Renato Simões é candidato a presidente do PT com apoio de três correntes que trazem o socialismo no nome: “Militância Socialista”, “Socialismo é Luta” e “Unidade Popular e Socialista”
Próximo dos movimentos sociais, e com boa relação junto ao MST, Simões acaba de assumir o mandato de deputado federal (havia ficado na suplência). Eleito por São Paulo, tem atuação na região de Campinas. Simões está entre os candidatos que se opõem ao núcleo majoritário do PT (que apóia Rui Falcão como candidato a presidente). Quase um milhão de filiados estão aptos a votar, na eleição interna do próximo domingo.
Em entrevista exclusiva ao Escrevinhador, Simões reafirmou a necessidade de mudança de rota, especialmente na política de alianças com o PMDB: ”Não há como preservar, muito menos ampliar, as conquistas sociais do lulismo sem rupturas com interesses dominantes”.
(Rui Falcão, candidato pela corrente CNB – antigo “Campo Majoritário – foi procurado pelo Escrevinhador, e informou através da assessoria de imprensa que não daria entrevista)
Confira abaixo a entrevista de Renato Simões…
1) As manifestações de junho de 2013, num primeiro momento, deixaram o PT na defensiva. O partido perdeu a conexão com os movimentos sociais? Ou há um “novo” movimento social nas ruas, que não dialoga com os partidos tradicionais?
A reação do PT às manifestações de junho me assustou. Num primeiro momento, lideranças petistas de vários níveis de governo, do municipal ao federal, foram de um conservadorismo atroz. Desqualificaram, estigmatizaram e criminalizaram os movimentos de rua. A resolução da Executiva Nacional que saudou as manifestações e conclamou os petistas a delas participarem, a decisão do Prefeito Haddad de rever o reajuste da tarifa, o pronunciamento da Presidenta Dilma em cadeia de rádio e TV e a plenária nacional de entidades, partidos, centrais sindicais e movimentos sociais foram marcos de uma virada nessa posição vergonhosa dos primeiros dias.
Há novos sujeitos políticos nas ruas, que não se referenciam nessas estruturas tradicionais de organização política das esquerdas, explorando novas bandeiras, novos métodos, novas formas de comunicação e direção. Eles questionam o PT, mas também os demais partidos de esquerda, as centrais, as entidades estudantis e outras formas mais institucionalizadas de organização popular. Chacoalharam a democracia representativa e clamaram por democracia participativa e mais direitos sociais. Uma pauta, portanto, à esquerda da sociedade.
O processo natural de amadurecimento de lideranças, de reflexão sobre o aprendizado das ruas – a primeira experiência de participação política de milhares de pessoas, particularmente jovens – e a sistematização de novas práticas e lutas fará com que movimentos novos, de caráter mais horizontal e participativos, busquem o diálogo com os movimentos tradicionais que permaneceram, em julho, agosto e setembro, em mobilização por suas bandeiras. O PT, se quiser ser interlocutor, deverá estar também na rua. Pode perder o bonde dessa história se não retomar a agenda política da luta de massas como elemento central de sua elaboração política, hoje quase que exclusivamente pautada pela luta institucional e suas implicações eleitorais.
2) O senhor concorre à presidência com apoio de correntes internas que fazem a defesa do socialismo. Mas o PT hoje depende de doações de empresas para se manter – principalmente em campanhas eleitorais. O partido deixou de ser socialista?
O caráter socialista do Partido nunca foi posto em cheque nas resoluções de suas instâncias, do Manifesto de Fundação às resoluções de nosso IV Congresso. O PT nasceu socialista, plural e democrático, e ainda se define desta forma.
Evidentemente, houve uma forte diluição programática de nosso Partido e uma institucionalização de nossa estratégia de construção socialista. Reivindicamos neste PED a necessidade de aprofundamento desta identidade socialista do PT e a construção de uma estratégia e de um programa baseados na luta por reformas estruturais, de caráter democrático e popular, que tencione a formação social capitalista brasileira.
Cinco reformas democráticas e populares – agrária, urbana, política, tributária e da comunicação, desconcentrando renda, distribuindo riqueza e socializando poder, é o centro desta proposta. Após dez anos de governo, é chegada a hora do salto das políticas públicas para as reformas democráticas e populares. Isso não será feito sem rupturas, inclusive com as atuais relações que estabelecemos com o capital e os partidos da ordem.
