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Rodrigo Vianna

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Mentiras na CPI do Cachoeira e força bruta na Comissão da Verdade

18 de Junho de 2012, 21:00 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Por Vitor Hugo Soares, no Terra Magazine

“Como beber dessa bebida amarga?/Tragar a dor engolir a labuta?/ Mesmo calada a boca resta o peito/ Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa?/ Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta /Tanta mentira tanta força bruta.”

“Cálice”, Chico Buarque e Gilberto Gil

Foi uma semana de amargar: A complacência e a cumplicidade (de quase todo lado) andaram juntas e de mãos dadas em Brasília. Abriam caminho para a impunidade no barro fofo do jogo de cena mambembe das falsas aparências e meias verdades na CPI do Cachoeira. Coisas de estarrecer e fazer corar frade de pedra, principalmente durante os depoimentos dos governadores de Goiás, tucano Marconi Perillo, e do Distrito Federal, petista Agnelo Queiroz.

Enquanto isso, na Folha de S. Paulo, o Exército reconhecia formalmente, pela primeira vez, através de nota do Ministério da Defesa, que foram destruídos todos os documentos que estavam em poder da corporação militar sobre os mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, movimento armado contra a ditadura na região amazônica brasileira, entre fins da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970.

Neste caso é a “força bruta”, de que fala há tantos anos a letra da canção de Chico e Gil, consagrada na interpretação de Milton Nascimento, que volta a bater inclemente contra o concreto. Mal disfarçada tentativa de romper diques de resistências da lei e da democracia, e de impedir ou atrapalhar a investigação que pode lançar luz sobre as sombras de um dos mais macabros e vergonhosos episódios envolvendo responsabilidade do Estado brasileiro na história recente do País.

Não faltam alertas, de velhos e novos conselheiros, ao autor dessas linhas, que viu bem de perto essas coisas: “Amigo, deixa isso prá lá. É murro em ponta de faca. Você não vai ganhar nada com isso, a não ser mais porradas e dissabores. Esquece esse assunto triste. Escreva mais sobre suas viagens pelo mundo e as coisas mais amenas da vida. Experimenta! Faz bem ao leitor e é melhor também para você”.

Entendo – e agradeço – o conselho e o recado, mas não consigo seguir a recomendação. Principalmente ao ver pela TV, algumas cenas da CPI do Cachoeira transmitidas ao vivo para o País, ou abrir o site da Folha e ler o título: ”O Exército diz não ter papéis sobre Guerrilha do Araguaia”.

E no texto da matéria, assinada pelos repórteres Rubens Valente e Lucas Ferraz, a informação que confirma a suspeita levantada desde o ano passado, quando o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, apenas admitira que os documentos sobre a guerrilha brasileira em poder do Exercito, “estavam todos desaparecidos”.

Duro de engolir. Mas o que foi confirmado oficialmente, esta semana, é ainda pior e mais indignante. “Os documentos do Exército sobre a Guerrilha do Araguaia – uma das principais promessas para a elucidação do conflito – foram todos destruídos, informou o Ministério da Defesa à Folha. Linhas mais adiante : A admissão foi encaminhada à reportagem como resposta a um pedido de consulta feito baseado na Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor mês passado.

A reportagem esclarece: foram solicitados materiais produzidos entre 1970 e 1985 sobre ações do Exército contra a guerrilha, “o maior foco armado contra a ditadura (1964-1985), no sul do Pará e hoje norte de Tocantins. O conflito, organizado pelo PC do B, ocorreu entre 1972 e 1974”.

Segundo o jornal paulista , “na resposta do Serviço de Informação ao Cidadão, do Exército, criado para atender as demandas da nova lei, a instituição diz que um decreto de 1977 “permitia a destruição de documentos sigilosos, bem como dos eventuais termos de destruição”.

Diante do exposto, a garganta trava. É melhor sair do site, desligar o computador para não arrebentar o peito. Antes, porém, decido buscar na Internet o cartaz com a foto dos desaparecidos na guerrilha amazônica, ritual dolorido que pratico de vez em quando, como testemunha distante desta trágica história, e imagino o mesmo – e ainda mais dolorido – dos familiares em busca da verdade sobre os que aparecem naquelas fotografias.

No cartaz revejo os rostos de alguns de meus mais queridos, generosos e leais colegas e amigos da juventude, na Universidade Federal da Bahia e nas ruas vibrantes e resistentes de Salvador. Uma cidade, então, ainda não domesticada, culturalmente rica e politicamente indomável. Lá estão, entre outros: Dermeval Pereira, o colega e amigo maior e inseparável da Faculdade de Direito da UFBA, beque central elegante e imbatível nas peladas no campus do Canela; parceiro das sessões do Clube de Cinema da Bahia, no tempo do professor e crítico Walter da Silveira, aos sábados, no Cine Guarani, na Praça Castro Alves, e dos shows no TCA e Teatro Vila Velha.

Vejo ainda: Antonio e Dinalva (a Dina) Monteiro, o casal mais bonito e unido que já vi. Capaz de causar frisson a cada passagem de mãos dadas a caminho do Restaurante Universitário, no corredor da Vitória. Rosalindo Souza, o líder e amigo da primeira hora e de sempre. Primeiro negro a vencer uma eleição para presidente do histórico Diretório Acadêmico Ruy Barbosa (CARB). O cartaz exibe também a fotografia do quase imberbe pernambucano, Duda Collier, “um pão de Recife na figura de anjo barroco da Bahia” (segundo definição de muitas de suas colegas e admiradoras na UFBA), que apareceu de repente na Faculdade de Direito, e tão de repente quanto surgiu, um dia sumiu, “para nunca mais”, como em outra canção de Gil.

Escrevi recentemente sobre ele neste espaço, depois de ler a notícia do livro “Memórias de uma guerra suja”, com a revelação de um ex-delegado do DOPS, de que o corpo de Duda  foi incinerado no forno de uma usina de açúcar do Rio de Janeiro. Agora, depois da notícia na Folha sobre a destruição dos documentos da Guerrilha do Araguaia, só uma pergunta: “Como beber desta bebida amarga?”.

Responda quem souber.


Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/mentiras-na-cpi-do-cachoeira-e-forca-bruta-na-comissao-da-verdade.html

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