por Rodrigo Vianna
Dia desses recebi mensagem de um jornalista a quem respeito, e que trabalha no velho “Estadão”. Ele reclamava do fato de eu ter publicado, aqui no blog, um texto de Paulo Nogueira sobre a lenta agonia do jornal dos Mesquita. O texto não era meu, expliquei logo. Mas de fato, ao publicá-lo, eu o endossava. Paulo Nogueira fazia uma crítica ácida (e merecida) ao jornal – que vai morrendo na contramão do Brasil; Nogueira atacava a linha editorial e os colunistas caducos – citando Jabor e Dora Kramer.
O jornalista que me escreveu alertava para o risco dessas críticas generalizadas, sem nuances, que nós na blogosfera (e eu me incluo nessa) às vezes adotamos. Respondi a ele que é difícil ser ponderado ao criticar um jornal que, em 2010, afastou Maria Rita Khel – porque ela era uma colunista que não se alinhava ao serrismo, em plena campanha eleitoral; um jornal que, no passado, chegou a comparar internautas com macacos – num desastrado comercial de TV.
Ainda assim, guardei a reclamação (polida e ponderada, registre-se) do jornalista. Guardei como uma espécie de alerta para os excessos que, muitas vezes, cometemos aqui na internet.
Penso nisso tudo agora, quando me debruço sobre a chamada “Operação Fratelli’ – que investiga a ‘Máfia do Asfalto’ em São Paulo (um esquema comandado pela empresa DEMOP, da famíla Scamatti, que “convencia” deputados a apresentar emendas para obras que depois eram executadas pela prórpia DEMOP). A melhor cobertura sobre o caso é feita por dois repórteres do “Estadão”: Fausto Macedo e Fernando Gallo.
Na última quinta-feira, eles publicaram um texto consistente, mostrando as ligações da tal “Máfia” com o homem forte do governo Alckmin – Edson Aparecido. Matéria correta, contundente. O que fez o “Estadão’? Escondeu a reportagem, claro! Não deu chamada de capa. Mas os repórteres fizeram o serviço deles, no limite do possível: expuseram as denúncias contra Aparecido, um tucano de alta plumagem, de forma bem documentada – e isso tudo num jornal que é alinhado com o PSDB.
Cheguei a ouvir de alguns que isso poderia ser “fogo amigo” do Serra, matéria “encomendada” pelos adversários internos de Alckmin. Hoje essa teoria caiu por terra, porque a dupla Fausto/Gallo trouxe no “Estadão” outra informação valiosa: a DEMOP (empresa central na suposta ”máfia”) passou a atuar fortemente em obras do governo estadual, contando com um contato muito especial – que nos grampos do Ministério Público é identificado apenas como “Delson”. A reportagem esclarece: ”entre 2007 e 2011, o DER foi dirigido pelo engenheiro Delson José Amador, que também acumulou a presidência da Dersa na gestão José Serra (PSDB).”
Alckmin não foi poupado. Serra também não. O trabalho de reportagem está feito. As pistas estão todas aí. De novo, os dois foram no limite. E, de novo, o “Estadão” não deu destaque para o assunto na capa – claro que não.
Ah, então os repórteres estariam “a serviço do PT”? Também não. Há uma semana, eles informaram que deputados petistas também são citados na investigação. Citaram o nome de Arlindo Chinaglia, petista que já foi presidente da Câmara.
É uma demonstração de que não se deve jogar “a criança fora com a água do banho”. Ou seja: há, sim, muita gente boa, e séria, trabalhando no Estadão, na Folha, em O Globo, e até na Abril. Gente que sobrevive, negociando a cada dia o que é possível ceder, em nome da informação.
Abaixo, a reportagem de Fausto Macedo e Fernando Gallo, reproduzida do Blog do Nassif…
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MÁFIA DO ASFALTO SE INFILTROU NO DER, SEGUNDO INQUÉRITO
Fausto Macedo e Fernando Gallo – O Estado de S.Paulo
A Máfia do Asfalto – organização acusada de fraudar, em prefeituras do interior paulista, licitações com recursos de emendas parlamentares e de ministérios – ampliou seu raio de ação, entre 2008 e 2010, para o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), importante autarquia do governo de São Paulo que tem um orçamento previsto para 2013 de R$ 5,9 bilhões.
