por Saul Leblon, na Carta Maior
O colapso da mídia conservadora chegou antes da falência do país, vaticinada há mais de uma década pelo seu jornalismo.
O velho ‘passaralho’ sobrevoa algumas das principais redações que compõem o núcleo duro da oposição ao governo Dilma.
Estadão, Abril, Folha, Valor lideram a deriva de uma frota experiente na arte de sentenciar vereditos inapeláveis sobre o rumo da Nação, enquanto o seu próprio vai à pique.
De bagres a pavões, cabeças experimentam o fio gelado da guilhotina dos custos nas grandes corporações.
A ‘descontinuidade’ de títulos, a supressão de cadernos, o emagrecimento das edições, o clamoroso empobrecimento da reportagem e o rapa nos borderôs dos freelas não deixam margem a dúvida.
O setor vive uma de suas mais graves crises, da qual o leitor só tem notícia pela qualidade declinante do produto.
Enquanto uiva e torce pela espiral descendente da economia, de olho em 2014, a mídia alivia (suprime?) a discussão da efetiva, ostensiva e acelerada decadência em seu metabolismo.
Murmúrios escapam de quando em vez, como na coluna domingueira da ombudsman da Folha, Suzana Singer.
Informa-se ali que o veículo cuja manchete saliva sobre os sete pontos de queda de Dilma na corrida presidencial demitiu 24 pessoas apenas na última semana.
Não só.
Sepultou o Caderno Equilíbrio (que já rastejava há meses) e agora persegue a receita de “um jornal menor, mas mais sofisticado para fazer frente às informações gratuitas oferecidas na internet”.
Duas observações são obrigatórias.
O veículo dos Frias avoca a suavização de um fracasso com base na mudança sistêmica que apertou as turquesas da concorrência contra o modelo tradicional de jornalismo
Mitigação equivalente é sonegada ao governo e ao país, submetidos aos constrangimentos de um mundo que se liquefaz na desordem neoliberal.
Número dois: antigamente, a expressão ‘menor, mas mais sofisticado’, uma variante do surrado ‘ fazer mais com menos’, era sinônimo de arrocho e superexploração.
A transição tecnológica da Internet talvez não explique integralmente a corrosão edulcorada nos velhos chavões patronais.
Corporações que fazem água nesse momento não são entes genéricos; não praticam qualquer jornalismo, não reportam qualquer país, tampouco adernam num ambiente atemporal.
Uma singularidade precisa ser reposta: o jornalismo dominante virou as costas ao país na última década.
Se a tecnologia envelheceu o suporte, o conservadorismo esférico, traduzido em antipetismo obsessivo, mumificou a pauta.
A saturação da narrativa antecedeu o esgotamento do meio.
Ao ocupar diariamente suas páginas com a reprodução da mesma matéria –’o fracasso do Brasil’, as corporações contraíram um vírus fatal ao seu negócio: o bacilo da previsibilidade.
Há quanto tempo as manchetes, colunas e reportagens disparadas do bunker dos Frias deixaram de surpreender o leitor?
Existe algum motivo para ler amanhã um jornal que hoje tem a frase seguinte antecipada na anterior? E na anterior da anterior e assim sucessivamente?
A recusa em discutir os reais problemas do desenvolvimento brasileiro – que existem e são sérios –, o veto às soluções que escapam à estreiteza de seu receituário, erigiu a sólida base de irrelevância desse jornalismo, esmagando-o nos limites de um universo leitor incapaz de sustenta-lo.
O golpe de misericórdia tecnológico, no caso brasileiro, talvez seja apenas isso.
Uma gota d’água adicional em um galeão perfurado de morte pelo seu próprio peso.
Se o objeto em questão parece irremediavelmente comprometido, cabe à mídia progressista ocupar o seu espaço erigindo-se em uma verdadeira caixa de ressonância dos grandes debates do desenvolvimento nacional.
Não há mandato cativo na história.
Essa função será desempenhada pela comunicação que souber contornar o vírus da irrelevância tendo como norte a certeza de que as ideias só se renovam e pertencem ao mundo através da ação.
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