Por Valter Pomar, em seu blog
Recentemente, alguém disse ser “bizarro” que a esquerda petista insista em “apoiar o governo” e que sejamos “entusiastas da campanha de Dilma”.
Respondi que “no atual período histórico, quem acha possível derrotar ao mesmo tempo a direita e o PT, acaba geralmente virando linha auxiliar da direita. Sendo assim, prefiro ser acusado de bizarro”.
Ser de esquerda não é profissão de fé, nem serviços prestados.
Luiza Erundina e Roberto Amaral, por exemplo.
Podemos ter a melhor apreciação sobre suas pessoas ou sobre seu passado. Podemos inclusive concordar com posições que eles defendem sobre determinados assuntos. Mas o papel que eles estão cumprindo na campanha presidencial deste ano de 2014 é de linha auxiliar da direita.
Sem ilusões, mas espero que revejam sua posição, antes de 5 de outubro.
Outro exemplo de linha auxiliar é o jornalista Otto Filgueiras, um destes que poderia ser classificado de “militante histórico” da esquerda brasileira.
A respeito, recomendo ler o artigo “A direita venceu, vamos lutar”, disponível aqui.
Segundo Otto, “mesmo se todas as organizações e partidos da esquerda revolucionária cometerem o equívoco de apoiar o atual governo federal no segundo turno, ainda assim Dilma/Lula seriam derrotados por Marina Silva”.
Atentem: não se trata do voto de Otto no primeiro turno (momento em que a “esquerda da esquerda” tem o direito e o dever de apresentar suas várias e legítimas alternativas). Tampouco trata-se da análise ou profecia sobre o que vai ocorrer no segundo turno. Trata-se de torcida. Otto prefere a derrota de Dilma.
Ele antecipa que não vai “brigar” e não vai “romper” com amig@s “se ainda assim pensarem em votar na Dilma no segundo turno. Mas agora direi apenas para não se iludirem e votarem nulo. É tudo farinha podre do mesmo saco”.
Não faço ideia do que os amigos de Otto pensam a respeito. Mas é revelador que ele coloque a questão neste plano. Afinal, o que está em jogo não são unicamente os seus amigos. O que está em jogo é a vida de dezenas de milhões de brasileiros e de brasileiras.
Em que cenário a classe trabalhadora poderá lutar melhor por seus interesses imediatos e históricos? Que governo pode colaborar melhor para integração latinoamericana e caribenha?
Será que Evo Morales, Rafael Correa, Mujica, Maduro, Daniel Ortega, Salvador Sanchez Ceren, Raul e Fidel acham que Dilma e Marina são “farinha podre do mesmo saco”?
De que lado estão os interesses e a torcida do governo dos Estados Unidos?
A quem favorece, objetivamente, a posição do voto nulo? Aos que lutaram contra a ditadura ou aos cavernícolas do Clube Militar?
A verdade é a seguinte: esta defesa do voto nulo é um desserviço para a esquerda.
Um último exemplo de linha auxiliar está na seguinte declaração, que transcrevo a seguir:
“A campanha do PT contra Marina Silva, tanto na TV como aqui no facebook, ganhou ares de fascismo. Desapareceram a pessoa honrada, a militante histórica do partido, a ministra que Lula gostava de exibir para o mundo. Marina, agora, é a encarnação de todo o mal. Seu crime: ameaçar a reeleição de Dilma Rousseff e a continuidade das mordomias de uma ex-militância que já se acostumou com as facilidades das verbas públicas e dos gabinetes oficiais. Agora, Marina é apresentada como a queridinha dos bancos. Mas o próprio Lula sempre repetiu que os bancos nunca ganharam tanto dinheiro como nos governos do PT, e foi o PT que colocou na agenda brasileira a questão da autonomia do Banco Central, até então nunca cogitada (Fernando Henrique havia rejeitado explicitamente essa proposta, que retornou com Palocci). Até aqui, os bancos contribuíram com R$ 9,5 milhões para a campanha de Dilma e com R$ 4,5 milhões para a de Marina. Já escrevi aqui que não votarei em nenhuma das duas — nem em Aécio, por suposto –, mas lamento tanta hipocrisia. Não se constrói uma Nação com golpes de espertezas e de marketing. A esquerda brasileira não cansa de me decepcionar”.
Vejamos por partes.
