Valter Pomar é candidato a presidente do PT pela chapa “A Esperança é Vermelha”. Secretário-geral do Foro de São Paulo (entidade que reúne partidos de esquerda de toda América Latina), Pomar integra a corrente interna do PT ”Articulação de Esquerda”. No PED anterior, em 2009, o grupo teve cerca de 10% dos votos.
Na entrevista ao Escrevinhador, ele afirmou: “ou o PT muda, ou a esquerda sofrerá uma enorme derrota histórica. Ou o PT muda, ou estes 34 anos, em particular os três mandatos presidenciais,ficarão para a história como um hiato progressista, numa história predominantemente conservadora.”
Pomar é um dos seis candidatos a presidente do PT, na eleição interna marcada para o próximo dia 10 de novembro. Confira a entrevista.
1) O senhor tem dito que o partido precisa rever sua tática e sua estratégia. Já não bastam as políticas compensatórias, adotadas desde Lula, seria preciso caminhar para reformas estruturais. Qual seria esse novo “programa”? E o PT atual tem disposição pra isso, ou se tornou refém da pura lógica eleitoral?
Vamos por partes: não acho que o PT tenha se tornado refém da “pura lógica eleitoral”. Acho que é mais correto dizer que há “duas almas” –ou dois chips, se quiser uma imagem mais moderna, ou duas estratégias, para usar uma linguagem mais política– operando no PT. Uma é comprometida com a transformação profunda da sociedade brasileira. A outra é comprometida com o melhorismo.
As duas estratégias necessitam, para materializar seus propósitos, que o Partido dispute eleições, ganhe e governe.
A diferença é que a estratégia melhorista faz o Partido ir se contentando, se adaptando, se conformando, se domesticando frente aquilo que é possível obter através dos processos eleitorais.
Já a estratégia transformadora continua empurrando o Partido a brigar contra os limites da institucionalidade ou, para ser mais exato, contra os limites da democracia burguesia realmente existente no Brasil.
É importante dizer que os resultados obtidos pelo Partido, ao longo destes mais de 33 anos, especialmente ao longo destes praticamente 11 anos de governo, não são produto exclusivo nem de uma, nem de outra estratégia.
São produto da ação combinada das duas, no contexto da luta de classes que ocorre na sociedade brasileira, que por sua vez está imersa numa conjuntura internacional também conflituosa e cambiante.
Agora, uma coisa é verdade: a estratégia melhorista predominou, desde 1995, desde a eleição de José Dirceu presidente do PT no Encontro que fizemos na cidade de Guarapari, no Espírito Santo.
Em segundo lugar, não acho que nossa ação de governo, desde 2003, tenha sido marcado por políticas compensatórias. Por um lado, a escala de pessoas beneficiadas pelas cotas, pelo ProUni e pela Bolsa Família, para ficar nestes três casos, faz com que estas políticas não sejam meramente “compensatórias”, focalizadas, micro: elas possuem efeitos macroeconômicos muito mais amplos.
O correto, na minha opinião, é dizer que nossa ação de governo, a partir de 2003, foi marcada pela seguinte orientação: melhorar a vida do povo através de políticas públicas, sem fazer reformas estruturais.
E o que está ocorrendo, hoje, é que esta orientação “melhorista”, baseada em políticas públicas, está esgotando sua capacidade de melhorar de maneira sustentável, continuada e ampliada as condições de vida do povo.
Dito de outra forma: apenas com políticas públicas, sem reformas estruturais, não vamos conseguir concluir a superação do neoliberalismo, nem tampouco vamos superar a natureza conservadora, antidemocrática e dependente do capitalismo brasileiro.
Para atingir estes objetivos, para termos um Brasil efetivamente democrático-popular, e também para acumular forças em direção ao socialismo, precisamos de uma estratégia transformadora, uma estratégia que nos permita realizar reformas estruturais, entre as quais destaco a Lei da Mídia Democrática, a reforma política e a Assembléia Constituinte, a reforma tributária, as reformas agrária e urbana, uma política econômica baseada no protagonismo do Estado e na produção de bens de consumo público, associadas a consolidação das políticas públicas universais de saúde, educação, cultura e transporte.
