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Rodrigo Vianna

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Resistência política, hacktivismo e Anonymous Brasil

3 de Outubro de 2012, 21:00 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Por Murilo Machado, no Le Monde Diplomatique

Em tempos de crescente protagonismo das mais variadas formas de redes digitais, nos quais a era informacional deixa de ser uma promessa malfadada para se tornar uma realidade incontestável, por um lado, despontam novas maneiras de se implementar o controle sobre as sociedades e, por outro, formas inusitadas de resistência política se ocupam de fazer frente a um comando cada vez mais distribuído e silencioso.

O capitalismo em seu estágio industrial, aliado a um sistema de administração social chamado por Michel Foucault de “sociedade disciplinar”, implementou formas de controle que, embora descentralizadas, exigiam a existência de meios de confinamento para disciplinar e controlar os corpos. Hospitais, escolas, quartéis, fábricas e as prisões – em essência, a imposição do controle absoluto sobre os indivíduos – são os exemplos mais comuns de instituições disciplinares. Em contrapartida, a resistência à disciplina se forjou sob a forma de sindicatos, associações de indivíduos etc.

Enquanto um meio de confinamento como a fábrica constituía os indivíduos em um só corpo, com a vantagem de controlar uma massa única, a resistência sindical, por exemplo, aproveitou-se disso para mobilizar uma massa conjunta ao reivindicar suas demandas.

Tempos depois, as instituições disciplinares se veriam em crise, juntamente com o modelo de comando utilizado por elas. Um capitalismo cada vez mais imaterial passaria, então, a implementar um controle mais sofisticado, exercido até mesmo ao ar livre, e auxiliado, em grande medida, por um sem-número de tecnologias digitais de comunicação. Chegamos, pois, ao que Gilles Deleuze, outrora parceiro de Foucault, chamou de “sociedade do controle”, cuja principal expressão, nos tempos atuais, pode ser creditada à rede mundial de computadores. A irrefreável digitalização de nossas informações sociais, culturais, financeiras e pessoais nos torna justamente isto: peças facilmente controláveis por meio de redes sociotécnicas (comércio, transporte, telefonia, aparelhos portáteis, água, luz, computação etc.).

Frente a essa alteração paulatina na forma de implementar o controle, certos atores sociais passaram a defender novas maneiras de participar da cena política. Afinal, se o inimigo sofisticou suas táticas, qual o sentido em permanecer usando das mesmas estratégias?

Ativismo hacker
Alguns desses atores são propriamente os hackers, os arautos da resistência ao capitalismo global – seja por sua ética de trabalho, por seu comportamento transgressivo, ou mesmo por sua sede de acesso a todo e qualquer tipo de informação. E a nova espécie de hacker, o hacktivista, que ganhou expressão definitiva nos primeiros momentos deste século e atualmente estampa as principais chamadas dos maiores veículos de comunicação em todo o mundo, é de fato ameaçadora. Não porque roube senhas, penetre em redes privadas destruindo bancos de dados, pratique terror virtual arriscando vidas ou realize qualquer outra calamidade pública alarmada por especialistas de segurança da informação. Os verdadeiros hacktivistas possuem uma ética própria de ação e não costumam agir como crackers, os responsáveis por ações como essas. Mas, mesmo que assim o fizessem, não representariam uma ameaça real, pois os crackers não são tão perigosos ao sistema quanto são os hacktivistas.

Isso porque o ativismo hacker, enquanto forma de resistência política nas sociedades de controle, é capaz de empregar as mais variadas táticas para iludir o referido controle. É o que ocorre, por exemplo, quando hacktivistas ocultam e embaralham seus dados de navegação, tornando-se imunes ao rastreamento na rede (e, ainda por cima, disponibilizam aplicações que permitem aos internautas sem conhecimento técnico fazerem o mesmo);[1] ou quando divulgam empregam técnicas de criptografia para arquitetar softwares que furem os bloqueios implementados por governos totalitários sobre diversos conteúdos na Internet;[2] ou quando se valem da engenharia reversa para obterem acesso a informações protegidas por formatos proprietários, que aprisionam conteúdos e os tornam disponíveis apenas àqueles que usam ferramentas de interesse de seus detentores.[3]

Enfim, são apenas alguns exemplos que ilustram como os hacktivistas utilizam as mesmas tecnologias de controle e vigilância para promover valores opostos: acesso irrestrito, livre circulação e anonimato.

Anonymous
Não há como falar em ativismo hacker sem nos reportarmos à sua maior expressão nos dias de hoje: a rede hacktivista Anonymous. Embora muito se fale sobre o movimento em nível global, poucas análises se debruçam sobre os braços brasileiros do coletivo.

Importante notar, primeiramente, que “Anonymous” não é propriamente um grupo ou um conjunto formal e unificado de indivíduos, mas sim uma ideia heterogênea e disforme com a qual compactuam hackers, ativistas, estudantes, intelectuais e profissionais das mais variadas áreas. Desde 2008, os anons realizam operações abrangentes que, sobretudo por meio do hacktivismo, têm chamado a atenção de (e, por vezes, suscitado o medo em) toda comunidade internacional.[4]

No Brasil, os primeiros registros de indivíduos agindo sob a alcunha Anonymous datam da #OpPayBack, uma onda de protestos em defesa do Wikileaks que tirou do ar os sites, entre outros, da Visa e Mastercard. A grande repercussão dessas ações levou alguns indivíduos a, de forma colaborativa, criarem um fórum chamado What is the plan. Ali, muitos brasileiros buscando por informações sobre a rede hacktivista se encontraram e formaram o primeiro hub Anonymous nacional. Paralelamente, surgiram vários canais no IRC destinados à troca de informações, aos debates, à organização de operações etc. Entre eles, destaca-se o #planbr, criado na rede AnonNet e que chegou a reunir centenas de pessoas nos dias mais ativos.