Há uma contradição em termos entre aprofundar nossa identidade e nossa estratégia socialista e a manutenção do atual nível de financiamento do PT junto ao grande capital, não só no financiamento das campanhas como da própria vida cotidiana do partido. Por isso, a reforma política, o financiamento público exclusivo das campanhas e dos partidos é central não só para a democracia brasileira como também para a manutenção dos vínculos do PT com a base social de onde veio e que busca representar na política.
3) As correntes de esquerda que apoiam sua candidatura são críticas da política de alianças adotada pelo partido. O PT deve rever essas alianças? O partido (e seus aliados mais à esquerda) tem menos de 30% das cadeiras no Congresso. É possível governar sem alianças com PMDB e outros partidos conservadores?
A questão poderia ser invertida: é possível governar com um programa avançado, baseado em reformas democráticas e populares, mantendo alianças com o PMDB e outros partidos conservadores?
Se é verdade que todos os candidatos, genericamente e com matizes diferenciadas, defendem ser as reformas democráticas e populares as principais metas de um quarto governo encabeçado pelo PT, precisamos nos preparar para uma política de alianças condizente com esses objetivos.
O exemplo das manifestações de junho é novamente emblemático. Quando Dilma chamou para si a responsabilidade de responder às ruas com políticas avançadas, foram o PMDB e parte considerável da base aliada que criaram as maiores dificuldades para colocá-las na ordem do dia. Foi o vice-presidente Temer, com suas articulações com o Procurador Geral da República, ministros do Supremo e a mídia privada, quem puxou a fila contra a proposta de um plebiscito popular para a convocação de uma constituinte exclusiva para a reforma política. Os presidentes das duas casas do Congresso, Henrique Eduardo Alves e Renan Calheiros, enterraram o tema com a aprovação de uma raquítica reforma eleitoral e a criação de uma comissão fantoche para uma mini-reforma política. O líder Eduardo Cunha foi o maestro das obstruções e dificuldades criadas para a aprovação dos projetos do governo de concentrar os royalties do petróleo para a educação e do Mais Médicos.
Portanto, o núcleo duro de uma estratégia baseada na luta por reformas democráticas e populares é uma aliança comum do Governo com o PT, os partidos de esquerda e os Movimento Sociais, a partir do qual o programa alcançado deve balizar o diálogo com as demais forças políticas, no primeiro e no segundo turnos.
4) Várias correntes de esquerda desistiram de travar a disputa interna no PT e foram para o PSOL, PSTU. Por que sua corrente segue nesse debate, mesmo sabendo que a esquerda está em franca minoria no PT? As correntes que saíram cometeram um erro, deveriam ter insistido mais na “disputa” pelo PT?
Sim, com certeza. A ilusão de que a crise da esquerda se resolveria com a criação de um novo partido ou a acomodação em vários partidos à espera de uma nova aglutinação das esquerdas a curto prazo mostrou-se fugaz. Identificar Lula e o PT como os principais adversários, ou mesmo inimigos de classe dos trabalhadores e trabalhadoras, acabou por isolar essa perspectiva no movimento de massas e identificar a oposição de esquerda aos governos Lula e Dilma com os eixos da oposição de direita. A resultante dessa linha junto à classe trabalhadora foi pequeníssima.
A decisão de ficar no PT mostrou-se acertada. Temos um balanço globalmente positivo dos avanços sociais e econômicos destes dez anos de governo. A crítica que fazemos aos nossos governos vêm no sentido de disputar posições dentro e fora do partido, em particular junto aos movimentos sociais, para que a sociedade, o partido e o governo se desloquem para a esquerda.
É Pela Esquerda que Queremos o Brasil e o instrumento político mais adequado a essa política, ainda que tenhamos que conviver, como em qualquer instituição, com grandes contradições, continua sendo o PT.
5) Quais foram os maiores acertos dos governos de Lula e Dilma? E quais os maiores erros? Os governos petistas erraram ao não travar o debate sobre Democratização da Comunicação, por exemplo?
