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Ministro Barroso não é competente para decidir sobre transferência de José Dirceu a Curitiba

4 de Agosto de 2015, 21:24 , por Tânia Mandarino - | No one following this article yet.
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Ao julgar agravo regimental, interposto por José Genoino em agosto de 2014, contra decisão de Joaquim Barbosa que lhe indeferira o pedido de conversão do regime semiaberto em prisão domiciliar humanitária, o Ministro Luís Alberto Barroso assim se posicionou[1]:

 

Duas preocupações me movem na elaboração do voto que se segue. A primeira delas me acompanha desde o início da minha atuação nesta Ação Penal 470: a de aplicar as regras do jogo, as normas vigentes, tal como eu as entendo, sem dar ao presente processo qualquer tratamento excepcional. Seja a favor, seja em desfavor dos réus. As pessoas, ricas ou pobres, podem não ter igualdade perante a vida, mas devem tê-la perante a lei, ao menos na maior extensão possível. Um caso emblemático como este não é o ambiente adequado para inovações ou exceções.

 

Ao que tudo indica o cuidado em não criar exceções, tão propalado pelo Ministro Barroso, foi violado ontem pelo próprio ministro, ao prolatar a decisão que deferiu a transferência de José Dirceu para a 13ª Vara Federal de Curitiba, onde corre o processo da denominada operação lava jato.

(Aliás, será que alguém pensa mesmo que a ação ter ido parar na 13ª Vara foi distribuição aleatória? 13ª?)

A primeira exceção que se percebe no caso da ordem de condução de Zé Dirceu para Curitiba, foi a rapidez extraordinária com que Barroso se manifestou a respeito – horas depois da decretação da prisão preventiva, antecipando-se afoitamente à possibilidade de análise pelo Ministro Teori Zavaski, que é o relator da lava jato.

Teori Zavaski só retornou ao STF hoje e Barroso cuidou de prolatar a decisão ontem mesmo, na ausência do relator da lava jato.

Quanta vontade de julgar, não, ministro Barroso?

E que não se tergiverse com a falácia de que tamanha rapidez é a regra no STF, pois, nós advogados mortais, sabemos bem o tempo que demora uma análise como esta, quando o pedido é nosso.

Faz a gente crer que, na realidade, a decisão que autorizou o envio de José Dirceu a Curitiba, para que esteja à disposição da 13ª Vara Federal, já tenha sido ardilosamente confeccionada muito antes de qualquer provocação judicial.

Exceção, portanto!

A segunda, e mais grave exceção, diz com a negativa de vigência que o Ministro Barroso, tão encantado em citar imperativos kantianos em suas decisões, deu a dispositivos legais, que estabelecem regras expressas a respeito do julgador competente para analisar pedidos oriundos de prisão preventiva de réus sentenciados, como é o caso de José Dirceu.

Para que compreendamos isto de forma clara, é preciso que saibamos que, após a aposentadoria de Joaquim Barbosa, Barroso foi sorteado relator da AP 470 – na qual José Dirceu foi condenado e cumpria pena em regime aberto, dede que obteve o direito legal à progressão de regime.

Entretanto, mesmo em regime aberto, José Dirceu não perdeu a condição de sentenciado, ou seja, de pessoa em pleno período de cumprimento de pena.

Ocorre que a Lei determina que qualquer questão – ainda que relativa a fatos novos – que incida sobre quem está em cumprimento de pena, seja, antes de tudo, averiguada pela Vara de Execuções Penais responsável pela condução do cumprimento da pena pelo sujeito que a cumpre.

No caso de José Dirceu, o Ministro Barroso, ao avocar o processo para si, decidindo sobre fatos relativos a José Dirceu, ainda que em imputações feitas em ação distinta daquela na qual cumpre pena, parece ter incorrido em supressão de instância, incorrendo em flagrante estado de exceção, violando os próprios propósitos, expostos em decisões anteriores.

No bom juridiquês, Barroso deveria se declarar incompetente para qualquer decisão a respeito do sentenciado José Dirceu, que não envolva progressão de regime, encaminhando o caso para análise, primeira, da Vara de Execuções Penais, como ele mesmo cita em seu voto, que indeferiu a progressão de regime a José Genoíno, outrora: “O Supremo Tribunal Federal, ao decidir a Décima Primeira Questão de Ordem na Ação Penal 470, decidiu delegar ao Juízo das Execuções Penais do Distrito Federal a competência para a prática dos atos executórios do acórdão”, exceto as questões referentes à progressão do regime de cumprimento da pena, que, estas sim, seriam de sua competência, como relator da execução da AP 470.

E, mesmo que assim não o tivesse declarado, é o que determina a Lei de Execuções Penais, em seu artigo 66, que somente ao juiz da execução penal competiria avaliar questões incidentes sobre o sentenciado José Dirceu.

Além disto, o Código de Processo Penal, ao tratar das nulidades que podem ser declaradas se gerarem prejuízo ao réu, já principia elencando: “Art. 564.  A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz” (...)

E: “Art. 567.  A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente.

Ou seja, ainda que Barroso seja também relator das execuções da AP 470, sua competência só diz com análises relativas à progressão de regime, podendo ser declarada nula sua decisão, que determinou a transferência de José Dirceu a Curitiba.

Se houver Justiça na corte máxima de justiça deste País, a José Dirceu deve ser concedido habeas corpus ainda nesta noite, uma vez que, mesmo tendo sido enviado para as garras de Sérgio Moro de forma processualmente nula, amanhã deverá falar na lava jato.

E, se partirmos de premissa assumida pelo próprio Barroso em decisão anterior:

 

Em segundo lugar, tenho em mente uma outra preocupação: a decisão que se produzir aqui irá repercutir sobre a execução penal em todo o país e, portanto, nos seus fundamentos e nas suas consequências, ela deverá ser universalizável. Significa dizer: ela deverá valer para todas as pessoas que se encontrarem em igual situação em qualquer parte do território nacional. A universalização é uma regra ética e igualitária que se extrai do princípio maior da filosofia de Kant – o imperativo categórico – cuja dicção é a seguinte: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade (i.e., o princípio que a inspira e move) possa se transformar em uma lei universal”.

 

Em se persistindo a nulidade, restará inexoravelmente universalizada, portanto, a partir da própria premissa de Barroso, a insegurança jurídica no Brasil, agora de forma definitivamente institucionalizada.

E então, meus caros, rasguem-se todos os códigos, expurguem-se todas as leis e extirpem-se todas as garantias constitucionais do ordenamento jurídico brasileiro, porque restará expressamente decretada a ditadura institucional neste país.

E você pensando que o perigo poderia vir dos quartéis?

 (por Tânia Mandarino)

 

[1] http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2014/06/Jos%C3%A9-Geno%C3%ADno-2-pris%C3%A3o-domiciliar-25jun2014.pdf