Por Raphaël Maureau, para o Escrevinhador
Tirei o título de eleitor aos 16 anos para votar no Lula. Aos 14, já estava contando o tempo para poder participar das eleições e me posicionar em relação à situação social do país, o maior fosso social do mundo.
Na época do colégio, me interessava pelas revoluções socialistas nas aulas de história. O levante de camponeses, operários e soldados russos que derrubou a monarquia absolutista do czar Nicolau II e culminou com a Revolução de Outubro de 1917, a revolta dos camponeses mexicanos liderados por Emiliano Zapata, a vitória da guerrilha em Cuba em 59 que, nos anos seguintes, praticamente erradicou o analfabetismo na ilha, as guerras de independência no continente africano e nas Antilhas, lutas de resistência nas ditaduras na América Latina… esses eram assuntos que me instigavam e me faziam sonhar com um Brasil mais justo.
Eu sempre estudei em escolas particulares caras (e entre os meus colegas de classe alguns eram filhos de banqueiros que iam pra escola escoltados por uma grande quantidade de seguranças, alguns treinados pelo Mossad, que passavam o dia na porta e ao redor da escola). Meu pai, um francês fanfarrão que tinha sido estudante na Sorbonne em Paris em 1968, me disse um dia: “meu filho, você é um privilegiado, você estuda num país com uma das maiores taxas de analfabetismo do planeta, você tem o dever de fazer alguma coisa por esse país”. E foi nesse ambiente que eu cresci. Comecei a me apaixonar pela política.
Da empolgação à desilusão
Em 98, votei Lula. FHC foi reeleito. Lembro que na festa de comemoração dos supostos 500 anos de Brasil, no dia 22 de abril de 2000, os grupos indígenas que protestavam em Cabrália contra a tal celebração foram violentamente afugentados pela polícia e pelo exército nacional. Em 2002, no meu primeiro de ano de faculdade, votei Lula novamente e me emocionei.
Foi emocionante ver um nordestino vindo de família pobre, oriundo da classe operária, mostrando para o Brasil o seu primeiro diploma, o de presidente. Não fui para a festa na Paulista, mas eu lembro que chorava de emoção na frente da televisão. Em 2003, a primeira medida do governo foi liberar o plantio de soja transgênica.
A ministra do Meio Ambiente era Marina Silva. Nos anos que seguiram, os bancos Itaú e Bradesco batiam recordes de lucro, mês a mês. Reforma agrária, não teve. Democratização dos meios de comunicação, tão pouco. A repressão contra rádios comunitárias aumentou. Movimentos sociais eram reprimidos em todos os cantos do país. O tal pacto social parecia estranho…
De repente, surge um escândalo de corrupção envolvendo a compra de votos no Congresso Nacional, cujo o protagonista era do alto escalão de um partido que defendia a transparência e a honestidade.
Esse período de desilusão com o cenário político brasileiro coincidiu com o período em que frequentei a faculdade, o que só fez aumentar a desilusão. Participar do movimento estudantil era um sonho de menino. O que o menino viu foi o aparelhamento desse movimento por grupos radicais de esquerda e supostas “ligas revolucionárias”, truculência e violência nas votações dos congressos da UNE, controlados pela juventude do PCdoB, conchavos políticos sorrateiros nos congressos nacionais dos estudantes de comunicação…
O menino viu que fazer política era aquilo mesmo, e que os meus colegas estavam reproduzindo o jeito de fazer política dos velhos políticos. E que daqui alguns anos eles estariam lá, como assessores do deputado X, Y, Z, jogando o jogo.
Meu voto mais sincero era o nulo.
As alianças do PT começaram a ficar cada vez mais bizarras. José Sarney e Jader Barbalho eram nomes influentes que garantiriam o PT no Nordeste e no Norte do país. Lamentável… Nesse meio tempo, acaloradas discussões políticas me fizeram afastar de amigos queridos. Passei alguns anos sem a menor vontade de entrar em questões políticas e fui tratar de encontrar o meu lugar no mercado de trabalho.
Em 2006, anulei o voto. Em 2010, também. Esporadicamente, ia cobrir como jornalista independente a ação de movimentos que lutam por moradia na cidade de São Paulo, como o MTST e o MSTC. Foram quatro ocupações no centro e outra em Itapecerica em terrenos e edifícios abandonados por seus proprietários. Portanto, não tinham função social, mas foram todos desocupados pelas forças do Estado. Participei também de uma ou outra manifestação do MPL entre 2007 e 2008, também reprimidas com violência policial.
Um raio de luz no horizonte
Em 2013, comecei a acompanhar as manifestações pela televisão, pelo Brasil Urgente do Datena. Morando perto da Paulista, ouvia os helicópteros e os tiros pela janela. Mas não saía de casa, porque minha prioridade era o trabalho e os estudos.
Até o dia em que fui assistir a um show na Avenida Angélica e não consegui chegar. Tentei diversos caminhos, em vão. Saindo de trás do MASP, me deparei por quatro vezes com a Tropa de Choque avançando sobre a multidão na Frei Caneca, na Augusta, na Bela Cintra e na Consolação. E por pouco não levei bala na orelha da polícia do Geraldo, que havia ordenado que a manifestação não chegasse à avenida Paulista. Nesse dia, a chama se reacendeu, resolvi voltar a discutir política e fui pra rua fazer coro junto com um dos movimentos que eu mais admiro hoje, que é o MPL, pela forma de organização.
Me emocionei novamente quando andei mais de 10 quilômetros ao lado de uma multidão sem fim. Eu não acreditava que estava vivendo aquilo. Eu era um dos que gritava “sem partido” e “abaixem as bandeiras”. Mas no final das manifestações, fomos percebendo que havia ali uma polarização esquerda/direita, e tudo começou a ficar confuso.
O gigante acordou? Acordou e foi colar figurinha no álbum da Copa? Ou o quê? Antes, eu achava que a massa reacionária de São Paulo não tinha capacidade de se organizar. Achava ingenuamente que o máximo que eles conseguiriam fazer era votar na direita no dia das eleições. Salvo engano.
Começaram a surgir manifestações pedindo intervenção militar para tomar o poder. Pensamentos velados começaram a sair de casa a ganhar as ruas. Agressões físicas e verbais foram aumentando. Se teve uma coisa de positiva nas manifestações de junho, além da derrubada dos 0,20 centavos de real, foi que, por se tratar de um movimento espontâneo e horizontal, permitiu que as pessoas mais diversas mostrassem suas caras, com ou sem máscara. Todos diziam em alto e bom som para o que vieram. E eu prefiro assim, que seja tudo às claras. Que os reacionários e homofóbicos mostrem suas caras para que eu possa ver contra quem eu devo me colocar.
De lá pra cá, pensei bastante sobre o meu voto depois da Copa. O mais sincero seria anular. Mas diante do perigo de ver um discurso preconceituoso, excludente e odioso sair vitorioso nessas eleições, me coloquei novamente à esquerda. Presenciei cenas bizarras, motoristas tucanos insultando motoristas petistas numa demonstração de ódio e violência, nordestinos sendo hostilizados em restaurantes de classe média, pessoas próximas do meu círculo social defendendo intervenção armada para tirar o PT do poder… e botar quem no lugar, minha gente?
Dia 26 votarei Dilma, contra a imbecilidade humana!
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