Conversa com Luizinho Afirmativa, arte educador do Movimento Hip Hop.
Os que me conhecem de perto, sabem que não é de hoje que venho externando profunda angústia com a questão dos jovens da periferia em Curitiba (e no Brasil e no mundo, mas estou falando, agora, aqui do meu quintal).
A morte do Hiago ganhou visibilidade e a versão de que ele foi morto por conta de ódio ao PT tomou as redes sociais.
Tive a notícia da morte do Hiago no sábado (20/09), quando estava retornando de um comício em Ivaiporã, com o candidato a deputado federal pelo PT, André Vieira.
Na estrada, ficamos profundamente tocados e a comoção tomou conta de nosso caminho até chegarmos em Curitiba.
E depois também.
Na madrugada de sábado para domingo, comentei sobre o fato com o meu filho, que ao ouvir o nome “Hiago – 100 Caos” ficou profundamente transtornado.
A primeira coisa que ele disse foi “não pode ter sido morte por motivos políticos, o Hiago era vida loka, não era petista!”
Meu filho é do RAP e a segunda coisa que ele comentou foi o que me chamou mais a atenção: “não aguento mais ouvir notícia de que meus amigos foram assassinados; só por esses dias foram quatro!”
Pedi ao meu filho, então, que nos apresentasse alguém mais ligado ao Hiago, para que pudéssemos conversar sobre a tragédia, encontrar maiores informações e uma versão de quem esteja mais próximo da realidade a qual Hiago pertencia.
Por telefone, falei com Luizinho Afirmativa, arte educador e ativista do Movimento Hip Hop há quase 20 anos, e marcamos uma conversa pessoal para o final da tarde de domingo.
Por telefone mesmo Luizinho já adiantou que são poucos os que querem fazer alguma coisa pelos jovens da periferia, e, entre os poucos que querem, são poucos os que efetivamente podem, pois “o tráfico, a morte e as influências dentro da comunidade são muito fortes”.
Luizinho seguiu dizendo que, pelo fato de o Estado não estar presente nas questões relativas à educação, escolaridade, cultura e lazer dos jovens na periferia, eles olham para o lado e enxergam como modelo de sucesso “o cara que tá vendendo droga e andando num carrão”.
Ainda por telefone, Luizinho falou sobre o sistema policial: “eu não tenho nada contra a polícia, mas o sistema policial não presta. A polícia tem que ser uma coisa constante dentro da comunidade, não só para reprimir, mas para atuar junto com o Estado, educando, se integrando”.
Veja bem, continuou Luizinho, “o jovem aqui tem a opção de trabalhar como servente de pedreiro, por exemplo, mas ai vê que pode vender droga duas horas por dia e ganhar um salário por dia; acaba escolhendo vender droga.”
“A mãe, o pai da criança tem que trabalhar e saem de casa de manhã, só voltam a noite, a criança não vê o pai e quando vê, geralmente o pai tá super estressado. Trabalho bonito pra criança é os cara que tá bem, de carrão, desfilando... É o traficante”.
“Eu tiro dinheiro do bolso para fazer o que o Estado tinha que fazer”, disse Luizinho, e prosseguiu: “Sou mal visto há 20 anos porque sou do Hip Hop. Quando as mães veem, a gente num ônibus, pensam ‘lá vem os cara do Hip Hop, que usam boné’ e escondem a bolsa, mas elas nem imaginam o trabalho que a gente faz com o Hip Hop para ajudar os filhos dela a tomarem um caminho diferente”.
E completou: “infelizmente já vinha se arrastando uma treta por causa de briga de time com o Hiago. Se o Hiago tivesse militando no PT, ia tar militando no Hip Hop. Hiago canta no nosso movimento Caravana, mas nos últimos tempos não tava lá; tinha se mudado pro Santa Cândida com a esposa, mas o trabalho dele com o PT é visitar quebrada... Hiago militou muito socialmente e acreditava que o Hip Hop ganha muito mais na comunidade, conversando, do que distribuindo panfleto na rua”.
Mais tarde, perto das 17h, nos encontramos pessoalmente com o Luizinho, num bar no Bairro Pinheirinho, eu, meu filho, Kauê, e o André Vieira.
O papo se estendeu até perto das 21h e tomou rumos de projeto coletivo.
Para além da morte de Hiago, a juventude da periferia pede socorro e medidas urgentes, pois, com bandeira, ou sem bandeira, estão matando nossos jovens, esta é a realidade.
Hiago foi morto na Praça Ucrânia, muito perto de nós. Estava atuando como cabo eleitoral do PT e nos chocou como um crime de ódio.
Eu protesto pela morte do Hiago, e protesto também pelas mortes de todos os jovens que são exterminados na periferia, longe da Praça Ucrânia, assim como o EZEQUIAS, que recém saído de uma cirurgia, foi espancado por PMs até morrer em decorrência de uma hemorragia interna. O BIMBÃO, morto no Capão Raso. O ADÃO, baleado bem longe da Praça Ucrânia e o NICOLAS, que morreu esfaqueado, todos no último mês, todos, como o Hiago, da periferia da capital paranaense.
É por isto que que eu convoco a militância para, após a manifestação contra a morte do Hiago, rumarmos para a periferia, de onde temos andado bem distantes, a fim de levantar necessidades, somar com eles e exigir uma atuação efetiva do Poder Público também nas esferas municipal e estadual para reduzirmos o número de assassinatos de jovens que vêm dali.
Hiago: Presente!
Ezequias: Presente!
Bimbão: Presente!
Adão: Presente!
Nicolas: Presente!
E nós?
... Estaríamos ausentes?
(por Tânia Mandarino)
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