“Não resta dúvida que toda a pressão e carga era sobre o Brizola. Ele era o perigo“, diz Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos – um dos maiores especialistas em documentação sobre a ditadura militar brasileira.
A frase de Jair está em reportagem do jornal ‘Zero Hora”, que traz importantes documentos da CIA e mostra que o ex-governador Leonel Brizola era considerado o grande inimigo da ditadura brasileira.
Claro que o diário gaúcho, de uma das famílias conservadora, “compra” a versão da CIA, especialmente nesse trecho:
“Brizola comandava operações, treinava guerrilheiros e recebia auxílio financeiro de Cuba e de ultranacionalistas brasileiros com objetivo de derrubar a ditadura. A versão sobre as atividades do trabalhista e o papel de Cuba no apoio de grupos extremistas na América Latina estão descritos em um calhamaço de papeis da CIA”.
Para o “Zero Hora”, “grupos extremistas” eram os que lutavam contra as ditaduras. Extremistas não eram os militares que deram o golpe, nem os civis que financiaram a ditadura e as torturas. Ok. E Brizola vira um “ultranacionalista” – na típica tentativa de desqualificar todos aqueles que lutaram ou lutam pela soberania, sem tirar os sapatos para os Estados Unidos. Ok, de novo.
Mas, tirando essas escorregadas, o material do “Zero Hora” é precioso. Brizola era respeitado pelo inimigo. E isso não é pouco quando se sabe qual era esse inimigo.
A memória desse brasileiro deve ser sempre reverenciada. Resistiu ao golpe em 61 (Campanha da Legalidade), e teria resistido em 64 se Jango ficasse no Brasil. Voltou após a Anistia para comandar uma corrente nacionalista e socialista. os militares lhe roubaram a sigla PTB. Brizola fez o PDT. Enfrentou, com coragem, 3 questões ainda nao resolvidas no Brasil: racismo, oligopólio midiático e Educação.
Teve a coragem de questionar o poderio da Globo, porque logo compreendeu que aquilo era incompatível com a Democracia. Com Darcy Ribeiro, colocou a Educação no centro de sua administração no Rio. E fez do PDT o primeiro partido a ter uma secretaria ligada ao Movimento Negro.
Na hora “H”, Brizola nunca fugiu da luta. Perdeu a vaga no segundo turno para Lula em 89, por meio ponto. No dia seguinte estava onde? No palanque de Lula. Sabia que há momentos em que a luta política não permite titubeios. É preciso tomar partido e lutar, ainda que a vitória seja incerta. Lutou. Ganhou algumas vezes, perdeu outras. Jamais mudou de lado, nem titubeou na defesa dos interesses nacionais.
Um grande brasileiro era Brizola. Já sabíamos. Se faltava alguma prova, aí está: era ele o grande inimgo da CIA, dos EUA e da ditadura brasileira.
Confira mais detalhes na reportagem do “Zero Hora”.
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por Guilherme Mazui e Klécio Santos
Nos primeiros anos do regime militar (1964-1985), os focos de insurgência armada haviam sido sufocados e a maioria dos líderes políticos de esquerda estava presa ou vivia no exílio. Nesse clima de aparente legalidade, a população se inclinava a apoiar os militares, instigada pelo discurso oficial de combate à ameaça subversiva. Um nome, contudo, era temido nos bastidores do poder: Leonel de Moura Brizola.
Enquanto respirava a brisa do Rio da Prata, no Uruguai, Brizola comandava operações, treinava guerrilheiros e recebia auxílio financeiro de Cuba e de ultranacionalistas brasileiros com objetivo de derrubar a ditadura. A versão sobre as atividades do trabalhista e o papel de Cuba no apoio de grupos extremistas na América Latina estão descritos em um calhamaço de papeis da CIA — a agência de inteligência americana — enviados ao governo brasileiro, ao qual ZH teve acesso.
