por Darío Pignotti no Pagina/12, tradução por Vila Vudu
As edições eletrônicas do Wall Street Journal e do Financial Times dedicarão amanhã uma cobertura agitada, recolhendo repercussões minuto a minuto do leilão a realizar-se no Brasil, do campo de petróleo Libra, de 1.500 km2, com cerca de 12 milhões de barris em águas profundas a 183 km da costa do Rio de Janeiro, e que, em alguns anos, pode estar produzindo 1,4 milhões de barris/dia, volume equivalente a 70% do que o país produz hoje.
Petrobrás e três petroleiras chinesas (não se descarta a formação de um consórcio sino-brasileiro, à última hora) aparecem entre as onze empresas que participarão da disputa pelo campo de Libra, da qual não participarão as “grandes irmãs” norte-americanas, por causa do estresse diplomático surgido entre Brasília e Washington, depois que se revelaram os atos de espionagem perpetrados pela Agência de Segurança Nacional dos EUA contra a Petrobrás e a presidenta Dilma Rousseff, dentre outros alvos sensíveis.
Por baixo e por trás das notícias em tempo real que já sufocam e mais ainda sufocarão amanhã, de índices da Bolsa e corretores e ‘especialistas’ com opiniões de curtíssimo prazo, há uma história de que pouco se falará, transcorrida nos últimos anos, e que permite compreender realmente o que está em jogo: uma reacomodação de forças na geopolítica do petróleo.
Celso Amorim era chanceler, em julho de 2008, quando recebeu um telefonema de sua contraparte norte-americana Condoleezza Rice, que lhe sugeria que recebesse sem alarme a notícia de que seria reativada a 4ª Frota, sob jurisdição do Comando Sul dos EUA, anunciada alguns meses depois de que foram descobertas, em 2007, grandiosas reservas de petróleo no litoral de Campos e de Santos, nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Nem o chanceler Amorim nem seu chefe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levaram a sério a retórica de tranquilização da serventuária de George W. Bush. Aliás, foi exatamente o contrário: houve alarme no Palácio do Planalto. Lula, Amorim e a então ministra Dilma Rousseff, que começava a aparecer como candidata à presidência, compreenderam imediatamente que a presença da Marinha dos EUA nas costas cariocas seria uma ostentação de poderio militar sobre os 50 bilhões de cru de boa qualidade ali guardados, a mais de 5.000 metros de profundidade, numa zona geológica conhecida como “pré-sal”.
Mas, à parte os questionamentos em foros internacionais, especialmente latino- americanos, pouco o Palácio do Planalto pôde fazer naquele momento, contra a ostentação de supremacia militar dos EUA e sua decisão de que a 4ª Frota – braço armado das petroleiras de bandeira norte-americana Exxon e Chevron no hemisfério – viraria a proa na direção sul.
Lula e sua conselheira em assuntos de energia, Dilma Rousseff, viram-se num dilema: ou adotar uma saída à mexicana, como a do atual presidente Enrique Peña Nieto, que se mostrou disposto a privatizar a Pemex, embora o termo empregado tenha sido “modernização”; ou injetar dinheiro e mística nacionalista para fortalecer a Petrobrás como vetor de uma estratégia destinada a salvaguardar a soberania energética. Por fim, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) optou pela segunda via, e implantou-a, mediante uma bateria de medidas de amplo espectro.
Capitalizou a Petrobrás, com o objetivo de reverter o efeito de esvaziamento da empresa herdado do governo do PSDB, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002); e conseguiu aprovar, ao final de 2010, uma lei “estatizante e intervencionista” para o petróleo – na opinião de políticos neoliberais e do lobby britânico-EUA, sempre ampliada e repercutida infinitas vezes pelos jornalistas das principais empresas de jornalismo no Brasil.
Ressuscitou o projeto de construir um submarino atômico com a França, país com o qual o Brasil assinou em 2009 um acordo militar (que avançou menos que o prometido); exigiu nos organismos internacionais a expansão da plataforma marinha, para assegurar que ninguém aparecesse para disputar a titularidade dos campos de petróleo submarino, e promoveu o Conselho de Defesa da Unasur, com apoio de Argentina e Venezuela e indefinição dos colombianos.
Como braço auxiliar dessa linha de ação governamental, o PT operou uma perseverante aproximação com o Partido Comunista Chinês, antessala para estabelecer laços de confiança política com a nomenclatura do Estado asiático, com cujo Banco de Desenvolvimento o Brasil assinaria afinal, em 2010, uma série de pré-acordos para concessão e empréstimos de dezenas de milhões de dólares à Petrobrás.
Paralelamente aos movimentos brasileiros para salvaguardar seu interesse nacional e para alcançar um lugar para o Brasil entre as potências do petróleo, a Agência de Segurança Nacional dos EUA dedicava-se a roubar informações estratégicas do Ministério de Minas e Energia, e os diplomatas norte-americanos que operavam em Brasília [e em outras capitais] enviavam telegramas secretos a Washington, nos quais o chanceler Amorim era pintado como “diplomata antiamericano”.
Há três meses, quando Dilma Rousseff foi informada sobre as manobras da Agência de Segurança Nacional dos EUA, uma fonte do Planalto disse a Página/12 que a presidenta evitaria “radicalizar” a situação, porque confiava numa conciliação com os EUA, em visita oficial marcada para dia 23 de outubro. Mas, em setembro, Dilma se tornou irredutível, ao saber que os espiões norte-americanos haviam violado até as comunicações da Petrobrás.
A decisão de suspender a visita de estado a Washington, mesmo depois de Barack Obama ter renovado pessoalmente o convite, não deve ser interpretada como gesto impensado, que não foi; e suas consequências afetaram decisões cruciais.
O fato de que não haja inscrita nenhuma petroleira dos EUA, para participar do leilão de amanhã do megacampo de Libra, e de que três poderosas empresas chinesas, duas das quais são empresas estatais, estejam na disputa, é sinal claro de que a colisão diplomática teve, sim, repercussão prática.
Que fontes próximas do governo tenham deixado transparecer que há a possibilidade de que se constitua um consórcio entre a Petrobrás e alguma empresa chinesa, revela que a geopolítica de Brasília para o petróleo inclina-se para Pequim – que já é seu principal sócio comercial. E se isso tudo já não bastasse para demarcar o distanciamento estratégico entre o Planalto e a Casa Branca, semana passada o indigesto (para Washington) ministro Celso Amorim, agora no posto de ministro da Defesa, iniciou conversações com a Rússia, para analisar a compra de caças-bombardeiros Sukoi.
Foi só uma sondagem, mas se essa compra for formalizada, será considerável revés para a corporação industrial-militar dos EUA, que imaginava vender seus caças Super Hornet ao Brasil, durante a visita que Dilma já não fará.
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