Por Mariana Desidério, no Brasil de Fato SP
As brasileiras são mais escolarizadas e mais capacitadas do que os homens, mas continuam recebendo salários mais baixos. Além disso, ainda enfrentam o desafio da atuação na política. É o que afirma a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência.
“Os partidos políticos não investem em campanhas femininas, e a sociedade é sexista e não vota em mulher”, afirma Menicucci. Na semana do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, a ministra falou ao Brasil de Fato SP sobre as conquistas e desafios das brasileiras no último período.
Eleonora Menicucci é mineira e há muito tempo atua na questão das mulheres, seja como militante feminista, seja como pesquisadora – ela é professora do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp. Na década de 1970 foi presa pela Ditadura Militar. É ministra desde 2012. Leia a entrevista:
O que é possível comemorar no dia das mulheres?
Conseguimos eleger a primeira mulher presidenta da República. Podemos comemorar o primeiro governo que teve dez ministras. Hoje nós somos oito, em cargos importantíssimos. Em terceiro, devemos comemorar que temos políticas absolutamente consolidadas, políticas de Estado, para a ampliação e consolidação dos direitos das mulheres. Temos as políticas de enfrentamento à violência. Conseguimos ampliar os direitos das trabalhadoras domésticas.
O que tem sido feito no enfrentamento da violência contra a mulher?
Temos avanços na questão de universalizar o acesso das mulheres aos serviços de enfrentamento à violência. Até junho, vamos construir onze casas da mulher pelo país. Até novembro, serão 26. Nesses lugares, serão integrados os serviços de atendimento à violência, tanto na área judicial como o atendimento psicossocial, além de alojamento, brinquedoteca, sala de amamentação e uma central de transportes que buscará as mulheres onde elas estiverem.
Apesar dessas ações, os últimos dados sobre violência contra a mulher mostram um aumento no número de mortes e de denúncias. Por que esses números continuam crescendo?
Há uma fronteira muito tênue entre dizer que os números estão aumentando e dizer que a violência está aumentando. Os números estão com visibilidade, mais divulgados. Parece que está aumentando muito a violência. A violência está aumentando, sim. Mas a divulgação dos números e a denúncia das mulheres também estão muito maiores, porque estão acreditando mais que a sociedade e o estado estão do lado delas.
Mas por que continuam sendo assassinadas?
O que acontece quando elas são assassinadas é que algum serviço que elas procuraram não deu credibilidade à denúncia. Aí elas aparecem mortas. Eu chamo a atenção para a morosidade da expedição das medidas protetivas por parte do Judiciário. Enquanto continuarem morosas, isso estará marcando a morte da mulher. Estará determinando que a mulher vai morrer naquele dia. Por outro lado, com as tornozeleiras eletrônicas e o botão do pânico nós temos conseguido prender muito mais agressores. Agora, nós vivemos num país ainda muito patriarcal, sexista, e a sociedade tem que romper com isso. Não é só o poder público que precisa romper.
Outra questão importante para as mulheres é a participação na política, que ainda é muito menor que a dos homens. Por que isso permanece?
É gravíssimo. Nós somos 51% da população e somos mães da outra metade. Somos protagonistas das nossas próprias vidas, das nossas próprias escolhas e temos certeza de que nós podemos e sabemos fazer. Sabemos fazer no mundo do trabalho, da educação, da pesquisa, dos movimentos sociais e no mundo da política.
Onde está o nó?
Em dois lugares. Nos partidos políticos, que não respeitam as cotas e não investem recursos para as campanhas femininas, e na sociedade, que não vota em mulher. Isso é ruim. Tem impacto na definição das políticas, nas votações, no leque de reivindicação das mulheres.
Como aumentar essa participação?
A lei diz que tem que ter 70% de candidatos de um sexo e 30% de outro. Pela primeira vez na história do Brasil se atingiu 31% de candidaturas femininas, em 2012. No entanto, olha o número que foram eleitas. Na Câmara de São Paulo, são cinco vereadoras. Na Câmara dos Deputados, a proporção é de 8%. O país tem apenas duas governadoras e não tem prefeita de capital.
