Às voltas com as descobertas e a alegria de meu pequeno Francisco, de 4 anos, eu já sabia que o amigo Marco Aurélio estava às voltas com a luta de um outro Francisco – o sogro, que brigava pela vida num hospital. O velho Francisco se foi na última sexta-feira – “tinha fechado os olhos e não os abriria mais”, escreveu o Aurélio
Publico abaixo as reflexões do amigo e blogueiro. Num mundo em que expurgamos a morte de nosso convívio (o velório já não se faz em casa, como se expulsássemos a morte pra bem longe), são reflexões importantes. Sei que não deve estar sendo fácil para o Aurélio, e menos ainda para a mulher dele Alexandra, que perdeu o pai. Mas fica tudo “menos difícil” quando se pode pensar e dividir as dores e os sentimentos… (Rodrigo Vianna)
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por Marco Aurelio Mello, no Doladodelá
Depois que tomamos todas as providências relativas ao velório e ao sepultamento de meu sogro Francisco, na última sexta-feira, fomos tomados por uma inquietação típica da paternidade: o que fazer com os meninos? Meu filho mais velho, o Pedro, com 16 anos, já está seguro para tomar este tipo de decisão sozinho, portanto a logística era apenas a de ir buscá-lo na namorada e levá-lo no dia seguinte. Mas e o Gabriel, o que fazer?
Desta vez, ao contrário de tantas outras, me impus. Não dei nem brechas para questionamentos. Disse que iria buscá-lo na casa do amiguinho Guilherme, aonde dormiu, e o levaria comigo ao velório. Algumas pessoas ensaiaram protestar, mas cederam quando notaram que eu seria irredutível. Ontem à noite, depois de passado o furacão, disse à Alexandra: fizemos bem em incluí-los, sabia? Por mais que demandasse uma energia extra…
Alexandra concordou. Considerou que eu fizera muito bem em tê-los levado. Foi muito importante para mim, como pai, consegui dar a notícia para o Gabriel com firmeza, reunir todos, chegar com eles para se despedir do avô, ver a avó, a tia, a mãe e o tio, além de parentes e amigos. Não era um momento de alegria mesmo, nem tinha que ser, uai! E porque eles não poderiam passar por isso?
Fiquei conjecturando sobre como nossa sociedade focada no desejo e no prazer fica tentando proteger os mais jovens, e quanto isso é danoso para eles – que não amadurecem – para nós pais – que não os deixamos amadurecer e, principalmente, para a sociedade, tão carente de homens maduros, firmes, autônomos e dignos.
Voltando ao velório, o Pedro levou a namorada Bruna e ambos se surpreenderam com a rodinha de idosos ao lado da lanchonete. Pedro quis saber se eles eram amigos do vovô. Quando respondi que sim, que era uma amizade de mais de sessenta anos eles mal puderam alcançar a importância daquilo. Afinal, que amigos conseguem ser amigos por tanto tempo? E não é que o vovô cultivou três grandes amigos por toda a vida!
Em roda, eles e suas esposas, lembravam momentos felizes ao lado do velho e teimoso Chico. Enquanto isso, meu cunhado, Ricardo, era amparado pelos amigos, em especial pela Rosana, a melhor amiga, arrisco a dizer, com quem já convive há mais de 35 anos e, pelo visto, é para a vida inteira também. Além destes, tantos mais que apareceram e não apareceram, mas se fizeram presentes de várias outras formas.
A Alexandra quis saber como foi que dei a notícia ao Gabriel, quando fui buscá-lo na casa do amiguinho. Disse que ele precisava dar tchau para o vovô, que tinha fechado os olhos e não os abriria mais. Aí ele disse: Por que preciso dar tchau se ele não vai ver? Respondi que ele não veria, mas sentiria, e que todos os amigos e familiares estavam indo ao cemitério para fazer o mesmo.
Desde que o avô saiu de seu campo de visão, no dia 20 de fevereiro, quando foi internado para retirar um câncer do intestino, o pequeno passou a fantasiar bastante. Fez uma série de perguntas sobre a morte, e tentava – por sua conta – elaborar a sensação de vazio deixada pela ausência repentina do avô. Portanto, quando falei a ele da despedida foi como se tivesse sido tomado por um certo alívio. Além disso, finalmente teria oportunidade de entender como uma pessoa é enterrada, outro questionamento recorrente.
Muita gente estranhou quando viu uma criança de 5 anos correndo pelo gramado do cemitério ou entre pessoas, coroas e o caixão do avô. Mas, por outro lado, que momento sublime de contato à sua maneira. No final, enquanto as pessoas se distraíam na conversa ele empurrou a cabeça daquele corpo inerte havia horas no caixão e exclamou para a priminha Jéssica: é, tá morto mesmo! Quanta singeleza nesta falta de educação!
Com a ajuda da mãe, depois de resistir de início, finalmente Pedro criou coragem e foi ver o avô no caixão. Segurou firme até o momento em que a Prima Josi, inspiradíssima, fez um lindo discurso enaltecendo o amor e a dedicação da vovó Ada nesses 51 anos. Nessa hora, consolado pela Bru, desabou. Que bom que pode viver a dor da morte com tanta intensidade, diriam as tias Cely e Celina, que infelizmente não souberam a tempo de estar conosco, mas que se fazem presentes mesmo na ausência.
No final, depois de depositarmos nosso crisântemo branco na cova, não poderia faltar o prosaico comentário do pequeno Gabriel: pai, não gostei do cara ter jogado cimento em cima do vovô. Sinal de que para ele o enterro estava de fato terminado. Gostei da coragem dos meus meninos! Gostei da gritaria e do corre-corre indesejáveis, mas que encheram o espaço tão silencioso e cheio de dor de vida e alegria, mesmo que para muitos adultos não fosse momento tão apropriado.
E a Alexandra emendou: criança é tudo de bom, né? Só achei que, diante deste termendo desafio de assumir parte importante da organização do “evento”, poderia ter ficado mais perto da minha mulher. Mas nessas horas o que se quer é dividir a dor com a mãe, o irmão e com todas as pessoas que vem para nos confortar, ligam, mandam torpedos, recados e enchem nosso coração de carinho.
Eu estava sempre por perto e isso ela pode sentir também.
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