2) Setores do partido reclamam de filiações em massa que teriam ocorrido nos últimos meses? Isso pode viciar o resultado do PED? De quem partiu essas iniciativa? E como avalia o papel dos setores majoritários do PT?
O PT tem poucos filiados: 1 milhão e 700 mil. Precisaríamos ter 10 milhões. Para mim, portanto, o problema não está na quantidade. O problema está no fato de aumentarmos o número de filiados, sem aumentar o número de militantes.
O partido vem crescendo em tamanho, mas nossa capacidade de mobilização e a influência das idéias de esquerda não cresce no mesmo ritmo. Por outro lado, grande parte dos atuais filiados ao PT, filiou-se a partir de 2003.
Entre estes novos filiados, há duas minorias e uma maioria. Há uma minoria de filiados que entrou no PT pelos motivos clássicos: por sermos um partido de trabalhadores, um partido de esquerda, um partido socialista. Há outra minoria que entrou no PT por mero oportunismo eleitoral, para usufruir do potencial da legenda: é o caso dos neopetistas, políticos tradicionais que vieram de outros partidos abrigar-se no PT, geralmente a convite de algum petista ilustre que acha que isto é “ampliação”. Mas, dentre os novos filiados, pós 2003, a grande maioria é composta por pessoas que simpatizam com o PT pelo que fizemos em nossos governos, especialmente no âmbito federal.
Se não garantimos formação política para estas pessoas, elas se convertem num “exército eleitoral de reserva” das posições melhoristas, chapa branca, meramente governistas, dentro do PT. O antigo campo majoritário, que dirigiu o PT entre 1995 e 2005, estimulou a filiação em massa deste tipo de pessoa. E não proporcionou formação político-ideológica. Os herdeiros do campo majoritário deram prosseguimento a esta política. O resultado é o que estamos vendo neste PED: 806 mil habilitados a votar, parte dos quais tiveram sua cotização paga por terceiros, dos quais apenas uma minoria participou ou mesmo consegue acompanhar os debates ideológicos e estratégicos entre as chapas concorrentes. Enquanto a estratégia melhorista estava proporcionando resultados, este problema foi sendo contornado. Mas agora, quando o PT precisa dar um salto na sua estratégia e na sua conduta, este tipo de filiação em massa converteu-se num peso, num freio, num problema gravíssimo
3) Imagina que as correntes de esquerda têm ainda base interna pra reverter esse quadro? Qual papel de sua candidatura a presidente do partido?
Eu penso assim: ou o PT muda, ou a esquerda sofrerá uma enorme derrota histórica. Ou o PT muda, ou estes 34 anos, em particular os três mandatos presidenciais, ficarão para a história como um hiato progressista, numa história predominantemente conservadora.
Por isso, por não querer lamentar a oportunidade perdida, não acho que devamos abrir mão de disputar os rumos do PT, não acho que possamos entregar os pontos, não acho que tenhamos o direito de assistir a esterelização do caráter transformador do Partido. Acho, também, que a esquerda petista é muito maior do que nossas tendências, do que nossas chapas, do que nossas candidaturas, do que a votação que possamos receber no PED. Como disse antes, expressamos uma das “almas” do Partido.
A minha candidatura a presidente do PT, assim como nossa chapa “A esperança é vermelha”, são parte desta batalha pelos rumos do PT. Outros participam desta batalha, alguns com posições à nossa esquerda, outros com posições mais ao centro, que em muitos casos se confundem com as posições estratégicas dos herdeiros do campo majoritário.
No caso específico da minha candidatura, sou porta-voz da defesa de que o PT mude de estratégia, adote outra tática para 2014 e faça profundas transformações em seu funcionamento e conduta.
4) O PT sofre ataques sem fim por parte de setores da velha mídia corporativa. Mas, por outro lado, a legenda não erra ao evitar o debate franco sobre o que se passou em 2005, durante o chamado Mensalão?
Em 2005, nós defendemos que o PT fizesse um debate completo sobre o ocorrido, fazendo o ajuste de contas e as punições internas que coubesse fazer. Dizíamos naquela época que, sem isso, nossa defesa pública sempre seria incompleta.
