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Rodrigo Vianna

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Paulo Vannuchi explica “tijolo ideológico” entre os militares brasileiros

23 de Outubro de 2013, 13:25 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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por Marsílea Gombata no site da Carta Capital

Principal idealizador da Comissão Nacional da Verdade e ex-ministro de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vannuchi considera que exista um “tijolo ideológico” dentre os militares brasileiros, que ainda creem em uma ameaça comunista e um mundo dividido entre duas potências e duas ideologias. “É preciso tirar esse ‘tijolo’, mas o problema é que não entra nada no lugar. A Academia Militar de Agulhas Negras, por exemplo, pela terceira vez cria uma turma com o paraninfo Emílio Garrastazu Médici. E lá se ensina também que no dia 31 de março de 1964 o Brasil foi salvo do comunismo”, lembrou. “Se estivéssemos iniciado uma nova formação dos militares em 1999, já teríamos formado de major para baixo com uma outra visão.”

Para o assessor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva há 33 anos, as Forças Armadas deveriam ser as maiores interessadas na abertura de arquivos e no resgate da memória trazido pelo organismo, que vem recebendo uma avalanche de críticas desproporcional. “Há um agigantamento das críticas sobre os eventuais problemas, que não necessariamente dos sete membros, são os problemas da estrutura, na qual as Forças Armadas têm uma enorme dificuldade de fazer a passagem necessária e ter uma atitude de forme colaboração, de identidade no processo. A postura que as Forças Armadas tinham de ter era de identidade”, disse em entrevista a CartaCapital. “É a elas que mais interessa que se separe o joio do trigo.”

Vannuchi explicou ainda que os abusos e desrespeito aos direitos humanos que ainda existe dentre os agentes do Estado evidencia os resquícios da ditadura, mostra a necessidade de se debater a desmilitarização da polícia e reflete, acima de tudo, os mais de 500 anos de violência brutal que marcam a nossa história.

Confira os principais trechos da entrevista:

“Tijolo ideológico”

No lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, que foi meu primeiro passo nessa luta, eu falei: “Dentre os maiores beneficiados deste livro, desse debate, estão as Forças Armadas. É a elas que interessa mais que se separe o joio do trigo. Eles não conseguem fazer por um “tijolo ideológico”.

O ensino militar nunca foi alterado. O Fernando Henrique criou em 1999 o Ministério da Defesa, mas pela metade: a lei concebia o ministério como organismo de interação administrativa entre as três Forças, sendo que seus comandantes se reportam diretamente ao presidente da república.

Com o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, os chefes das Armas pararam de ter audiência direto com o presidente. E o presidente, hoje, recebe o ministro da Defesa.

A Academia Militar de Agulhas Negras, por exemplo, pela terceira vez cria uma turma com o paraninfo Emílio Garrastazu Médici. E lá se ensina também que no dia 31 de março de 1964 o Brasil foi salvo do comunismo. Se estivéssemos iniciado uma nova formação dos militares em 1999, já teríamos formado de major para baixo com uma outra visão.

Fui ao Haiti duas vezes visitar a Minustah (Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti) e eles me mostraram um módulo de oito horas de direitos humanos da ONU, em inglês. Trouxe para o Jobim e disse: está pronto. São oito horas dentro de um curso de formação de 200 horas, sobre o que são direitos humanos, a concepção, os principais tratados internacionais, o que é missão de paz, o respeito a crianças, adolescentes, a pluralidade, essas noções que precisam. E no lugar do mundo comunista versus capitalista, o que se tem de discutir hoje? Que o mundo é um mundo pós- Guerra Fria, que ele começou a se esboçar com o desmoronamento do Mundo de Berlim e do fim do bloco soviético. Que de lá para cá já houve três ou quatro grandes teorias, que o ataque às Torres Gêmeas de setembro de 2001 desencadearam um processo que ainda está totalmente em curso. Que nessa multipolaridade a região sul-americana tem sido aquela com governos de conteúdo democrático, eleitoral, compromissados com o social, que entendem que o desafio é combater a fome e a verdadeira segurança nacional está ligada à segurança alimentar. Que não somos satélites e o mundo não está dividido em blocos. Então, temos interesses nas melhores relações com os Estados Unidos, mas sem orbitar em volta desse. Vamos ter cuidado também de ter grandes relações com a China, a Europa, a África. E os militares não terão essa posição enquanto ensinarem que o Brasil foi livrado de uma ditadura em 1964.

Esquizofrenia

Sabemos, por exemplo, como pensam os juízes brasileiros. Mas não os militares. O Plano Estratégico de Defesa Nacional foi aprovado, mas é daqueles que podem demorar anos para começar a ser aplicado. E a lei é bonita, mas ninguém toma iniciativa de, por exemplo, mudar no ensino e colocar aula de direitos humanos em Agulhas Negras. Eu mesmo dei aula na academia de polícia, e é aquele problema esquizofrênico: você tem aula de direitos humanos e em seguida uma sobre abordagem. A lei manda que você se apresente e peça documentos, mas um colega que fez isso, eles aprendem, levou uma azeitona no meio da testa e não viveu mais 10 segundos. Então, a abordagem passa a ser: apontar a arma, dar um chute no joelho e dominar, ou seja, esse horror que temos até hoje.

Mas temos de entender também em 500 anos de violência brutal não vamos criar uma polícia maravilhosa.

