por Alexandre Haubrich no Jornalismo B
Em uma de suas mais cínicas contradições, os veículos de comunicação ligados aos conglomerados midiáticos insistem na tese da “imparcialidade” e da “neutralidade” ao mesmo tempo em que defendem diariamente um ideário liberal bem claro, do qual faz parte a assim chamada “liberdade de mercado”. Se apresenta absolutamente esquizofrênica a junção dessas duas práticas discursivas – a “imparcialidade” e a defesa do “livre mercado”. Dessa última, faz parte reportagem do jornal Zero Hora que, nesta segunda-feira, tratou do tema do crescimento no preço dos serviços entre 1995 e 2013, consideravelmente maior do que o crescimento da inflação.
A chamada para a matéria está na capa, na manchete: “Em 18 anos de real, serviços sobem até o triplo da inflação”. A linha de apoio já informa que “Contas que pesam no orçamento doméstico, como água, luz, telefone, transporte público e planos de saúde, tiveram reajuste de 474%, em média, diante dos 261% do IPCA”. A matéria explica que há controle de preços sobre estes serviços, mas que nem isso segurou o aumento de suas tarifas.
O que o texto apenas tangencia é o caráter privado da maioria desses serviços, privatizados durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O único momento em que se fala em privatizações é para dizer que “os maiores reajustes nos preços administrados ocorreram no início das privatizações, para permitir os investimentos que o país precisava em infraestrutura”. Esse é o motivo alegado para que os serviços de telefonia, por exemplo, tenham tido 824% de aumento no período de tempo estudado.
O que se vê – e Zero Hora não destaca esse ponto – é que, dentre os serviços listados, os que mais aumentaram de preço foram justamente os privatizados – e sabe-se que na telefonia, para seguir no exemplo já usado, o serviço está longe de ter a qualidade esperada, já que as operadoras são as campeãs de reclamações feitas por consumidores. São sete os serviços analisados, e os que tiveram o maior crescimento tarifário foram o gás – cuja distribuição é privada, embora a extração não, algo semelhante ao que acontece com a gasolina –, que subiu 914,5%; o telefone fixo, com 824,3% de aumento; os planos de saúde, que subiram 581,7%; e os ônibus urbanos, com 578,2%. A seguir vêm os serviços de água e esgoto (públicos, 533,4%), a gasolina (privado, 432,8%) e energia (público, 368,8%).
Na mesma matéria, Zero Hora chega a levantar a possibilidade de retirada do controle sobre os preços, algo refutado pelos especialistas entrevistados. Não cogita, porém, a reestatização, na medida em que sequer faz com clareza a relação óbvia entre o aumento dos preços e os processos de privatização. A matéria, pretensamente construída com técnica jornalística, com imparcialidade e apresentação da profundidade do tema, apresenta o milagre, mas esconde o santo, exatamente o contrário do que acontece quando os problemas vêm do Estado.
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