Intitulado Intelligence Handbook, o dossiê da agência se detém em descrever em dezenas de páginas a ação dos grupos contrários ao regime, com foco sobre o Movimento Nacional Revolucionário (MNR) de Brizola, considerado como o mais “ativo” grupo de oposição ao regime. A documentação é datada de fevereiro de 1968.
A teia de relações de Brizola é descrita em minúcias, bem como os homens que formavam o seu establishment: Paulo Shilling — um dos fundadores do Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), uma organização precursora do MST —, o ex-deputado Neiva Moreira e o coronel do Exército Dagoberto Rodrigues, ex-diretor do Departamento de Correios e Telégrafos no governo João Goulart. Os tentáculos de Brizola se estenderiam pela Europa, onde seu contato era o ex-deputado Max da Costa Santos, que se encontrava exilado em Paris. Era ele quem viajava para Cuba através de uma conexão por Praga em busca de suporte para ações guerrilheiras. Para a CIA, a indicação mais clara do envolvimento de Cuba é seu apoio ao grupo de exilados de Leonel Brizola. “Os couriers (mensageiros) cubanos contataram e financiaram insurgentes brasileiros no Uruguai e financiaram sua viagem a Cuba para treinamento em campos de guerrilha”, aponta o relatório.
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Um estilo centralizador
Ainda segundo os documentos, Brizola arranjou um grau de proteção para ele próprio e sua organização no Uruguai desenvolvendo relações próximas com vários políticos e oficiais, bem como com grupos revolucionários daquele país, entre eles o Movimento Revolucionário Oriental e a Frente de Esquerda de Libertação (Fidel), ambos ligados ao regime cubano. Àquela altura, Brizola já sofria com escassez de homens dispostos a “encarar os perigos e dificuldades encontradas pelas guerrilhas” e os relatos apontam o recrutamento de possíveis combatentes até no Paraguai. Embora fosse financiado pelos revolucionários de Sierra Maestra e que membros do MNR eram constantemente treinados na ilha, Brizola se recusava a aceitar cubanos como integrantes do seu grupo, segundo a CIA, “provavelmente temendo perder o controle de sua organização”.
— Não resta dúvida que toda a pressão e carga era sobre o Brizola. Ele era o perigo — atesta Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, que considera fundamental que toda documentação venha à tona, mesmo que sob a ótica americana dos fatos.
Para a CIA, a “insistência” de Brizola em ser o único comandante de qualquer operação o teria colocado em desacordo com outros grupos brasileiros e contribuído para o seu “fracasso” em obter apoio unânime até entre os exilados no Uruguai. Centralizador, o gaúcho em 1968 estaria cedendo espaço para outras agremiações guerrilheiras, como a Resistência Armada Nacionalista (RAN), sob a liderança do ex-almirante Cândido de Assis Aragão e que reunia antigos oficiais do Exército e da FAB. O grupo contaria, conforme os dados da CIA, com uma rede de escape e uma base guerrilheira de apoio na Bolívia, onde foram encontrados contatos e nomes e endereços em Porto Alegre.
Até mesmo o suporte de Cuba Brizola estaria perdendo, em detrimento de outras lideranças como Carlos Marighella. Diante do suposto isolamento, o ex-governador estaria buscando outras fontes de financiamento através do governo da Argélia, onde Miguel Arraes estava exilado. A atuação de Arraes é tida pela CIA como mais voltada para esfera política, sem ação “proeminente nos círculos revolucionários”. Já Brizola era mais temido, principalmente por, dois anos antes, ter posicionado um grupo paramilitar na serra do Caparaó, divisa entre Espírito Santo e Minas Gerais, naquela que é tida como a primeira guerrilha da ditadura. “O grupo foi recrutado, organizado, treinado, financiado e dirigido por Leonel Brizola”, enfatiza o relatório da CIA.
— Caparaó era a menina dos olhos do Brizola, mas foi um grande fracasso. Era um grupo muito bem preparado militarmente, mas que acabou se isolando da população e ficou sem condições psicológicas de resistir — relata o jornalista Flávio Tavares, que questiona a maioria dos informes da CIA já que eram baseados em dados do regime que nem sempre traduziam a verdade.
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