósito da discussão sobre a redução da maioridade penal

1 de Abril de 2015, 7:53 , por Tânia Mandarino - | No one following this article yet.
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Relatório de uma visita acadêmica ao Educandário Joana Richa - em Curitiba/2007

 

FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PROFESSORA MARTA TONIN

ALUNA: TÂNIA MANDARINO 10O A DIURNO

RELATÓRIO DE VISITA AO EDUCANDÁRIO JOANA RICHA

 

 

Então, lhe trouxeram algumas crianças para que as tocasse, mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele. Então, tomando-as nos braços e impondo-lhes as mãos, as abençoava. (Mc10.13-16)

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

A questão da criança e do adolescente, recém regulamentada pelo ECA significa, indubitavelmente um avanço no que toca à proteção integral dessa etapa tão particular da vida do ser humano.

 

Enganam-se os que, apregoando a redução da maioridade penal, desconhecem a questão da privação de liberdade imposta a adolescentes infratores.

 

Dentro das medidas sócio-educativas elencadas pelo ECA em seu artigo 112, temos a internação (inciso VI), que nada mais é do que a medida máxima imposta ao adolescente que infringiu a lei.

 

Embora tal medida não tenha caráter punitivo, pois trata da tentativa do Estado de oferecer maior proteção e educação de modo a ressocializar o adolescente, ver alguém privado se sua liberdade de ir e vir é algo que, sem dúvida, nos emociona e constrange.

 

A despeito das impecáveis instalações do Educandário Joana Richa, da notável competência de seus diretores e educadores e dos excelentes programas a que têm acesso as internas ali em recuperação, não é possível deixar de observar que a frieza das celas e a rigidez das grades, nos traz um sentimento intraduzível de impotência e tristeza ante o fato de se fazer necessário privar da liberdade seres tão recentemente iniciados em suas trajetórias de vida.

 

Fica presa na garganta uma sensação de responsabilidade, de omissão, de “onde foi que nós erramos?” e, ao mesmo tempo uma ânsia por fazer urgentemente algo que possa ter efetividade na questão da criança e do adolescente que, mais tarde, certamente desembocará nas questões da violência, da segurança pública, da miséria, do tráfico, enfim, em questões muito particulares que farão toda a diferença entre viver ou morrer, sem distinção de classe sócio-econômica, uma vez que, num crescente de omissões e erros todos, mais cedo ou mais tarde, seremos acometidos pela situação em que se encontram as crianças e adolescentes hoje em nosso país.

 

Como acadêmicos de Direito, fica a certeza da obrigação de avaliarmos essa visita não apenas como universitários, mas, e sem a menor pretensão de arrogância, como a única categoria acadêmica que se forma para o exercício de um Poder.

 

Que Deus nos ajude em nossa trajetória de operadores do Direito a compreender a grandeza da correlação existente entre poder e responsabilidade, sobretudo no que toca à fiscalização da fiel execução do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como na participação ativa que o tema merece, a fim de que a fantástica teoria possa se fortalecer a ponto de sair do papel e caminhar por esses imensos Brasis, alegre, saltitante e lúdica, como deve ser a infância e questionadora e inquietante, como a adolescência.

 

2. RELATÓRIO

 

O Educandário já, de chegada, nos chama a atenção por sua grandiosidade e imponência.

Não se trata de luxo, mas da visualização de um espaço que se apresenta absolutamente harmonioso, por seu acabamento impecável, desde a arquitetura de herança canônica, até as instalações limpas, claras, bem pintadas e acolhedoras.

 

Em prédio apartado encontram-se a diretoria, as salas pedagógicas e uma sala da Assistente Social e Psicóloga.

 

Um piano chama a atenção neste anexo, onde as internas recebem a visita de suas famílias, bem como uma porta com a placa “Salão de Beleza”. Quadros confeccionados pelas internas compõem a decoração das paredes.

 

Nos recebeu a Diretora da unidade, Mariciane, que nos apresentou à Psicóloga, Cleuza, que passou a nos informar o que segue:

 

Trata-se da única unidade para internação feminina de adolescentes em todo o estado do Paraná.

 

A capacidade da unidade é para 30 internas, mas chama a tenção o baixo número de 24 adolescentes, que é a média constante da unidade.

