Por Lincoln Secco, no blog Amálgama
As manifestações contra a Copa do Mundo não surpreenderam ninguém. Apenas os políticos avestruzes que se esconderam depois de junho de 2013 acreditavam que tudo seria como antes.
Até mesmo os exemplos de covardia da polícia e o apoio do governador paulista à repressão eram esperados. O que foi diferente no mundo político oficial é a reação do governo federal. Em vez de juntar-se ao PSDB (como fizera em junho de 2013), o PT oscilou entre o apoio ao “rolezinho” dos jovens da periferia de São Paulo e a condenação envergonhada do “vandalismo”. Convenhamos, para um partido de governo foi uma mudança.
Deve haver algo que pode estar preocupando os cenários eleitorais imaginados pela cúpula petista. Seria a nova classe trabalhadora propensa a um radicalismo que escapa à ideologia lulista do pacto social?
É verdade que logo depois de junho a presidenta Dilma Rousseff fez um ensaio de reforma política importante e que por isso mesmo logo foi deixado de lado.
Mas tanto naquele momento como agora a dificuldade da esquerda partidária (mesmo oposicionista) é que ela não compreende a nova dinâmica das ruas.
Quando a presidenta lançou a reforma política, ela se dirigiu aos seus pares e não aos manifestantes. É evidente que uma reforma política precisa passar oficialmente pelo Congresso.
Mas o que a levou à proposta foi a pressão das ruas. Para ter chances de sucesso ela teria que fazer o impossível para um governo de coalizão: tentar canalizar a pressão das ruas.
Neste ano, o erro parece se repetir.
O governo vai continuar dizendo que a Copa do Mundo foi um belo investimento, atende a uma paixão nacional e deixará uma infraestrutura permanente.
Ainda que tudo isso fosse verdade, o que ele não concebe é que o problema não está na Copa, mas na forma como se decidem no Brasil grandes obras. Elas remodelam o território e destroem formas de convivência que, bem ou mal, eram costumeiras.
As novas tecnologias de informação juntaram a vida cotidiana a uma política que não passa pelas velhas instituições. Todas as pessoas veem em tempo real imagens de desastres ambientais, protestos, violência policial, privilégios de políticos profissionais e comentam a malversação de recursos públicos.
Nenhum ato repressivo vai impedir o aumento e a radicalização dos protestos. Mais do que a sua pauta muitas vezes confusa para quem se atem às aparências, eles revelam novas formas de luta. Elas são aprendidas durante as ações e nem mesmo os manifestantes têm certezas a priori.
O impasse tende a se arrastar porque os governos usam cada vez mais a violência e apelam a leis de exceção. Esperam assim que a juventude que luta recue. E ela avança! Passa a questionar cada detalhe da democracia racionada.
Anteontem descobriu que ninguém deve pagar por transporte público. E ontem mesmo percebeu que a Copa do Mundo não deixará nenhum rastro de desenvolvimento social. Agora deseja que esta polícia militar criada pela ditadura seja extinta.
A juventude que se manifesta vive no próprio momento dos atos a nova sociedade que deseja. Ela não saiu de casa para negociar três ou quatro cargos ou preparar candidatos às próximas eleições. É tão difícil entender isso?
*Professor de História Contemporânea na USP. É autor, entre outros, de História do PT (2011).
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