Quando os blogueiros foram processados, pela Globo e pela Folha, Aloisio Mercadante não apareceu para prestar solidariedade. Nem em público, nem em privado. Requião (PMDB-PR) foi à tribuna. Paulo Pimenta (PT-RS) também foi. Outros tiveram a atitude (discreta, mas compreensível pelo cargo que ocupam) de mandar mensagens por telefone ou internet, manifestando solidariedade.
Mercadante não. Mercadeja. Fraqueja. Quando o governo Lula passou pela pior crise de sua história, durante a CPI do Mensalão, lá estava ele – o corajoso senador petista, histérico, tentando salvar a pele (e a imagem) junto aos eleitores de classe média em São Paulo. Quase chorou na tribuna. Não defendeu Lula. E tampouco saiu do PT (como fizeram aqueles que consideraram o “Mensalão” inaceitável). Mercadante ficou no meio do caminho, oportunisticamente.
Agora, Mercadante aparece para se dizer “perplexo” com as afirmações de que o dono da “Folha” era um colaborador estreito da ditadura. Mercadante. Penso nesse nome. Mercadante, mercador, comerciante. Aquele que mercadeja, troca…
Em busca de que está Mercadante? Ninguém escreve uma carta patética como essa (leia aqui o texto de Edu Guimarães, que reproduz a carta na íntegra) à toa. É um recado do governo Dilma (afinal, ele assina como “ministro da Educação”) para a velha mídia? Algo assim: “Fiquem tranquilos, Dilma e a Comissão da Verdade não irão atrás dos pecados que Frias, Marinhos e outros cometeram, em sua associação com a ditadura” – é isso? Há gente que não aceitaria mandar um recado desses…
Ou seria um recado pessoal: “turma da Folha, eu sou confiável, estou com vocês, lembrem-se disso quando eu for candidato a governador (ou a presidente, pois este é o novo delírio a embalar as pretensões do ministro, pelo que dizem em Brasília).
Seja como for, Mercadante ficou pequeno. Minúsculo.
Muitos na direção do PT vão-se afastando de sua história. O partido cedeu muito para governar. Compreensível, trata-se de governo de coalizão. Foi-se entregando a práticas comuns na política brasileira. Era a busca pela tal “governabilidade”. Quem acompanha (e eu o faço) as entranhas de uma investigação como a “Operação Fratelli” (realizada pela PF e o MPF em São Paulo) encontra deputados petistas confortavelmente próximos de lobistas e empreiteiras. Tucanos e petistas, juntos.
É o percurso da social-democracia no mundo inteiro. Ceder para governar? Ou manter-se fiel aos princípios, mas sem intervir na gestão do aparato de Estado? PSOE na Espanha, PS francês, Labour Party inglês e outros preferiram a primeira hipótese. Avalio que o PT até cedeu menos do que os congêneres europeus. Não se entregou totalmente ao programa liberal. Fortaleceu o Estado, distribuiu renda, favoreceu a unidade latino-americana. E tem uma base (operária, sindical, nos movimentos sociais) que empurra o partido um pouco pra esquerda – apesar de tudo.
Mas na direção, os sinais são de que os mercadores avançam. Há muitas exceções, há muita gente boa entre parlamentares e lideranças petistas. Tenho certeza que a maioria absoluta, inclusive, não aprova a carta patética de Mercadante. Mas essa carta é mais um sintoma evidente da doença que vai minando o PT: a doença dos que mercadejam tudo para ficar de bem com os velhos donos do poder.
Uma coisa, diga-se, é fazer acordos para governar. Outra é se lambuzar nas maõs de empreiteiras e lobistas. E outra, ainda pior, é mercadejar a História, aceitando reescrever a História para ficar de bem com dono de jornal. Patético.
Por último, uma observação. Mercadante cometeu, parece-me, um ato falho na carta à “Folha”. Ele diz, ao mercadejar solidariedade ao jornal, que a coluna de “Perseu Abramo” era uma referência dos que lutavam contra a ditadura. Perseu, de fato, era uma referência. Jornalista, combativo, crítico dos meios de comunicação em que havia trabalhado: ele tem uma obra clássica sobre a manipulação midiática (os petistas costumavam lê-la, nos velhos tempos). A Fundação partidária mantida pelo PT foi batizada com o nome de Perseu.
Mas a coluna na “Folha” que era “referência” (e de fato era) no período de transição democrática no Brasil (anos 70 e 80) trazia a assinatura de outro Abramo: Cláudio. Depois de afastá-lo da direção do jornal (para satisfazer a sanha da linha-dura do regime militar, que não aceitava um “esquerdista”), Frias entregou a Claudio Abramo a coluna na página 2. Prêmio de consolação? Se foi, Cláudio honrou o prêmio com textos inteligentes e combativos. Mercadante lembra-se disso? Eu lembro.
Mercadante talvez tenha preferido esquecer que era petista - no momento de escrever a carta. Mas na forma de um ato falho clássico, a condição de petista brotou. Ele quis falar de Claúdio, mas o nome de Perseu é que veio à tona. Mercadante mercadejou quase tudo. Mas o inconsciente pregou-lhe uma peça.
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A carta de Mercadante no painel do Leitor da “Folha” [registre-se que o jornal teve, ao menos, a dignidade de publicar a informação - confirmada por várias fontes - de que Frias e a "Folha" tinham grande proximidade com a ditadura e os torturadores; Mercadante escreve para comentar o texto que leu sobre isso na própria "Folha"]
A Folha publicou notícia de que o empresário Octavio Frias de Oliveira visitou frequentemente o Dops e era amigo pessoal do delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais ativos agentes da repressão.
A denúncia partiu do ex-agente da repressão, Cláudio Guerra. Recebi a informação perplexo e incrédulo. Especialmente porque militei contra a ditadura militar na dura década de 70 e tive a oportunidade de testemunhar o papel desempenhado pelo jornal, sob o comando de “seu Frias”, na luta pelas liberdades democráticas.
A coluna de Perseu Abramo sempre foi referência da luta estudantil nos dias difíceis de repressão. A página de “Opinião” abriu espaço para o debate democrático e pluralista. A Folha contribuiu decisivamente para a campanha das Diretas Já.
Ao longo desses 40 anos de militância política, mesmo com opiniões muitas vezes opostas às da Folha, testemunho que o jornal sempre garantiu o debate e a pluralidade de ideias, que ajudaram a construir o Brasil democrático de hoje.
E “seu Frias” merece, por isso, meu reconhecimento. Acredito que falo por muitos da minha geração.
Aloizio Mercadante, ministro de Estado da Educação (Brasília, DF)
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