Parcelas imensas do Brasil acreditam piamente que “a política não presta”. Precisamos canalizar essa insatisfação para uma Constituinte. Do contrário, a saída são movimentos messiânicos pela “Nova Política” (encarnados em uma personalidade salvadora), ou então coisa bem pior.
por Rodrigo Vianna
“O que se pensa que é a face humana do Capitalismo, na verdade é o que o Socialismo conseguiu arrancar dele“.
A frase acima é do professor Antônio Cândido, especialista em Literatura Brasileira e veteraníssimo defensor das lutas sociais no Brasil. Foi por esse frase que iniciei minha exposição, durante debate ocorrido nesta quinta-feira, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Pena que havia pouca gente. Mas o papo foi ótimo, e o tema era importantíssimo: a necessidade de se convocar uma Assembléia Constituinte para reformar a política no Brasil*.
Na frase citada, o professor Cândido referia-se às batalhas políticas (sempre políticas) que, ao longo dos séculos XIX e XX, trouxeram conquistas que hoje consideramos absolutamente banais: sufrágio universal (voto do trabalhador = voto do rico empresário), voto feminino, direitos trabalhistas (salário mínimo, férias, jornada de trabalho estipulada por lei etc).
Nem sempre foi assim. Nada disso caiu do céu, nem foi fruto de “roleta bíblica”. Foi sempre pela organização política (em sindicatos, partidos, movimentos) que os trabalhadores conseguiram mudar as instituições, interferindo na política e participando diretamente dela.
A Política foi o contraponto do Mercado durante 150 anos, mas especialmente depois de 1917. O espectro da União Soviética e do Bloco Socialista (com todos seus defeitos) obrigou os capitalistas a cederem. Foi esse o jogo nos países Ocidentais (da Europa social-democrata à América Latina de Perón, Vargas e outros mal chamados de populistas).
Não é à toa que, no momento em que o liberalismo partiu para a ofensiva (fim do século XX, com Thatcher, Reagan, mas também com todos governos neoliberais nna América Latina) – privatizando, reduzindo direitos trabalhistas e cobrando mais “eficiência” sem qualquer limite -, foi exatamente nesse momento que se disseminou o discurso de criminalização da política. Discurso fluido, com ampla repercussão na mídia que se torna cada vez mais parceira do mercadismo.
Do ponto de vista dos que comandam o tal “Mercado” (ou seja, o sistema financeiro), faz todo o sentido apostar nesse discurso: a organização política oferece freios ao Mercado, então é preciso disseminar a ideia de que todos nossos males são advindos da “política”, da “politicagem”, dos malditos partidos, dos baderneiros.
Chegamos aos dias atuais: junho de 2013 no Brasil. As manifestações tiveram múltiplas causas. De um lado, justas reivindações progressistas (por melhorias no Transporte, na Saúde, na Educação), de outro um tom quase fascista de que o Brasil só vai melhorar mesmo quando se livrar dos partidos.
Fiquei assustado quando vi nas ruas bandos de extrema-direita tentando agredir militantes de sindicatos e de organizações de trabalhadores. Mas isso era até esperado. O que espantava mesmo era ver jovens de origem humilde, filhos de trabalhadores, encampando a mesma ideia: “fora, partidos”, “abaixem as bandeiras”. Grito parecido surgiu na Espanha dos “indignados”, na Grécia…
Aquele movimento no Brasil em 2013 mostrava que as ruas estavam (sempre estão)em disputa. A extrema-direita e os liberais mercadistas (lembremos que Jabor da Globo começou falando mal da “baderna”, mas depois apoiou os jovens porque sentiu que ali havia combustível para desgastar a esquerda) aproveitaram para botar mais lenha na fogueira da “não-política”. Houve a tentativa (até certo ponto bem-sucedida) de capturar a insatisfação oferecendo uma saída conservadora: pancada em tudo que seja “vermelho”, abaixo os partidos (em boa parte: abaixo o PT e seus aliados), o Brasil só vai melhorar se “nós” (quem?) assumirmos o lugar dos malditos “políticos”.
A presidenta Dilma, ao lado de tantos outros setores, fez a leitura correta das manifestações: elas significavam (também) um brado gigantesco contra a política institucional, o peemedebismo que freia e amarra qualquer avanço mais profundo no país. Dilma, em junho de 2013, propôs um Plebiscito para se convocar uma Constituinte e fazer a Reforma Politica.
Qual a resposta? PMDB, tucanos, setores do Poder Judiciário e barões da mídia (que comandam uma aliança informal conservadora no país) barraram o Plebiscito. Era o esperado, a reação óbvia. Dilma enfrentou o debate? Não. Aceitou o veto, virou pro lado e assobiou – torcendo pro mal-estar “passar”.
Não passou. O resultado é essa explosão da “Nova” Política de Marina em 2014. A explosão do marinismo é resultado, entre outras coisas, da falta de disposição de Dilma e do PT para levar adiante a reivindicação por Reforma da Politica em 2013. A cada recuo, o rugir conservador fica mais estridente, e mais perigoso.
Percebendo isso, setores dos movimentos sociais assumiram então a bandeira. E o Plebiscito está ocorrendo em todo o Brasil. Milhões de brasileiros estão votando, apesar do boicote da velha mídia.
Mas o que vai ocorrer depois? Foi esse o ponto que levantei no debate. Digamos que se coletem 5 milhões de assinaturas (depositei meu humilde voto pela Constituinte ontem, lá no “meu” Sindicato). O que faremos com elas? Levaremos essas assinaturas ao Congresso Nacional? Quem vai encampar essa proposta?
A ideia é que, entre o primeiro e o segundo turnos, Dilma receba os resultados do Plebiscito, e seja levada a se comprometer com a convocação da Constituinte em 2015. Acho que o resultado deveria ser levado também a todos os outros candidatos a presidente. Marina, Aécio, Luciana Genro…
Se não avançarmos nesse debate, o país estará cada vez mais envenenado. Parcelas imensas do Brasil acreditam piamente que “a política não presta”. Precisamos canalizar essa insatisfação para uma Constituinte. Do contrário, a saída são movimentos messiânicos pela “Nova Política” (encarnados em uma personalidade salvadora), ou coisa pior: o avanço de uma agenda fascista.
A “Nova Politica” de Marina – já escrevi aqui - não é um raio em céu azul. É parte de um processo de restauração conservadora, que passa pela negação da ideia de que os menos favorecidos devam se organizar para conquistar mudanças. A “Nova Politica” é um passo apenas. Bobagem pensar que, se a derrotarmos na urna, esse proceso estará interrompido.
Se não dermos uma resposta Política para o desencanto com a politica, depois da “Nova Politica” (ou, com ela) virá coisa pior. A batalha é profunda. E longa.
* Agradeço ao Júlio Turra (CUT) e ao deputado Adriano Diogo (PT), que tiveram a paciência de dividir comigo a “mesa” no debate. Agradeço também ao Guto e ao Paulo Zocchi, que organizaram o debate no Sindicato dos Jornalistas, além de todos aqueles que lá estiveram e deram sua contribuição para essas breves reflexões.
0sem comentários ainda
Por favor digite as duas palavras abaixo