Por muitos dias evitei postar aqui qualquer comentário a respeito do “resgate” dos cãezinhos da Royal por achar o assunto não mereceria toda esta atenção e, sinceramente, cãezinhos e outros bichos utilizados em laboratórios, deveriam estar no final da agenda de prioridades de qualquer brasileiro pensante.

Sem pretender ofender ou atacar a ninguém, o assunto Animais X Estudos em laboratório, pode ser resumido e entendido em apenas pouquíssimas linhas.

1º. Apenas sádicos ou portadores de sérios distúrbios psicológicos sentem prazer em provocar a dor ou em assistir o sofrimento de outro ser vivo. Mesmo sem dados tabulados, arrisco afirmar que a imensa maioria dos chefes de laboratório, pesquisadores e técnicos de laboratório é composta por pessoas que não são sádicas, tão pouco, possuem distúrbios psicológicos.

2º. O método Científico – Para testar uma hipótese qualquer, seja ela o poder de cura de um novo medicamento, seus efeitos colaterais, ou até mesmo o risco de obter câncer de pele pelo uso abusivo de manteiga de cacau nos beiços, é necessário a utilização de cobaias vivas. Não dá para testar tudo em cadáveres ou em cultura de células.

3º. Não fosse o uso de cobaias, nossa medicina e farmacologia estariam estagnadas no mesmo patamar em que se encontravam no século XV e milhares, talvez milhões de pessoas ainda  morreriam por causa de qualquer coisinha, desde um surto gripe, cólera ou por pisar num prego enferrujado.

4º. Queira ou não, nossa sociedade ainda necessita de cobaias para sobreviver e evoluir. Viva com isso.

Admito que não acompanhei as notícias sobre o resgate dos beagles do Instituto Royal. Acompanhei mais os desdobramentos e os calorosos debates nas redes digitais. E deste meu ponto de vista (vou arrumar encrenca com muita gente agora) o pessoal que invadiu o laboratório e resgatou os bichinhos só fizeram cagada.

Invadiram propriedade particular, vandalizaram e subtraíram bens que não lhes pertenciam. Para qualquer jurista, são nada mais que ladrões e arrombadores. (Pronto. Acabo de perder uns 300 leitores)

De novo. Queira ou não, animais de laboratório não são como seu cachorrinho ou gatinho de estimação. Talvez a única semelhança entre eles, é que os animais de laboratório e o seu pet, são propriedade de alguém. Não interessa se você comprou, ganhou ou resgatou seu bichinho ele é seu, você é responsável por ele e faz com ele o que te der na telha. É um ser vivo, muitas vezes amoroso e carinhoso, mas não deixa de ser um bicho e por ser bicho e não gente, legalmente falando, é nada mais que uma propriedade.

Se o Instituto Royal usava os bichinhos para testes com cosméticos já é uma outra história moral e merece uma abordagem diferente. Mas mesmo assim, os bichinhos pertencem ao instituto Royal e o instituto faz com eles o que bem entender. Afinal, vivemos numa sociedade capitalista, a indústria de cosméticos precisa vender. “Money talk!”

Os defensores dos animais estão errando o foco estão atacando o inimigo errado.

Por mais que exista o sofrimento de animais nos testes de laboratório e, em alguns casos, este sofrimento sirva apenas para o fútil embelezamento de alguma quarentona mal comida. Talvez os defensores dos beagles se esqueçam daquele dia em que sofriam de uma forte cólica menstrual ou de uma crise de cólica renal ou mesmo um dorzinha de cabeça e mesmo sem nenhuma receita médica, tomaram aquele analgésico poderoso, eficaz no combate a dor.

Imagine quantos animais foram submetidos a um tipo de dor lancinante apenas para que estes medicamentos pudessem ter sido testados e você, mesmo sem receita médica, pudesse tomar um ou dois comprimidinhos para sua dor sumir e não correr o risco de sofrer nenhum efeito colateral mais grave?

É ou não é, um sofrimento por uma causa muito nobre?

Por outro lado, é muito raro ver estes mesmos defensores de bichinhos partirem em defesa dos outros milhões, talvez bilhões de outros animais que sofrem muito mais que os pobres beagles nas mãos da indústria alimentícia de massa.

