por Gilberto Maringoni, na CartaMaior
Raras vezes vi um político como Fernando Haddad. Em tese, deveria ser brilhante: tem um bom currículo, conhece teoria marxista e é um intelectual de razoável envergadura.
Mas politicamente é limitado pelas artimanhas burocráticas do cargo.
Poderia, nesses dias, dar um salto e se alçar a ser figura de proa no cenário nacional, demarcar campo e isolar a extrema-direita em São Paulo.
Abriria caminho para uma derrota espetacular dos tucanos em seu ninho, em 2014.
Mas opta pela via do medo e do menor esforço.
Bandeira concreta
Os manifestantes em São Paulo têm como bandeira de luta algo muito concreto, amplo e compreensível: são contra o aumento de R$ 0,20 nas passagens de transporte urbano.
Todo mundo sabe o que são 20 centavos. É um chiclete ou duas balas ou mais nada.
Mas é uma ilusão pensar que 15 mil pessoas – e muitas mais nos próximos dias – estão indo às ruas pelo preço de um chiclete ou duas balas.
Vão às ruas pelo transporte ruim, pelas ruas cada vez mais perigosas, por viverem em uma metrópole de serviços precários e por vários e vários etecéteras.
Vão às ruas por que a elevação do salário mínimo, a redução do desemprego e o bolsa família, embora representem avanços inegáveis, precisam de mais avanços para a vida dos pobres mudar.
Precisam de avanços na vida pública, nas ruas, nos serviços e no bem-estar social.
Contador de miudezas
Diante de tudo isso, o que faz Haddad? Como um contador de miudezas, olha para as planilhas e vê que cancelar o reajuste de R$ 0,20 vai onerar os cofres públicos em R$ 600 milhões. E diz “não dá”.
Aceita receber os manifestantes, mas não dá.
Conversa sobre tudo, mas não dá.
Nunca dá.
Serviço público é gasto.
Serviço público custa dinheiro.
Mas o que são R$ 600 milhões diante de um orçamento de R$ 42 bilhões?
O que são R$ 600 milhões diante do desgaste monumental e irreparável que o prefeito e seu partido estão tendo em São Paulo?
O que são R$ 600 milhões diante da possibilidade de isolar a direita tucana em seu ninho?
O que são R$ 600 milhões diante da possibilidade de vetar o aumento e recuperar a credibilidade diante de parcela crescente da população que acorre aos protestos?
Nenhuma campanha de marketing conseguirá recuperar a imagem de pusilânime, assessório do PSDB e burocrata que se desenha diante do chefe do Executivo municipal.
Se Haddad não fosse Haddad
Agora imaginem se Haddad não fosse Haddad, se fosse um político ousado, como Brizola, Getulio ou mesmo Tancredo Neves (não vou citar nenhum Lênin ou Fidel, pois aí já seria pedir demais ao jovem professor da USP).
Imaginem se, na segunda-feira pela manhã, antes do ato, Haddad anuncia a revogação do aumento.
Imaginem se Hadadd percebe que R$ 0,20 valem apenas R$ 600 milhões, que são nada diante do orçamento municipal.
Que isso se resolve num segundo numa das maiores metrópoles do mundo.
Imaginem se ele revoga o aumento.
Imediatamente quem terá de se explicar não será ele.
Quem terá de se explicar será o governador Geraldo Alckmin: por que o preço do ônibus é R$ 3 e o de metrô e trens é R$ 3,20?
Quem terá de se explicar sobre a violência da PM será apenas e tão somente o governador.
O tucanato entrará numa defensiva complicada no estado.
O preço da decisão
Por R$0,20, que são R$ 600 milhões, poderemos começar a conversar seriamente sobre a cidade que queremos, sobre o transporte que precisamos, sobre os hospitais, escolas e serviços públicos que necessitamos.
Convenhamos, é uma pechincha.
A decisão não é econômica, não se fará diante de planilhas, excels e continhas.
É política.
Para tomá-la é preciso apenas coragem.
Custa um pouquinho mais de R$ 0,20, mas vale a pena.
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