Em 15 de junho de 2011, este hub anuncia a “Guerra formal contra o sistema”, valendo-se de um vídeo divulgado pelo movimento internacional com legendas traduzidas para o português.[5] Rapidamente, também foi divulgado o primeiro site nacional ligado ao coletivo e o perfil @PlanoAnonBr passou a informar sobre as atividades em curso.

Naquele mesmo mês, o grupo hacktivista LulzSecBrazil declarava o fim de suas atividades, de modo que os grupos que se formaram entre os hackers remanescentes – AntiSecBrTeam e iPirates – passaram também a integrar o movimento Anonymous no país. No twitter, o perfil @AnonBrNews é de sua responsabilidade.

Firmaram-se, assim, duas grandes faces entre os Anons brasileiros. A primeira, de caráter mais inclusivo, disforme e dialógico, teve como foco principal a “evangelização” quanto aos desmandos do sistema. Muitos dos indivíduos alinhados a esta perspectiva – entre hackers e não hackers – se empenharam na promoção debates, comunicados e divulgação de diversos materiais, além de manifestações fora do campo virtual.

A segunda face, em contrapartida, é mais invasiva e conta com a participação unicamente de hackers. Capitaneada por iPirates e AntiSecBrTeam, suas ações são pautadas majoritariamente por um hacktivismo intrusivo – desde a interceptação de mensagens até ataques distribuídos de negação de serviço (DDoS).

Evidentemente, não se pode reduzir todo o movimento a essas duas linhas de pensamento, que nem mesmo são oficiais ou rígidas, mas é possível dizer que elas permeiam boa parte dos grupos e indivíduos identificados com a rede Anonymous no Brasil.

Essas duas faces caminharam juntas em diversos momentos, convivendo, sob um ou outro atrito, em canais IRC da rede AnonNet. Diversas pequenas operações nacionais foram deflagradas, bem como se prestou solidariedade a operações internacionais. O ápice da colaboração entre ambas ocorreu durante as operações marcadas para a semana dia 7 de setembro do ano passado, quando se questionou que tipo de independência realmente vivemos.

Mas o trabalho conjunto não se mostrou viável por muito tempo. Depois de uma das inúmeras discussões entre membros de cada coletivo, no final de 2011, a convivência pacífica não mais foi possível. Deste então, essas faces atuam separadamente, direcionando suas ações de acordo com seus propósitos – e frequentemente discordando uma da outra.

Exemplo clássico disso ocorreu durante a #OpWeeksPayment, em fevereiro deste ano, quando iPirates e AntiSecBrTeam se empenharam em derrubar, durante a semana do pagamento, os sites dos principais bancos brasileiros. A operação foi vastamente repercutida na imprensa nacional e estrangeira, o que satisfez este nicho. Apesar disso, a operação desagradou vários outros anons.[6]

Aonde vai parar?
As perguntas mais comumente feitas quando se fala em hacktivismo, em geral, e em Anonymous, em particular, são da seguinte ordem: “Aonde isso vai parar?”, ou mesmo “Como a negação de acesso a um site pode mudar nossas vidas?”.

Creio, no entanto, que a melhor pergunta a ser feita talvez seja: “Até onde isso pode chegar?”. A imensa maioria dos anons com quem temos conversado são jovens que, à sua maneira, estão fazendo profundos questionamentos quanto aos sistemas políticos e econômicos vigentes nos dias atuais. E mais: a grande imprensa, em geral, lhes é indiferente. Ou melhor, é responsável por estimulá-los à medida que os retratam diariamente como cibercriminosos a serem combatidos. Dado o domínio técnico que eles detêm sobre as redes sociotécnicas pelas quais passam o grande fluxo de informações que nos afetam dia após dia, desprezar seu potencial como atores políticos do novo século seria incorrer em grande erro.

[1] Talvez a mais conhecida dessas aplicações seja o projeto Tor: anonimato online (http://www.torproject.org).

[2] Ações desse tipo foram vastamente empregadas pelo grupo hacktivista Cult of the Dead Cow (http://www.cultdeadcow.com).

[3] Para acompanhar uma disputa recente envolvendo o assunto, ver: http://www.youtube.com/watch?v=TYBhSWXlaiw&feature=gv.

[4] Para um rápido histórico dos Anonymous, ver o texto de Gabriella Coleman: <http://mediacommons.futureofthebook.org/tne/pieces/anonymous-lulz-collective-action>.

[5] O vídeo pode ser acessado em: <http://www.youtube.com/watch?v=jsx3skXvsZ0 >.

[6] Uma dessas manifestações de reprovação pode ser encontrada no link https://www.facebook.com/PlanoAnonymousBrasil/posts/291464640918163


Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/resistencia-politica-hacktivismo-e-anonymous-brasil.html

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