Por Igor Felippe, no Escrevinhador
A Virada Cultural, que chegou à 10ª edição neste ano, é a principal atividade cultural da cidade de São Paulo. A jornada de 24 horas de música, arte, teatro, culinária e humor leva a cada ano milhões às ruas do centro da cidade.
O sucesso da Virada conseguiu mexer na relação dos paulistanos com o espaço público e com a cidade. Gente de todas as regiões e classes sociais passou a fazer das ruas e vielas do centro um lugar de diversão e lazer.
Arrisco a dizer que essa jornada anual está na raiz das manifestações que tomaram a cidade em junho, porque tirou muitos paulistanos dos shoppings e colocou nas ruas.
A Virada cumpre também um papel de contrapor o estigma do medo, da violência e do crack carregado pelo centro, que se torna polo cultural da cidade por 24 horas. Assim, ajuda a unir uma cidade cheia de contradições e problemas sociais. No entanto, não encerra essas questões.
São Paulo é uma cidade complexa de 10 milhões de habitantes, extremamente desigual e, consequentemente, violenta. Uma metrópole dessa dimensão, que não cresceu com base no planejamento urbano, se impõe de forma violenta a toda a população.
A intensa velocidade da vida, os problemas cotidianos, a raiva com o trânsito, o medo do crime, o trabalho pesado, a falta de tempo para o lazer estressam e frustram os paulistanos.
A grandiosidade da Virada Cultural abre justamente a porta para a população viver conjuntamente, uma vez por ano, um período que, de certa forma, rompe com a dinâmica do sofrimento cotidiano.
A questão é que a Virada não resolve os problemas da cidade. Aliás, não foi criada com essa pretensão… E os problemas da cidade se manifestam durante uma atividade que reúne milhares de pessoas, em forma de roubos, arrastões, brigas e agressões. Essas formas de expressão da violência da cidade, que se reproduzem diariamente em São Paulo, acontecem durante a Virada.
Essas acontecimentos são lamentáveis, mas correspondem à realidade cotidiana da cidade. E a Virada não é um evento isolado no tempo e no espaço, independente das contradições da cidade.
No entanto, a cobertura da velha mídia isola o evento do contexto e superdimensiona esses episódios, criando uma narrativa de violência generalizada e sem controle e irresponsabilidade do poder público. Paralelamente, apontam problemas na organização e na programação do evento, como atrasos e adiamentos.
A mídia constrói um raciocínio lógico que, ao mesmo tempo em que ignora o quadro geral de violência do dia a dia e deslegitima o evento, aponta como solução a extinção ou desidratação da Virada Cultural.
Para isso, a velha mídia cria um clima de medo e desmotivação para desmoralizar a atividade e desgastar a gestão do prefeito Fernando Haddad. Não é coincidência que a Folha apresenta hoje uma reportagem com a seguinte manchete: “Prefeitura não cogita acabar com a Virada, segundo secretário da Cultura”.
Participei das 10 edições da Virada Cultural. Nunca fui roubado, mas conheço pessoas que foram. Já tive que esperar dentro de um restaurante o término de uma briga, que se transformou em um arrastão. No entanto, partilhei momentos maravilhosos junto com amigos, ao lado de milhares de pessoas, em apresentações maravilhosas de grandes artistas.
A alegria do povo na rua, curtindo o show do Luiz Melodia e dançando os sambas de Monarco e Teresa Cristina, demonstra a riqueza da Virada Cultural, que deve ser fortalecida, inclusive como um motor cultural para enfrentar os problemas sociais vividos cotidianamente pelos paulistanos.
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