É muito legal comer aquele bifão suculento, sem saber que o bezerro foi separado da mãe antes de completar dois meses, que cresceu e foi engordado em confinamento, a custa de muito anabolizante e que foi abatido de forma cruel e retalhado antes mesmo da consciência abandonar seu corpo.

Mas o bifão é macio e suculento. Na hora de matar a fome, só isso importa.

O mesmo vale para o gado de leite, suínos, aves em geral, peixes, ovos. É uma crueldade indescritível, praticada sem nenhum escrúpulo, para que o consumidor tenha carne barata a sua disposição nas prateleiras das redes de supermercado.

Será que não seria muito mais positivo se os defensores do beagles aplicassem toda sua energia em campanhas de conscientização a respeito da crueldade contra os animais utilizados na indústria alimentícia?

Uma campanha por criação, engorda e abate dos animais sem toda esta crueldade?

Mas a indústria de alimentos de origem animal é poderosa, cheia de grana e com muitos advogados competentes. Quem vai peitar estes tubarões?

O que realmente importa é que a soltura dos beagles rendeu e rendeu muito.

Agora a pouco, coletando informações na rede, encontro esta imagem orgulhosamente postada por alguém que se declara defensor dos animais e dos direitos humanos (direitos humanos apenas para os humanos direitos, é óbvio).

Nem vou me ater aos pedófilos e estupradores que por mais que mereçam sim as punições enérgicas previstas pela legislação, jamais devem perder o status de seres humanos. Se não, esqueçamos de uma vez da sociedade e partamos para o vale tudo, a barbárie.

Atente para a ênfase nos políticos corruptos, destacando as letras P e T.

Tem-se a impressão de que apenas o PT possui políticos corruptos entre seus filiados, todos os outros partidos são compostos por pessoas de bem, sem nenhuma mácula ou desvios em suas histórias. Tem que ser muito alienado para acreditar nisso.

Pior, que não foi um qualquer quem replicou a imagem, pelo contrário,  foi uma pessoa muito bem vista na sociedade, com educação superior, bons contatos, boa vida. E, além dele, outras 5.461 almas concordam com isso e também replicaram a imagem.

O que está acontecendo com os brasileiros?

Num dia, um vereador afirma que moradores de rua deveriam ser utilizados como ração para peixe e hoje, outros tantos tentam reduzir seres humanos a menos que animais, a cobaias de laboratório.

A sociedade brasileira está doente o grosso da classe média brasileira está muito doente. Está doente de ódio, de rancor. Tão doente que é difícil tentar encontrar alguma explicação minimamente coerente.

Talvez, já acostumados por toda história, onde seus pais, avós e bisavós sempre tiveram vantagens sobre as classes menos favorecidas, hoje sentem que seus descendentes têm estas mesmas vantagens ameaçadas por programas de inclusão social, por cotas em universidades, por mais emprego e mais renda para os mais pobres. Seus filhos no futuro, não poderão contratar uma pretinha empregada doméstica sem carteira de trabalho e sem direitos trabalhistas.

Talvez, não suportem cruzar com suas empregadas domésticas ou porteiros do condomínio  no saguão de embarque dos aeroportos. Talvez, não suportem a idéia de que o filho da empregada tem plenas condições de estudar na mesma universidade pública que seu filho estuda.

São sentimentos normais para uma classe média moldada e educada pelas benesses da meritocracia de classes e sob a proteção da igreja católica apostólica romana. Mas não para os acontecimentos dos dias atuais.

A classe média brasileira está em crise. Em crise existencial, em crise por falta de humanidade, em crise pela total falta de escrúpulos durante toda sua existência.

De qualquer modo, para eles, ainda restam o bichinhos de estimação que, com seu amor incondicional, aliviam qualquer sentimento de ódio ou angústia. Vai ver, enxergaram nos beagles da Royal, seus próprios bichinhos amáveis, queridos e muito bem alimentados com ração transgênica e talvez, seja este o motivo de toda esta comoção generalizada por causa um “resgate” que na verdade não passou invasão e roubo de propriedade privada.

E partamos para outra porque este assunto já encheu!

Polaco Doido