“É isto mesmo, meu filho. Ainda há muita gente que não acredita que milhares de brasileiros e de brasileiras, de estrangeiros e de estrangeiras que viviam no Brasil, dedicados aos mais oprimidos e excluídos, tenham sido perseguidos e esmagados pela ditadura…” (Dermi Azevedo)
por Rodrigo Vianna
Com a proximidade do triste aniversário de 50 anos do golpe de 64 (sim, golpe, viu Itaú!), a direita que baba mostra-se sem medo. O clima de confrontação na Venezuela (outro 1973? Repetindo o “caos” que levou à queda de Allende?), a proximidade de uma eleição no Brasil em que o PT segue favorito para um quarto mandato, a ascensão de milhares de brasileiros de origem pobre à universidade e ao mercado (incluindo, horror dos horrores, andar de avião ao lado da massa cheirosa de sempre).
Tudo isso vai tirando a direita dos eixos.
É preciso reagir, eles dizem. O Estadão foi chamar um milico pra clamar pela ditadura. De novo? A história não se repete, diz o surrado chavão marxista. Acredito em Marx. Mas nem tanto…
A direção petista – por tibieza, por opção, por pragmatismo – acha que, diante do avanço da direita na batalha das ideias, o melhor é assobiar e olhar pro lado. Enquanto isso, a direita (não falo da direita “liberal”, e nem dos tucanos que, em sua imensa maioria, parecem manter a fidelidade à Democracia) se esparrama: todos os programas de fim de noite (“talk shows”) são dominados por personagens do submundo conservador; da mesma forma, os noticiários, as revistas, os jornais… Azenha publicou no VioMundo ótimo texto de Marcelo Semer sobre o avanço reacionário.
Agora, o pai de um infeliz colunista de “Veja” decidiu implorar por um golpe militar, abertamente. Trata-se de Enio Mainardi. Triste figura. Vivandeira tardia dos quartéis. Será que a mãe de Luiza Trajano poderia vir ensinar algo a este outro Mainardi?
Na mesma semana, felizmente (ou infelizmente, porque trata-se de história triste, trágica), um outro pai mostrou a cara para falar de 64: Dermi Azevedo. Ele e a mulher foram torturados durante a ditadura. E os criminosos não pouparam o filho de Dermi – que na época tinha pouco mais de 2 anos. O garoto padeceu toda a vida de sérios problemas emocionais (ocasionados pelo trauma), e já não está entre nós. Na verdade, está! Porque Dermi não nos deixa esquecer.
Comparem as duas cartas: Enio Mainardi e Dermi Azevedo. O filho de Dermi não está vivo. Mas na verdade quem vaga feito cadáver é o outro pai (acompanhado por seu filho da vida). Leiam…
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Carta ao meu filho – Dermi Azevedo (na CartaMaior)
Caro Carlos Alexandre Azevedo (Cacá)
Meu querido filho,
Bom dia !
Faz hoje exatamente um ano que você partiu para outra vida. Como aconteceu com muitas outras crianças, você foi uma das vítimas da cruel e sanguinária ditadura civil-militar de 19648. Com apenas um e ano oito meses, você foi submetido a torturas pela “equipe” do delegado Josecyr Cuoco, subordinado ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais violentos esbirros da história contemporânea.
Já no sofá da pequena casa em que morávamos no bairro de Campo Belo, na zona sul paulistana, os investigadores da repressão quebraram os seus dentinhos; mais tarde, você foi submetido a novos vexames na sede do DEOPS. Em seguida, na madrugada de 14 de janeiro de 1974, você foi levado a São Bernardo do Campo, onde moravam seus avós Carlos e Joana. Eles foram acordados com o barulho dos agentes que jogaram você no piso da sala…
Toda a sua vida foi marcada por esses acontecimentos. Quando você, anos mais tarde, tomou conhecimento do que viveu, você leu muito e estudou a história da repressão fascista. Em entrevista à repórter Solange Azevedo, da ISTO É, você sussurrou: “Minha família nunca conseguiu se recuperar totalmente dos abusos sofridos durante a ditadura… Muita gente ainda acha que não houve ditadura nem tortura no Brasil…”.
É isto mesmo, meu filho. Ainda há muita gente que não acredita que milhares de brasileiros e de brasileiras, de estrangeiros e de estrangeiras que viviam no Brasil, dedicados aos mais oprimidos e excluídos, tenham sido perseguidos e esmagados pela ditadura…”
Ainda há cidadãos, fardados ou não, no Brasil e na América Latina, que praticam e legitimam a tortura…
Definitivamente marcado pela dor…por sua dor e pelo sofrimento (inenarrável ) de sua mãe e de seus irmãos, você decidiu partir…
Cabe a mim, seu pai, a tarefa quase apenas de compartilhar a narração do seu calvário, de denunciar – como jornalista – os crimes da ditadura e de lutar para que dores e agonias, como as que você viveu, nunca mais aconteçam…
Do seu pai
Dermi Azevedo
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