1) Quem adora comparar petismo com nazi-fascismo é a revista Veja, numa tradição que vem de longe: a de colocar comunismo e nazismo no mesmo pacote de “totalitarismo”. Assim, a luta dos Estados Unidos contra a União Soviética podia ser apresentada como uma continuidade da luta contra a Alemanha hitlerista. É esta tradição que o autor da declaração acima reedita, ao falar dos “ares de fascismo”.
2) Quem trata bem inimigo, é aliado do inimigo. Acerca da “pessoa física” Marina Silva, há diferentes opiniões. A presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, fez elogios públicos a ela. Mas o que está em questão não é a “pessoa física”, como também não são os amigos do Otto. O que está em questão é a “pessoa jurídica”, ou seja, que forças políticas e sociais estão expressas na candidatura Marina Silva. E a vida fez com que esta candidatura seja, neste momento e num segundo turno, a “encarnação de todo o mal”, entre os quais destaco os cavernícolas do Clube Militar, o capital financeiro e governo dos Estados Unidos.
3) Quem reduz os 12 anos de presidência petista às “mordomias de uma ex-militância que já se acostumou com as facilidades das verbas públicas e dos gabinetes oficiais” é quem pensa como o oligopólio da mídia. Uma eventual vitória de Marina afetaria negativamente a vida de dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras. Quem se acha de esquerda mas não percebe isto, deixou de ser de esquerda.
4) Quem demonstra que Marina é a queridinha dos bancos são os próprios banqueiros, são os irmãos Setúbal, são os programadores de Marina. A este respeito, recomendo ler este artigo.
5) Quem colocou na agenda brasileira a questão da independência do Banco Central foram os banqueiros e seus empregados, pouco importando se entre eles havia gente importante que militava em partidos de esquerda. Mas não seria o caso de perguntar por qual motivo esta proposta “até então nunca [fora] cogitada”? E a resposta para esta questão é óbvia: porque até então o PT não estava no governo. Sob FHC & Cia., os banqueiros não precisavam deste tipo de garantia institucional.
6) Que o grande capital “lucrou como nunca”, é um fato. E quanto as doações de campanha, aguardemos os dados finais e completos. Mas só não vê quem não quer: o grande capital está em campanha para derrotar Dima e o PT. Os motivos disto estão esquematicamente resumidos aqui.
7) Quem acha que atacar a proposta de independência do Banco Central é “hipocrisia”, “golpe de esperteza” e “marketing” é quem não compreende o papel decisivo do capital financeiro na definição do conteúdo social da “Nação” brasileira.
A declaração que critiquei está disponível aqui.
O autor da declaração é César Benjamin, que conclui dizendo que “a esquerda brasileira não cansa de me decepcionar”.
Não posso dizer o mesmo.
Me “decepcionei” com César Benjamin em maio de 1994, quando vi que posições ele defendeu no debate sobre o programa da candidatura Lula.
O que veio depois pode ter sido surpreendente, mas nunca “decepcionante”: quando e como saiu do PT, quando e como atuou na Consulta Popular, quando e como virou candidato a vice-presidente na chapa de Heloísa Helena, quando e como atacou Lula de forma vil etc.
Aliás, para os que não lembram deste último episódio, sugiro texto neste link
Mas como ainda há gente que o considera uma pessoa de esquerda, recomendo a leitura dele mesmo (veja aqui).
Recomendo especialmente o seguinte trecho (o negrito é meu):
“Muitos temem que a direita se fortaleça. Estão certos, mas só no curto prazo. Paradoxalmente, a crise do governo Lula poderá vir a ser a crise do neoliberalismo no Brasil, propiciando, finalmente, o aparecimento de uma proposta real de mudanças, cujo contorno continua obscuro. Não creio, porém, que a sociedade aceite passivamente o retorno dos velhos esquemas, já conhecidos, que afundaram o país no atoleiro. Ela demandará um projeto novo. Nossa grandeza será medida pela capacidade que tivermos para construí-lo. De esquerda, de preferência. Com a esquerda, se possível. Sem a esquerda, se necessário, pois a crise brasileira é grave demais. Há muito sofrimento humano em jogo. No que me diz respeito, o compromisso com o povo e a nação está acima das seitas”.
“Sem a esquerda, se necessário”.
É preciso dizer algo mais?
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