O discurso do ministro das Comunicações
Por Venício A. de Lima, da Teoria e Debate
O mais claro posicionamento do governo Dilma até aqui sobre a questão do marco regulatório foi o discurso que o ministro das Comunicações pronunciou na abertura do 26º Congresso da Abert, em Brasília, no último dia 19 de junho.
A grande mídia, por óbvio, optou por destacar na cobertura do evento a promessa do presidente da Câmara dos Deputados de pôr em votação o projeto que “flexibiliza” o horário de transmissão da Voz do Brasil. Pouco ou quase nada sobre a fala do ministro.
Uma leitura isenta do pronunciamento – cujo tema era “Regulação e liberdade de expressão” – não poderá ignorar, no entanto, que, além das reiterações de praxe sobre o respeito à liberdade de expressão e a ausência de incompatibilidade entre regulação e democracia, o ministro Paulo Bernardo fez as afirmações a seguir sobre alguns pontos.
1. A questão de um marco regulatório para as comunicações no Brasil se transformou em questão de “bom senso”:
Quanto à necessidade de regulação, ou de atualização das leis que regem a comunicação no Brasil, minha expectativa é que o tema avance e ganhe apoio rapidamente, até por questão de bom senso.
2. A legislação do setor está totalmente defasada e as normas e os princípios constitucionais sobre o assunto não foram regulamentados:
O rádio e a televisão são regulados por uma lei que completa meio século de vida em 27 de agosto próximo. Se não bastasse, a Constituição de 1988 prevê que questões como a programação local e independente ou o estímulo à cultura regional sejam regulamentadas. E até hoje inexiste lei que discipline como isso deve ser feito.
3. Não deve surpreender, portanto, que exista uma série de questões concorrenciais, jurídicas e estratégicas que não encontram resposta no quadro legal existente. Alguns exemplos:
A regra que obriga o controle de empresas jornalísticas por capital brasileiro vale para a internet? As empresas que vendem conteúdos on-line ou em televisores conectados devem ser submetidas a regras semelhantes às da TV paga ou radiodifusão? O que deve ser feito para que o audiovisual brasileiro continue a ser produzido e veiculado em um mercado no qual a infraestrutura e os serviços estão em mãos de grandes empresas multinacionais? Como se pode garantir a livre circulação de conteúdos e a pluralidade de fontes de informação em um mercado que tende à concentração, como é o caso das telecomunicações ou dos gigantes da internet? Quais devem ser os mecanismos para que o Brasil continue a contar com um ambiente jurídico e normativo que permita, no longo prazo, que empresas continuem a prestar serviços gratuitos, como é o caso atual do rádio e da televisão?
4. A possibilidade de avanços na normatização do setor chegou ao limite. Não há como prosseguir sem um novo marco regulatório:
Com a modernização do Regulamento de Serviços de Radiodifusão (…) chegaremos ao limite dos avanços infralegais que podem ser feitos no atual ambiente regulatório das comunicações. Para irmos além, precisamos de uma nova lei – e não podemos esperar que o rádio e a televisão sejam substituídos pela internet para dar início à sua formulação.
5. Os objetivos de uma lei geral proposta pelo Executivo não incluem a prática do jornalismo, e portanto não se aplicarão a jornais e revistas. São eles:
Regulamentar os artigos constitucionais relativos à comunicação eletrônica, modernizar as regras provadamente defasadas e possibilitar o tratamento à convergência tecnológica.
6. A ausência de interferência do Estado (liberdade negativa) não é garantia da liberdade de expressão. É necessário que o cidadão comum tenha também garantido seu direito de acesso à informação e às tecnologias que “mediam” o debate público:
Abominamos a censura ou o que se chamou de “controle sobre a mídia”. Do mesmo modo, sabemos que o pleno exercício das liberdades individuais vai muito além da não interferência do Estado nas atividades jornalísticas. Passa pelo acesso dos cidadãos às variadas fontes de informação e meios de comunicação.
O que falta?
Diante do discurso do ministro e de declarações recentes de reconhecimento da necessidade de um projeto para discussão pública feitas por setores até então impermeáveis mesmo ao debate sobre um eventual marco regulatório, fica a pergunta: o que, afinal, ainda impede o governo da presidenta Dilma de pôr em debate uma proposta de regulação para o setor de comunicações?
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