Naquele momento, predominou outra postura, entre outros motivos porque prevaleceu o argumento de que um ajuste de contas interno poderia produzir provas e prejudicar a defesa das pessoas envolvidas.
Acontece que a história mostrou que a direita não precisa de provas para produzir condenações, nem na justiça, nem na mídia oligopolizada, que conseguiu firmar na cabeça de grande número de pessoas a versão segundo a qual nosso partido é “tão corrupto quanto os demais”.
Esta versão é falsa, não corresponde ao que de fato ocorreu, nem leva em conta a luta de nossos governos contra a corrupção. O mais grave é que se não fizermos reforma política, se não acabarmos com o financiamento privado de campanhas eleitorais, se o PT continuar dependendo de doações empresariais para financiar grande parte de suas atividades cotidianas, o Partido vai degenerar.
É por este motivo que um dos pontos que temos defendido no PED é que o partido tem que voltar a autofinanciar-se. Se cada filiado petista contribuir com 5 reais ao mês, o Partido consegue sustentar seu funcionamento sem depender de doações empresariais, nem mesmo do fundo partidário. Isto terá um imenso efeito saneador sobre a vida interna do PT, fazendo personagens como o Cândido Vaccarezza perderem poder e influência.
5) Há quem veja muitas semelhanças entre a trajetória do PT e a de partidos como o PSOE espanhol e o SPD alemão. Eram legendas com forte inserção popular, base sindical, mas se transformaram em “máquinas eleitorais”. Esse é um caminho sem volta para o PT?
Eu quero que o PT ganhe eleições, que ganhe cada vez mais eleições. A questão é: com qual política? Para fazer o quê?
O problema principal do PSOE espanhol e do SPD alemão foi que, dos anos 1980 em diante, capitularam frente ao neoliberalismo. Em geral, a capitulação da social-democracia foi tão grande que mesmo seu desempenho eleitoral vem declinando.
Com o PT ocorreu diferente: embora o grupo majoritário do PT tenha feito muitas concessões ao neoliberalismo, a capitulação que ocorreu por lá não ocorreu por aqui. Por isso, enquanto a social-democracia européia perdia posições, o PT ascendia eleitoralmente.
Assim, eu acho que a social-democracia européia não é parâmetro para o que está ocorrendo conosco. Nem a de agora, submissa ao neoliberalismo, nem a do imediato pós-Segunda Guerra, pois se quisermos construir no Brasil algo parecido ao que foi o Estado de bem-estar dos anos 50 e 60 na Europa, precisaremos confrontar pesadamente o capitalismo realmente existente por aqui.
Isto porque o Brasil, ao contrário dos países europeus, não dispõe nem da ameaça soviética para amolecer as elites, nem do financiamento dos Estados Unidos, nem de uma periferia para explorar.
Eu acho que se quisermos buscar exemplos históricos para os riscos que o PT corre, não precisamos atravessar o Atlântico: basta olhar o que ocorreu com o comunismo e com o trabalhismo brasileiros, pré e pós-1964.
6) Quem é o inimigo principal em 2014: PSDB ou PSB? Como lidar com Eduardo e Marina? Parece que a comparação com os anos FHC não será mais suficiente para garantir vitória petistas. Qual deve ser o discurso central de Dilma?
O inimigo principal é o capital financeiro e seus aliados. Eles estão executando um movimento de pinça contra nós: por um lado, o PSDB, que pode vir de Aécio ou de Serra. Por outro lado, o PSB-Rede, que pode vir de Eduardo ou Marina.
O programa de todos eles é, no fundamental, o mesmo: crescimento com ampliação da desigualdade, redução da democracia e aprofundamento da dependência externa. Agora, do ponto de vista estritamente eleitoral, quem oferece mais perigo é a dupla Eduardo & Marina.
Aécio quer ser o pós-Lula. Eduardo & Marina vão tentar apresentar-se como o lulismo sem o petismo. Por isto, aliás, cabe a Lula uma parte importante do enfrentamento deles.
Mas o que fará mesmo a diferença será convencermos o povo de que o segundo mandato Dilma será superior ao atual. Isto passa por outro programa, outro tipo de campanha e outro tipo de política de alianças. É isso, aliás, que temos defendido no PED.
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