O que caracterizou o sucesso dos dez anos de governo do PT foi o segundo mandato do Presidente Lula. Nele se implementou, com mais nitidez, parte das diretrizes gerais aprovadas pelo partido em 2001, como a criação de um mercado de consumo de massas, a definição da inclusão social como mola do desenvolvimento econômico do país, a recuperação da capacidade de planejamento e investimentos do Estado, a geração de empregos e a valorização dos salários como instrumentos de fortalecimento da classe trabalhadora e de seu acesso a bens e serviços. Aliados a uma atuação soberana no plano internacional e a uma democratização, ainda que limitada, do Estado brasileiro, esses elementos econômicos do sucesso do lulismo deram-se em momento de particular expansão econômica internacional, até a crise de 2008.
Podemos caracterizar esse período, pois, de um período de avanços sem rupturas, tendo como concepção a conciliação de classes e como método a mediação. Isso explica porque conseguimos melhorar significativamente a vida dos mais pobres sem impor processos distributivos que implicassem em diminuição dos privilégios dos de cima.
No governo Dilma, o agravamento da crise econômica internacional e o impacto da ausência das reformas democráticas e populares limitam ou mesmo comprometem a continuidade dessa política. O cobertor mais curto faz com que o governo tenha que arbitrar interesses mais acirrados entre as classes sociais. Não há como preservar, muito menos ampliar, as conquistas sociais do lulismo sem rupturas com interesses dominantes.
Para fazer o omelete das reformas democráticas e populares, há que quebrar ovos e contrariar os beneficiados pela atual situação a ser reformada.
No caso da democratização da comunicação, fica evidente que a subordinação do governo a uma aliança com os proprietários privados dos meios de comunicação impediu a democratização, a universalização e a participação popular nesta área do direito hoje privatizada.
Ao não promover a democratização da comunicação e financiar com fartos recursos públicos a mídia privada, o governo federal lesa a comunidade de um direito fundamental. Despolitiza, a sociedade e enfraquece a disputa ideológica que uma maior pluralidade significaria.
6) Quem é o adversário principal em 2014: PSDB ou PSB? E qual deve ser o discurso de Dilma e do PT na campanha?
Já é comum afirmarem os analistas que a fragilidade das oposições é o principal cacife eleitoral de Dilma. É parcialmente verdade: de fato, os tucanos são caricatos opositores, sem rumos ou alternativas para o país. Aécio é pálida figura na proa desta nau sem maiores rumos. Mas não se pode menosprezar a força da relação dos tucanos com o grande capital, principal fator ao seu favor nestas eleições.
Por outro lado, as dissidências do lulismo ainda não disseram a que vieram. Marina e Eduardo, Eduardo e Marina, oscilam entre a razão e o fígado, a crítica pontual e a oposição desbragada. Ainda não decidiram a chapa, muito menos a embocadura da campanha. Contando com a rejeição dos tucanos, podem com certeza colocar-se como pólos da disputa com Dilma, mas precisarão de uma elaboração muito mais fina para chegar lá. E, convenhamos, a cada vez que Eduardo Gianetti da Fonseca e André Lara Resende abrem a boca, mais próximos ficam do neoliberalismo e do legado tucano.
Aqueles que acham, no entanto, que Dilma já ganhou pela fragilidade de nossos adversários, menosprezam os dilemas que vivemos hoje no nosso próprio campo. Com a crise econômica mundial e as baixas taxas de crescimento econômico, Dilma vê-se pressionada, por um lado, pelo capital que busca preservar sua lucratividade e privilégios. De outro, pelas reivindicações por mais direitos sociais e econômicos da classe trabalhadora. Respondendo ao primeiro time, Dilma aprofunda contradições com os movimentos sociais e as esquerdas (como no caso do leilão de Libra, dos direitos dos povos indígenas, dos impasses ambientais etc.). Respondendo ao segundo time, Dilma aprofunda contradições com setores expressivos do capital que a apoiaram, como os ruralistas e o capital financeiro. No Congresso, isso se expressa em uma instabilidade política grande e em uma base aliada cada vez mais ácida e menos aliada…
Vencer as eleições será uma tarefa árdua. Perder as eleições, um retrocesso imenso. Temos, pois, que ganhar as eleições. Para tanto, o V Congresso do PT deve escolher um rumo. E esperamos que seja o de aprofundar suas relações à esquerda, preparar um programa avançado, capaz de dialogar com quem quer mais direitos e reformas estruturais e uma campanha militante, que volte a empolgar corações e mentes por um Brasil democrático e popular.
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