 

Não importa o local da infração dentro do estado do Paraná, elas virão para o Educandário Joana Richa, sendo que as cidades de origem da maioria das internas são Foz do Iguaçu e Cascavel, dada a região fronteiriça, com maior incidência de tráfico de drogas.

 

A medida de internação tem a duração de três anos, mas a média de permanência na unidade é de um ano. Tal medida só cabe para infrações bem graves, sendo que as infrações, via de regra, são de roubo, homicídio e tráfico de drogas.

 

Dificilmente haverá internas que cometeram infrações leves.

 

As internas têm acesso a escolaridade (ensino fundamental e médio), qualificação profissional, atendimento médico, psicológico, social e pedagógico.

 

Trabalha-se também a família, para qual a interna retornará mais tarde.

 

A faixa etária predominante situa-se entre os 14 e 19 anos, sendo que se a medida é aplicada pouco antes dos 18, pode-se permanecer até os 21 anos na unidade.

 

Chama a atenção o fato de que, nos últimos anos, têm chegado meninas muito jovens à unidade, sendo que no último ano houve um aumento significativo na entrada de meninas de 13 e 14 anos.

 

Pode-se afirmar que a totalidade das internas advém de famílias muito pobres, que por sua condição socioeconômica, descuidaram-se da educação das filhas.

 

A visita se deu nas duas alas da unidade, a ala pedagógica e a ala interna, onde se situam os alojamentos.

 

2.1. ALA PEDAGÓGICA

 

Iniciamos a visita pela sala de artes, de bela arquitetura, com um pé direito bem alto, como em toda a unidade, e janelas muito bonitas, originais da época em que ali era um convento.

A sala comportava 10 teares, cedidos pelo Provopar, que também envia um artesão para ensinar a arte às meninas. Como o espaço da sala de artes não é muito grande, os teares geralmente ficam instalados na recepção e estavam ali, excepcionalmente, durante nossa visita.

 

Uma biblioteca composta por 16 estantes pequenas é tudo de livros que a unidade possui a disposição das meninas.

 

Um pequeno aparelho de som e um aparelho de dvd, além de um quadro negro, compõem os acessórios da sala de artes.

 

As meninas confeccionam peças no tear, inicialmente mantas e, depois, peças mais complexas como bolsas; elas confeccionam uma peça para elas e outra para a unidade.

 

Recentemente o Provopar sorteou uma máquina de tear, que a contemplada pode levar para casa em troca de oferecer ao Provopar uma produção específica.

 

Nas palavras da Picóloga Cleuza, a unidade se utiliza do “sistema de copistas”, no qual a televisão é proibida no primeiro mês de internação, depois passa a dia sim, dia não e, no segundo mês, por bom comportamento, pode ser assistida todos os dias.

 

No terceiro mês a interna pode fazer jus ao quarto coletivo e a conquista máxima que se obtém é a atividade externa uma vez por mês, que pode ser uma ida ao centro da cidade ou, até, um passeio à praia.

 

Para essa ala, a Pedagógica, o delito pouco importa, pois, mas palavras da Psicóloga Cleuza, “quem julga é o juiz” e a medida sócio educativa não é punitiva, mas visa ressocializar através de conquistas, avanços e novos aprendizados.

 

O objetivo é tentar mostrar novas possibilidades, para que as meninas vislumbrem, também, outras oportunidades.

 

Quando são liberadas da unidade, numa espécie de progressão de regime, as meninas saem, geralmente, com a medida de liberdade assistida, ou, ainda, com a medida de semi-liberdade.

 

A Psicóloga Cleuza nos relata que a medida sócio-educativa de semi-liberdade, quando é progressiva em relação ao internamento, se torna bastante complicada, pois, como a unidade atende todo o estado, as meninas do interior não podem se beneficiar, uma vez que tal medida compreende a freqüência à escola pela manhã, um curso profissionalizante ou inserção no mercado de trabalho á tarde, devendo haver o retorno a unidade no período noturno.

 

O índice de reincidência é calculado em 14%, haja vista que em 24 internas, duas retornaram.

 

Das 18 unidades do IASP no Paraná, apenas uma é feminina. O abrigo é de competência do Município.