Por quê?
Eu imputo isso ao patriarcado e à sociedade sexista. As mulheres ainda têm dificuldade de sair de casa. Nós precisamos romper com isso. Para mudar nós temos um fórum de mulheres de partidos e incentivamos essa participação política em vários espaços. No início do governo Lula eram apenas 13 organismos de políticas para as mulheres no Brasil, passamos agora para 603. A nossa meta até o fim do ano é de mil.
Um outro problema que permanece é a disparidade de salários entre homens e mulheres.
É enorme. As mulheres ganham 70% do que ganham os homens. Nós estamos com as nossas políticas de autonomia econômica incentivando a capacitação das mulheres. Porque elas são mais escolarizadas, mais capacitadas, mas elas ocupam cargos mais baixos. Elas não ascendem na carreira. Trabalho igual e salário igual não existe no Brasil. E nós temos que combater essa discriminação salarial, temos que incentivar as mulheres empreendedoras.
O que tem sido feito nessa área?
No Pronatec, as mulheres estão cada vez mais procurando cursos de formação e capacitação que até então eram masculinos, em áreas como construção civil e mecânica. Nós temos ainda um projeto com o CNPQ e o MEC que é o Meninas e Jovens Fazendo Ciência. São bolsas que nós damos para incentivar as meninas entrarem nas áreas tecnológicas.
Qual o resultado?
Nós tivemos quase 600 mil projetos apresentados e foram selecionados 350 mil. Também temos um programa pró-equidade de gênero e raça com 93 empresas estatais e privadas, com prêmios para as empresas que tiverem as melhores práticas de combate à discriminação de sexo e de raça, e que promovam a capacitação das mulheres para que induzir à ascensão delas na carreira.
Quais as ações do governo para a questão da prostituição?
Temos uma ação muito forte no combate ao tráfico de mulheres para fins de exploração sexual. No ano passado desbaratamos duas quadrilhas na Espanha, uma em Ibiza e outra em Salamanca. Uma das chefes da quadrilha de tráfico era brasileira e havia várias brasileiras menores de idade confinadas lá. Desbaratamos também duas quadrilhas do Norte do país, que traficavam meninas do Sul. Também temos parcerias com o Ministério da Saúde com ações que englobam a saúde integral da mulher em todas as áreas, não existe preconceito.
Existe uma preocupação maior com esse assunto com a aproximação da Copa?
Sim, soltamos uma grande nota por causa daquela camiseta que a Adidas lançou, que induzia ao turismo sexual no Brasil. A camiseta tinha escrito em inglês “Faremos um gol”, ao lado de uma mulher bem provocativa. Eles estavam querendo fazer o gol do turismo sexual. Não aceito em hipótese alguma que nenhuma empresa ou ninguém faça uma ilação com a Copa do Mundo e o turismo sexual. Receberemos muito bem os turistas, mas não admitiremos turismo sexual. E eu exigirei da Adidas uma reparação. Não é só retirar a camiseta do ar. Eu não admito, a presidenta não admite, o governo como um todo, é tolerância zero com o turismo sexual.
A morte de mulheres em decorrência de abortos clandestinos ainda é uma realidade triste. Como a senhora encara a discussão sobre a legalização do aborto?
Essa discussão envolve o parlamento e a sociedade, sobretudo. Ela não envolve o Executivo num primeiro momento. Eu aceito a diretriz do governo que é a de não mexermos na legislação. Nossa preocupação é com os abortos previstos em lei. Os último dados do Ministério da Saúde mostram que as causas da mortalidade materna são hipertensão gestacional, hemorragia, infecção, doenças do aparelho respiratório e o aborto.
Qual o peso do aborto nessas mortes?
O aborto, que era a terceira causa, caiu para a quinta. De 1990 a 2011, nós tivemos uma queda de 55,3% na morte materna. As mortes decorrentes do aborto caíram por 82%, hemorragia teve queda de 72%. Então, nós temos essa atuação muito forte na perspectiva da saúde integral das mulheres. A morte materna é uma preocupação e o governo tem responsabilidade em relação a isso.
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