Para o Portal da CUT
“Não tenho dúvida de que hoje no Brasil, na luta de classes, o trabalhador está muito mais fortalecido para enfrentar o patrão do que há 12 anos porque temos instituições de representação dos trabalhadores muito mais sólidas para fazer isso. Na cultura da classe trabalhadora, a simbologia de ter o Lula, um operário, presidente da República, de olhar para a cadeira da Presidência e ver um metalúrgico de Pernambuco, com quarto ano primário, eleito duas vezes para dirigir o País e, ainda por cima, governar melhor que seu antecessor, um sociólogo formado em universidade francesa, representa, além dos ganhos sociais, econômicos e políticos, um valor simbólico de identidade de classe.” (Vagner Freitas, presidente da CUT)”
Em entrevista ao Portal da CUT, Vagner Freitas – presidente da entidade – fala das conquistas e desafios da maior central sindical do País e da América Latina, da relação cutista com a base, com o movimento sindical, com a sociedade e os governos. E também da necessidade de mudança. Sim, porque ele diz que “a CUT tem de mudar completamente a forma de se relacionar com os trabalhadores/as que representa e também com a sociedade”.
A entrevista foi dividida em três partes,que serão publicadas ao longo desta semana. Leia abaixo a primeira parte.
PORTAL DA CUT NACIONAL – Qual é o grande desafio da Central Única dos Trabalhadores 30 anos depois da sua fundação?
VAGNER FREITAS- O maior desafio da CUT, hoje e sempre, é ser visionária para conseguir estar à frente do seu tempo. Para isso, temos de nos especializar, formular e estudar mais o que significa e representa o mercado de trabalhado brasileiro. Para um dirigente sindical ser realmente competente, ele tem de conhecer a realidade do seu local de trabalho. Somente assim um sindicalista se torna sujeito da transformação da sociedade. Fazer sindicalismo apenas reclamando e reivindicando não dá mais. Na CUT, o papel do dirigente é classista, ou seja, defender toda a classe trabalhadora e não apenas a base do seu sindicato.
PORTAL – E como a CUT vai trabalhar para vencer mais esse desafio classista e visionário?
VAGNER FREITAS– Nossa missão é justamente esta: preparar os dirigentes e adequar os conceitos e demandas para uma mudança da estrutura sindical
PORTAL – Essa necessidade também vem do fato de o perfil do brasileiro ter mudado desde a fundação da CUT, em especial nos últimos 12 anos por conta dos avanços sociais? Essa mudança obrigou a maioria dos setores da sociedade a modificar a forma de se relacionar com esse novo perfil da população, por isso a CUT também tem de mudar para conseguir se relacionar melhor com a sua base e a sociedade em geral?
VAGNER FREITAS –Essas mudanças exigiram e estão exigindo que a CUT, uma entidade fundamentalmente de classe, também mude completamente a forma de relacionamento com os trabalhadores que ela representa e também com a sociedade. Tivemos de começar a repensar essa relação a partir de dois acontecimentos no Brasil: a entrada de mais de 30 milhões de pessoas no mercado de trabalho e a ascensão de uma nova classe média em consequência do sucesso das políticas sociais desenvolvidas pelos governos Lula e Dilma. Não é mais como era há 30 anos, quando a grande massa representada pela nossa Central tinha origem na indústria. Hoje, a maior parte dessa representação está nos setores público e de serviços. São os dois setores que mais crescem também na economia mundial, que mais geram empregos e que mais são disputados e, como resultado, que mais trabalhadores têm para ser representados pelos sindicatos.
PORTAL – E esse “novo” trabalhador está tão disposto a integrar o movimento sindical como filiado e militante como estava há 20, 30 anos? Está mais difícil para os sindicatos a tarefa de conquistar, filiar e mobilizar essa nova classe trabalhadora?
VAGNER FREITAS- São perfis completamente diferentes. Hoje, o trabalhador e a população em geral têm à sua disposição muito mais informação do que tinham a décadas atrás. Naquela época bastava o caminhão de som para se comunicar com a base. Há 30 anos, pensando na ação sindical, a nossa luta era para defender o emprego e evitar demissões em massa. Antes, o diálogo com o trabalhador e até a cobertura do mundo sindical pela imprensa eram diferentes. O sindicalismo era combatido pela mídia, mas também era aceito. Dentro da empresa, o velho DP (departamento pessoal) virou O RH (recursos humanos). Nós dos sindicatos acabamos ensinando para o inimigo (o patrão) como agir e eles foram também se organizando e ficaram mais competentes na disputa ideológica. Exemplo disso é que quando disputei a direção nos bancários, na década de 1990, tive de me afastar do trabalho a pedido do banco. Hoje, a empresa felicita o candidato a dirigente sindical por sua candidatura.
PORTAL – Conta mais um pouco de como era a ação sindical à época em que você fazia campanha salarial nas ruas, pelos bancários, quando o movimento sindical enfrentava a criminalização imposta pelos governos neoliberais?
VAGNER FREITAS -Eu não tenho nenhuma saudade daquela época. As campanhas salariais eram um inferno. A cada ano a nossa luta conseguia somente manter os direitos. Essa geração não viu isso. Embora eu me sentisse absolutamente insatisfeito e derrotado por não ver a minha categoria avançar, do ponto de vista ideológico, ficava feliz da vida porque vivia criticando e xingando o FHC, Serra, (Mário) Covas e não tinha o menor problema existencial por isso. Mas para o trabalhador, o que eu sentia não servia de nada. Digo isso para lembrar que o movimento sindical não pode ser instrumento do prazer pessoal, individual do dirigente, mas sim de transformação da vida do trabalhador.