 

A Ala Pedagógica comporta, ainda, as salas de aula destinadas ao ensino fundamental e médio, oficina de costura com seis máquinas onde as meninas aprendem desde o básico até a confecção de lingeries, sala de informática onde têm aulas duas vezes na semana, o piano, onde um professor voluntário da Escola de Música e Belas Artes lhes ensina musicalização, consultório odontológico e consultório médico, além da sala para atendimento psico-terapêutico.

 

No salão de beleza, bem equipado, e muito bem pintado em branco e lilás, as meninas têm acesso à formação profissionalizante oferecida pelo SENAC e aprendem a fazer depilação, manicure, etc.

 

O Estado paga passagens para que os pais mais carentes possam vir do interior visitar suas filhas, mas não chegou a ser questionado com qual frequência.

 

2.2. ALA INTERNA

 

Composta por alojamentos onde, no lugar de portas, temos grades.

Embora as celas se pareçam em tudo e por tudo com quartos de adolescentes, não as chamarei de quartos e sim de celas, dada a questão das grades de isolamento.

 

Há um berçário para a permanência de recém-nascidos junto às mães, quando se fizer necessário, contendo dois berços ao lado de camas para as mães, com colchas de fuxico confeccionadas pelas próprias internas, aliás, um trabalho muito bonito.

 

Neste ambiente notas-se a presença de decoração infantil, com barrados nas paredes, berços brancos, tudo muito limpo e adequado para a permanência de um bebê, embora no momento não houvesse nenhum na unidade.

 

A Ala Interna é composta por um corredor onde se dá a progressão de fase chamada de “fundo” e “mais para frente”.

 

A interna, quando chega na unidade, fica dois dias em recepção, passando por avaliação médica, enfermagem, avaliação psicológica, etc. e, após, passa para a fase 1, onde vai para a cela e, depois, para a cela coletiva, que é sua última conquista em termos de instalações e alojamento.

 

Não fossem as grades, as celas seriam quartos até bastante individualizados. A primeira atividade do dia, quando acordam cerca de 7 horas da manhã, é arrumar as camas.

 

Todas se encontravam arrumadas, as celas eram bem personalizadas, tinham fotos e objetos de decoração pessoal das internas num ambiente de muita positividade, quase todas com um livro aberto sobre um movelzinho que funciona como um bidê, ou até mesmo sobre o chão, em cima de toalhinhas.

 

Todas as camas com colchas estendidas, quase todas em fuxico, uma toalhinha de rosto posta decorativamente sobre a cama, a lembrar um babado, cartazes em forma de coração com belos dizeres, falando de amor, esperança, carinho decorando o ambiente ao lado de fotografias de seus familiares ou figuras recortadas de revistas.

 

Fomos informados de que, durante a internação, as meninas podem, em caso de mau comportamento, receber advertências; após três advertências, a interna é levada para a contenção, quando deve permanecer dentro da cela com um kit contenção, com material para que ela possa ler e escrever, e ali permanece durante mais ou menos dois dias.

 

 

  1. CONCLUSÃO

 

O Educandário Joana Richa parece atender a todas as disposições do ECA em seu Art. 94, como segue:

 

As entidades que desenvolvem programas de internação têm as seguintes obrigações, entre outras:

I - observar os direitos e garantias de que são titulares os adolescentes;

II - não restringir nenhum direito que não tenha sido objeto de restrição na decisão de internação;

III - oferecer atendimento personalizado, em pequenas unidades e grupos reduzidos;

IV - preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito e dignidade ao adolescente;

V - diligenciar no sentido do restabelecimento e da preservação dos vínculos familiares;

VI - comunicar à autoridade judiciária, periodicamente, os casos em que se mostre inviável ou impossível o reatamento dos vínculos familiares;

VII - oferecer instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança e os objetos necessários à higiene pessoal;

VIII - oferecer vestuário e alimentação suficientes e adequados à faixa etária dos adolescentes atendidos;

IX - oferecer cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêuticos;

X - propiciar escolarização e profissionalização;

XI - propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer;

XII - propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com suas crenças;

XIII - proceder a estudo social e pessoal de cada caso;

XIV - reavaliar periodicamente cada caso, com intervalo máximo de seis meses, dando ciência dos resultados à autoridade competente;

XV - informar, periodicamente, o adolescente internado sobre sua situação processual;

XVI - comunicar às autoridades competentes todos os casos de adolescentes portadores de moléstias infecto-contagiosas;

XVII - fornecer comprovante de depósito dos pertences dos adolescentes;

XVIII - manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos;

XIX - providenciar os documentos necessários ao exercício da cidadania àqueles que não os tiverem;

XX - manter arquivo de anotações onde constem data e circunstâncias do atendimento, nome do adolescente, seus pais ou responsável, parentes, endereços, sexo, idade, acompanhamento da sua formação, relação de seus pertences e demais dados que possibilitem sua identificação e a individualização do atendimento.