Caráter pedagógico

Há um agigantamento das críticas sobre os eventuais problemas, que não necessariamente dos sete membros. São os problemas da estrutura, na qual as Forças Armadas têm uma enorme dificuldade de fazer a passagem necessária e ter uma atitude de firme colaboração, de identidade no processo. A Comissão da Verdade está fazendo um trabalho relevante, o debate mais vivo que o País já fez. Na hora em que vier o relatório da comissão, teremos a peça inaugural de um novo ciclo. Não produzirá a verdade cabal sobre tudo, mas é importante trabalhar em conjunto. Não temos de esperar o relatório final daqui a dois anos para divulgar tudo.

Avanços

Eu faria um prato muito especial sobre a bomba do Riocentro e a bomba da OAB, pelo argumento de que não estão cobertos pela Lei de Anistia de 1979, então deixa de lado a polemica e o erro que o Supremo cometeu.

E vamos esperar o momento de provocar o Supremo para ele corrigir isso. A história dos supremos é alterar as suas jurisprudências anteriores. Aqui vai ser assim também. Não sabemos quando, se em um ou dez anos.

O relatoria da comissão pode ser uma coisa absolutamente pífia, mas também um documento que traga recomendações como: que o Poder Judiciário reexamine a sua decisão de abril de 2010 na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) da OAB para compreender que de fato a Lei de Anistia de 79 não pode ser interpretada da forma como foi. Esse é meu ponto: acho uma bobagem fazer uma luta para a revisão da lei de anistia. Não se faz isso na historia do direito.

Você não faz uma Lei de Anistia, chega ao ano de 2013 e revê aquela lei, porque daí você viola um pilar do direito, que é a ideia da retroatividade da lei. A lei é para o seu tempo. Não estou falando nem da interpretação correta, nem do “re”, porque a reinterpretação que está sendo feita é fajuta.

Temos de trabalhar para criar situações para o Supremo, o mais cedo possível, reexamine. Há três possibilidades. A menos promissora é a o que já está em curso, do embargo de instrumento da OAB para reexaminar a ADPF. É quase como infringentes, mas não é porque só teve dois votos e não quatro. É pertinente, porque já há ministros novos. O Joaquim Barbosa já deu entrevista, inclusive, insinuando que votaria diferente – ele não estava votando naquele dia por razoes de saúde.

Há também a decisão da OEA, do fim de 2010. Entre 11 e 15 de novembro agora a Corte fará uma sessão no Brasil, como instrumento pedagógico e de aproximação com os judiciários nacionais. Nessa sessão há uma chance de o presidente da Corte, Diego García-Sayán, se encontrar com o Joaquim Barbosa e dizer: ‘Presidente, quando o senhor está pensando em examinar nossa decisão de dezembro de 2010 sobre a guerrilha do Araguaia?’. Porque lá fala também da Lei de Anistia, que ela não pode continuar significando impedimento para a apuração dos fatos.

E terceira, que é a mais promissora de todas, diz respeito às últimas ações do MPF, que com muito brilhantismo selecionou apenas os desaparecimentos. Como reiteraram alguns ministros à época, com isso pode-se abrir um precedente para derrubar a Lei de Anistia de 1979.

Punição

Não sou uma pessoa que considera uma vitória colocar os torturadores na cadeia. Os direitos humanos projetam um mundo no qual nem prisão haverá mais, tamanho o grau de consciência social, cidadania e respeito ao próximo. Isso vai demorar uns milênios, e então temos de temos de trabalhar dois pontos: penas alternativas e justiça restaurativa. A reparação pode ser também simbólica. Por exemplo: a Justiça declara que Carlos Brilhante Ultra é culpado de prática de tortura, estupro, desaparecimento de cadáver. É, portanto, indigno de serviço público e serviço militar.

Eu respeito e não vou brigar com qualquer familiar que disser que isso não basta. O mais importante é o que vem daqui para frente: todo que morreram, morreram lutando por um futuro diferente, e estamos tentando garantir isso pela primeira vez em 513 anos de Brasil, no momento em que o país revê essa violência, que nem é a maior de todas. O País, por exemplo, não examinou a escravidão, o genocídio indígena, a matança de jovens na periferia de hoje.

Polícia desmilitarizada

O debate da desmilitarização da polícia voltou com força depois dos protestos de junho. Isso é muito positivo. A relação polícia-bandido é o extremo do pior da sociedade: o aparelho da violência oficial e a violência criminal colidem. E eu não tenho nenhum sentimento de glamour pelo pobre, pelo bandido, porque são vítimas da violência institucional que se transformaram em figuras cruéis, sádicas, violentas.

Mas quando a gente falava de desmilitarização é estritamente no sentido da subordinação ao Exército e de uma concepção interna. Não era uma ideia de polícia democrática. Aquela imagem da polícia londrina desarmada sempre é sedutora. Uma polícia que é treinada para pegar o manifestante só com um cassetete e sem arma de fogo… Mas São Paulo não é Londres e uma polícia na sociedade que não tenha revolver é um contrassenso. O processo educacional que vai gerar uma sociedade em que esse perigo desapareça demora anos. Então tem de haver polícia, e ser bem qualificada, bem remunerada, reciclada. Tem de haver também a polícia comunitária. A UPP, por exemplo, é a ideia geral no caminho certo, com os problemas de realização que ela sempre teve e agora carimbada pelo episódio Amarildo.

A desmilitarização da polícia tem de passar pelo Judiciário e, possivelmente, eliminar a Justiça Militar.


Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br/geral/paulo-vannuchi-explica-tijolo-ideologico-entre-os-militares-brasileiros.html

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