PORTAL – Você diria que hoje as conquistas dos sindicatos e centrais são menos sofridas e, talvez por isso, menos valorizadas?
VAGNER FREITAS -Nos governos Lula (e agora Dilma) fiquei muito satisfeito com o meu trabalho de dirigente porque vi as coisas evoluir e se transformar em conquistas para a classe trabalhadora. Ainda são muito menores do que deveriam ser. Mas em um quadro comparativo que considere melhoria da qualidade de vida em geral e da vida dos trabalhadores e trabalhadoras, nos últimos 10, 12 anos, comparado aos últimos 50 anos, tudo melhorou para os brasileiros. Qualquer um que faça esta análise de forma correta, isenta, e não defenda lado a ou b sabe e dirá que os últimos 12 anos foram salutares para o Brasil, tanto que o País se tornou referência mundial em programas e conquistas sociais.
PORTAL – Mas se trouxe conquistas como a mudança e mais justiça na pirâmide social e também protagonismo ao movimento sindical, essa relação mais estreita entre CUT e um governo federal progressista também trouxe contradições, questionamentos e cobranças internas e da sociedade?
VAGNER FREITAS –Logicamente, para alguns esse cenário gerou contradições e questionamentos do tipo: até onde a defesa do projeto político não distanciou o movimento sindical da defesa dos interesses do trabalhador? Mas a mim não trouxe nem traz nenhuma contradição.
CUT NACIONAL – Mas existe uma fala recorrente de setores conservadores de que a CUT é “governista”, “chapa branca” desde que Lula (2003) assumiu a Presidência da República e que, por isso, a Central não representa como devia os interesses da classe trabalhadora?
VAGNER FREITAS -. Como eu disse, não acho que haja contradição, mas a sociedade pode achar que sim. Eu, como presidente da CUT e dirigente sindical, nesses 12 anos de governo federal comprometido com a classe trabalhadora, cujas eleições foram formalmente apoiadas pela nossa Central, do ponto de vista de saber que o outro projeto era ruim, afirmo que a CUT foi a central que fez mais greves e que as categorias a nós filiadas foram as que mais tiveram conquistas nesse período. Nossa central, sozinha, representa 40% dos trabalhadores que se filiam a sindicatos no Brasil.
PORTAL – O trabalhador, a base cutista tem essa mesma compreensão?
VAGNER FREITAS – Não tenho dúvida de que hoje no Brasil, na luta de classes, o trabalhador está muito mais fortalecido para enfrentar o patrão do que a 12 anos atrás porque temos instituições de representação dos trabalhadores muito mais sólidas para fazer isso. Na cultura da classe trabalhadora, a simbologia de ter o Lula, um operário, presidente da República, de olhar para a cadeira da Presidência e ver um metalúrgico de Pernambuco, com quarto ano primário, eleito duas vezes para dirigir o País e, ainda por cima, governar melhor que seu antecessor, um sociólogo formado em universidade francesa, representa, além dos ganhos sociais, econômicos e políticos, um valor simbólico de identidade de classe. O trabalhador pensa e diz: “eu sou operário e sou mais competente e fiz um governo melhor do que o governo da burguesia”. Este é um legado que a gente jamais vai perder. É aquela coisa do eu sei e eu posso, que foi reproduzida depois em outros países da América Latina, porque as pessoas não acreditavam que seria possível. Até a burguesia aceitou porque pensava que, depois de três tentativas, Lula seria eleito, ficaria seis meses no poder e sairia derrotado para nunca mais voltar, porque ele era, na visão burguesa, de uma raça incompetente e o lugar dele era a senzala, porque a casa grande era da burguesia e da elite.
PORTAL – Lula deixou esse legado social para o Brasil, qual é então o maior legado do ponto de vista sindical que ele deixou para a classe trabalhadora?
VAGNER FREITAS – A certeza de que o Brasil jamais voltará a ser tão ruim como já foi. O fato de nós termos quebrado essas expectativas de parte da burguesia e mostrado que temos condições de, com acertos e erros, fazer um governo da forma como está sendo feito, me deixa sem nenhuma dúvida de que tem um resultado cultural e político, de formação política e de alto estima de classe que nunca vaipermitir que o Brasil volte a ser ruim como era antes do Lula/Dilma. Mesmo sem ele, sem o PT, seja quem for que vier no futuro não vai conseguir fazer no País o que fizeram de ruim antes. Até porque as organizações da própria sociedade vão cobrar muito mais.
PORTAL – E você acredita que esse projeto de governo apoiado oficialmente pela CUT e pela maioria do movimento sindical prosseguirá no governo por muito tempo?
VAGNER FREITAS – Na democracia, a alternância de poder é normal e até saudável, mas espero que ainda demore muito, muito tempo mesmo para que outro projeto diferente do de Lula-Dilma-PT, que teve e tem o apoio da CUT, deixe o poder. Mas se isso ocorrer, repito que jamais o Brasil voltará a ser (ruim) como que era antes da eleição de Lula. O reconhecimento da forma de governar e de que é possível fazer coisas diferentes aliados à formação política do brasileiro não vão permitir que as conquistas sejam retiradas. A população e o eleitor serão muito mais exigentes. Isso é outro legado do governo lula. É legado do Lula, é legado do PT é legado da CUT, porque foi uma conquista que nós estabelecemos. É por isso que eu não posso me sentir com qualquer tipo de desconforto diante da minha própria análise de que essa trajetória de 12 anos foi transformadora e positiva para a história do Brasil.
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