 

 

Entretanto, não há como deixar de perceber a omissão do Estado do Paraná quanto ao Art. 124 do Estatuto, em seus incisos VI e VII, uma vez que se trata da única unidade disponível para as adolescentes em conflito com a lei em todo o estado e é de se concluir que estão, muitas delas, distantes da mesma localidade onde residem suas famílias, bem como que as visitas semanais ficam comprometidas devido à distância.

 

 

Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

(...)

VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;

VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;

(...)

 

 

Ao final da visita, após termos assistido a um vídeo com fotografias das internas nas mais diversas situações de socialização e aprendizado, brincando juntas no pátio, a passeio na praia, todas aparentemente muito felizes ao som da música Amigos para Sempre cantada por Sara Brightman e José Carreras, tivemos acesso a apenas duas internas, Carise e Kaene, que agradeceram nossa visita e pediram que não nos esquecêssemos de que as meninas do educandário são meninas normais, como qualquer outra adolescente.

 

Causou-me uma espécie de pesar, no entanto, o fato de não podermos ter tido um acesso mais direto e pessoal a elas, mesmo ciente de que deve haver algum motivo pedagógico para tal; teria sido mais rico se tivéssemos podido nos assentar com elas e conversar informalmente, como uma visita que elas de fato estivessem recebendo e não consigo visualizar os motivos pelos quais esse contato não se deu, ainda mais em se tratando da visita de uma turma composta quase na sua totalidade por mulheres, como era a nossa turma de Direito, onde das 26 pessoas presentes, apenas duas eram do sexo masculino.

 

Retornando da faculdade outro dia, pude perceber, na rua, uma moça, jovem, maltrapilha, possuindo poucos dentes na boca e portando uma garrafa nas mãos. Ela fez um comentário ao léu, de que estava esperando um determinado ônibus que a levaria de graça até o centro, pois lá era mais fácil encontrar comida.

 

Comecei a conversar com ela, informalmente, e ela me disse que mora na rua, um pouco mais à frente e dorme sob a marquise de um estabelecimento comercial.

 

Prosseguiu, a jovem, em resposta as minhas perguntas, dizendo que acorda todos os dias em torno de 9 da manhã e segue para o centro, onde é mais fácil receber um prato de comida de alguém.

 

Disse-me, ainda, que passa suas tardes se ocupando em pedir dinheiro às pessoas para ter o que comer à noite e, no início da noite retorna ao seu bairro comprando algum alimento na padaria ou no mercadinho e se acomodando na calçada para dormir novamente sob a marquise e assim vai passando seus dias.

 

Perguntei-lhe se não há alguma casa, algum abrigo ao qual ela possa se dirigir e sua resposta me fez refletir muito sobre outras questões cruciais: “eu já tenho 22 anos, enquanto eu era ´dimenor` eles me ajudavam, mas agora acabou”.

 

Concluindo esse relatório de visita ao Educandário Joana Richa, não pude deixar de recordar da conversa com essa moça, de 22 anos, ainda tão próxima e já tão distante da adolescência.

 

As ações desenvolvidas pelo educandário em atendimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente são, sem dúvida, efetivas e indispensáveis, porém, analisando toda uma cidade, um estado e um país, fico me perguntando a respeito da eficácia de tais ações.

 

E ao perguntar, humildemente não posso deixar de ouvir a resposta ecoando em meus ouvidos: a eficácia está na multiplicação preventiva.

 

Um dia há de chegar em que as ações pedagógicas e socializadoras da unidade hoje visitada estarão atuando preventiva e não corretivamente e, neste dia, em que os direitos e garantias fundamentais estiverem assegurados a todas as crianças e a todos os adolescentes desse imenso Brasil, então eu colocarei minha cabeça sobre o travesseiro e me sentirei um pouco mais humana, um pouco mais segura e um pouco mais feliz.

 

Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos." (Pitágoras)