por Fábio de Oliveira Ribeiro no GGN
Esta semana dois países colidiram num Shopping e o resultado foi uma explosão de irracionalidade.
Garotos pobres da periferia de São Paulo (nem brancos, nem bem nascidos), combinaram dar um “rolezinho” no Shopping Itaquera. O resultado foi repressão policial desmedida e cenas que lembram bastante as proporcionadas pelo regime racista da África do Sul antes de Mandela ser eleito presidente .
Shoppings são locais privados abertos ao público. Portanto, não devem em hipótese alguma discriminar quem irá ou não adentrar em suas dependências. Quem adentra a um Shopping não pode ser obrigado a consumir, nem deve ser colocado para fora porque resolveu passear com os amigos pelo local. Mas não foi isto o que ocorreu.
O “rolezinho” indesejado dos garotos pobres provocou um verdadeiro Estado de exceção. Uma parte da população brasileira, branca e bem nascida, parece acreditar que eles não deveriam ter direito de ir e vir. Então o “rolezinho” foi brutalmente interrompido, inclusive com anuência do Judiciário paulista.
A CF/88 garante a todos os cidadãos, sem qualquer distinção de raça, credo, cor ou situação econômica, o direito de ir e vir. Portanto, a decisão judicial que implicitamente revogou esta garantia para atender às veleidades racistas e classistas do Shopping é bastante questionável. Idem para o comportamento brutal da PM, cuja função é garantir o exercício dos direitos constitucionais dos cidadãos e não impedir seu exercício como se vivêssemos num regime de apartheid racial, sócio-econômico ou cultural.
A decisão judicial que legitimou a brutal repressão policial no Shopping e cassou o direito de ir e vir dos garotos pobres (nem brancos, nem bem nascidos), expõe uma chaga aberta. No Brasil existem dois países. Um não quer conviver com o outro e deixou isto bem claro ao recorrer à força bruta estatal para discriminar quem pode e quem não deve passear no Shopping.
Ao menor sinal de conflito, o Estado brasileiro abandonou os princípios de igualdade racial e da concessão de garantias políticas e individuais à todos os cidadãos, para ficar ao lado de alguns (brancos bem nascidos) contra o “resto da população”. Nesse sentido, não foi o “rolezinho” que perturbou a ordem no Shopping, o evento apenas comprovou a desordem que é a vida num país racista e classista que se recusa a admitir sua incapacidade de permitir a coexistência entre os habitantes dos “bairros nobres” e os “favelados da periferia”, que devem ficar contidos na periferia.
Sem querer (ou querendo) os garotos pobres que realizam estes “rolezinhos” estão nos ensinando uma coisa bastante valiosa: o regime de apartheid racial, sócio-econômico ou cultural existe no Brasil e terá que ser enfrentado. Como se dará este enfrentamento?
A imprensa parece inclinada a criminalizar o “rolezinho”. Uma clara indicação disto é o fato do jornalista que fez a matéria acima mencionada não ter emitido qualquer juízo de valor sobre o conteúdo possivelmente racista da decisão do Shopping de proibir o “rolezinho” e da repressão policial que se seguiu. Nenhuma objeção racional foi levantada contra o conteúdo da decisão judicial que cassou de maneira absurda o direito de ir e vir dos jovens que participam ou pretendem participar destes eventos. Num conflito desta natureza, quem não fica ao lado dos oprimidos legitima a opressão imposta por quem pode empregar a violência estatal.
Até o presente momento não vi o Ministério Público de São Paulo e o Ministério Público Federal se manifestarem sobre o assunto. Ambos são guardiãs da CF/88 e deveriam estar adotando medidas para permitir que todos os jovens, independentemente de cor, raça, credo ou condição sócio-econômica, possam exercer seu direito de ir e vir em locais públicos e abertos ao público. Discriminação racial é crime e o MP é titular da ação penal incondicionada nestes casos. Os donos dos Shoppings serão processados por racismo? As decisões judiciais permitindo a brutal repressão policial serão questionadas e os Juízes que as proferiram com evidente violação da CF/88 serão representados no CNJ?
Acompanharemos de perto a evolução deste novo espetáculo de irracionalidade política. O que está em jogo não é a ordem, mas o direito à igualdade. O “rolezinho” é uma excelente oportunidade para reconhecermos a existência do apartheid racial, sócio-econômico ou cultural. Neste momento, a tarefa dos defensores da civilização deve ser superá-lo e não justificar o racismo através da omissão.
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