Desde 2007, duas empresas do empreiteiro Olívio Scamatti, a Demop e a Scamatti & Seller (ex-Scamvias), fecharam com o órgão contratos que, somados, chegam a R$ 321 milhões em valores atualizados pela inflação. A grande maioria do dinheiro já foi paga, uma vez que dos 27 contratos firmados, apenas três estão em vigência – os demais já foram encerrados.
Força tarefa da Polícia Federal e do Ministério Público identificou, no curso da Operação Fratelli, a infiltração de Scamatti, apontado como chefe da quadrilha, nos bastidores do DER, naquele período.
Relatório do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de São José do Rio Preto destaca que a quadrilha mantinha contatos frequentes com engenheiros do DER, tinha acesso a “informações privilegiadas” e sabia de detalhes de licitações antes da publicação dos editais da autarquia.
“As informações evidenciam que a área de influência do grupo investigado vai muito além das prefeituras, instalando-se em um órgão com a importância do DER”, anotaram os promotores do Gaeco.
A investigação aponta como suposto contato de Scamatti no DER um homem identificado como “Délcio” nos grampos. Entre 2007 e 2011, o DER foi dirigido pelo engenheiro Delson José Amador, que também acumulou a presidência da Dersa na gestão José Serra (PSDB).
A Polícia Federal e o Ministério Público não imputam nenhum ato ilícito a Amador. As citações a seu nome são feitas sempre por terceiros, alvos das interceptações. Em 19 de agosto de 2008, Scamatti e seu irmão Pedro caíram no grampo conversando “sobre uma reunião que Olívio teve no DER com uma pessoa identificada como Délcio, que foi uma boa reunião”. Scamatti diz que “Birigui (município do interior) aumentou R$ 5 milhões do valor que era fechado”. Faz menção a “outros bons negócios”.
O mais vultoso contrato da Demop com o DER nasceu de um edital de 2008, que se transformou em um contrato, em 2010, para obras na SP-461, rodovia que passa por Birigui. A empreiteira recebeu R$ 38,7 milhões pela duplicação da estrada, em valores atualizados.
Em uma escuta de 29 de junho de 2008, Scamatti recebe ligação de outro empresário que reclama do preço do asfalto, dos impostos e diz que “no final não ganha nada”. O empreiteiro diz que está em São Paulo e que encontrou-se com “o dr. Delcio, com quem tem uma aproximação boa”. Scamatti afirma que “estão indo uns negócios grandes para a região de Votuporanga”.
Dois meses depois, Scamatti conversa sobre a duplicação da rodovia 320, “liberada pelo DER e vai custar R$ 1,2 bilhão”. O empreiteiro diz que “o amigo deles de São Paulo confirmou o fato quando saía do Palácio”.
Outro áudio pegou Scamatti e o irmão Pedro falando da duplicação da rodovia Euclides da Cunha, “demonstrando que já sabiam, quase dois anos antes da publicação do edital, detalhes sobre a obra, como a quantidade de desapropriações”.
Ao denunciar Scamatti e outros 18 investigados, o procurador da República Thiago Lacerda Nobre anotou no relatório: “O grupo criminoso mantém relação ilícita, ou no mínimo espúria, com vários servidores públicos, nas mais diversas esferas de poder, municipal, estadual e federal”.
Evolução patrimonial. A investigação mostra a impressionante evolução patrimonial do conglomerado de Scamatti, que trabalhou como vendedor de milho do empresário Carlos Pignatari, o Carlão, ex-prefeito de Votuporanga, hoje deputado estadual pelo PSDB.
A Demop Participações Ltda., em 2003, apresentava capital social de R$ 200 mil. Em 2010, o capital já atingia R$ 25 milhões. A empresa venceu 70 licitações municipais, sobre as quais pesam suspeitas de fraudes, apenas entre 2010 e 2011, com recursos oriundos dos Ministérios das Cidades e do Turismo. Conforme a base de dados do Tribunal de Contas do Estado, a Demop recebeu de municípios paulistas R$ 82,08 milhões.
A Scamatti & Seller Infraestrutura Ltda (antiga Scamvias Construções e Empreendimentos), ostentava em 2005 capital de R$ 500 mil que, em 2012 saltou para R$ 15 milhões. Entre 2010 e 2011 venceu 30 licitações. Somente de municípios paulistas recebeu R$ 55,82 milhões naquele período.
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