por Roberto Regensteiner*, para o Escrevinhador
Na semana passada, esbarrei casualmente com um obituário informando o falecimento do grande Jayme Leão – ocorrido neste último dia 10 de março.
A primeira vez que soube dele foi pela ESPETACULAR ILUSTRAÇÃO desta matéria. Ele a fez para a Semana “O Homem e a Terra”, que Centros Acadêmicos realizaram na PUC, em abril de (se bem me lembro) 1975 e que estampamos na capa do Jornal Cobra de Vidro (“Uma publicação dos Centros Acadêmicos da FEI, GV e FAAP”).
Examine a ilustração. Aprecie a imensa expressividade do semeador, que com seu gesto e gotas de suor faz crescer a planta…. Uma obra de arte que ajudou a irrigar a causa que transcorridos mais de 38 anos segue em pauta. Ajuda a entender porque guardei este exemplar todos este tempo.
Anos depois sensibilizou-me o Agapito, o personagem que ele criou para uma tira semanal no HP (Agapê, sacaram o trocadilho), o jornal “Hora do Povo” na sua melhor fase (sob a direção de Franklin Martins).
Tive a oportunidade de conhecê-lo um pouco mais em poucas ocasiões, e em uma churrascada de asa de frango que ofereceu em sua casa no Mandaqui. Lá conheci também no segundo andar a mesa inclinada de desenhista, com tinta nanquim e outros tantos apetrechos do ofício que exerceu com grandes virtudes. Grande ilustrador, grande figura!
Ao saber de sua morte dei uma vasculhada na Internet em busca de mais notícias.
Os obituários informavam das complicações de saúde destes últimos meses. Sofreu traumatismo craniano em janeiro deste ano. Fez cirurgia. Dias após receber alta, apresentou quadro de desidratação e foi internado novamente no hospital do Mandaqui (SP). Permaneceu em estado grave, até não resistir devido a complicações. Foi velado e enterrado no Cemitério Parque da Cantareira, em São Paulo (zona norte). Deixou sete filhos, sete netos e um bisneto. Faltou dizer dos amigos e admiradores.
Todos destacaram a autoria de suas capas para a Coleção Vagalume da Editora Ática. Alguns contaram parte de sua bela trajetória.
Nascido no Recife, em 18 de março de 1945, mudou-se para o Rio na infância e, na juventude, instalou-se em São Paulo. Autodidata, tendo cursado apenas a escola primária, começou a trabalhar aos 15 anos para o jornal carioca “Liga”, pertencente às Ligas Camponesas. Com o início da ditadura, passou a trabalhar como alfaiate e começou a ilustrar para a editora Brasil América, produzindo HQs. Em pouco tempo aproximou-se da publicidade, área na qual atuou por vários anos —abandonou a carreira por não suportar a ideia de “ganhar dinheiro mentindo”, segundo sua filha Lídice Leão, jornalista.
Em São Paulo, onde passou a viver em 1970 com a mulher e Lídice, fez ilustrações para a imprensa alternativa, para veículos como “Pasquim” e “Opinião”, tendo ajudado a fundar o jornal “Movimento”. Foi preso várias vezes e chegou a viver com a família no Chile. Em meados dos anos 1970, passou a ilustrar para veículos como ”IstoÉ”, ”Veja”, a Folha e o “Estado de S. Paulo”.
O site do Nassif postou um vídeo em que Jayme, Laerte e Ary Normanha contam de sua trajetória de luta contra a ditadura. Postou também um belo “História Oral de Jayme Leão” com algumas de suas ilustrações e o relato mais detalhado que encontrei com sua trajetória de lutas e vida profissional feito (aparentemente) por alunas de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero (SP) – clique aqui para ler.
Nenhum depoimento, entretanto, é tão profundo e emocionante quanto o de sua filha Lídice, no Facebook:
“Sou Lídice por causa dele (que queria que eu tivesse uma história sobre o meu nome pra contar). Leão por causa dele. Jornalista por causa dele (que me levava para passear nas redações quando eu era criança). Devoradora de livros por causa dele (que me presenteava com livros e álbuns do Asterix desde que comecei a ler as primeiras sílabas). Esquerdista por causa dele (que fazia pôsteres sobre as guerrilhas da Nicarágua e El Salvador e nos levava para ajudar a vendê-los nos atos políticos para enviar o dinheiro para as guerrilhas). Rigorosa com alguns gostos culturais por causa dele (que não nos deixava assistir aos filmes dos Trapalhões e nos levava para assistir aos do Akira Kurosawa). Louca por uma cerveja e uma conversa de bar por causa dele (que nos levava para os bares do Bexiga e juntava as cadeiras para dormirmos quando o sono nos derrubava). Enfim, cresci ouvindo minha mãe dizer: “Essa menina tem o temperamento igualzinho ao do pai dela. Quando está lendo um livro, o mundo pode desabar que ela não vê nada”. Pois é. A culpa é dele. Do Jayme Leão. O maior ilustrador desse país e um dos maiores do mundo. O melhor, mais louco e mais autêntico de todos os pais. Nunca mais vamos tomar cerveja juntos, ouvindo Noel Rosa, Vinícius ou Cartola. Vai fazer falta, pai. Muita falta.”
* Roberto Regensteiner é professor, consultor e escritor
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