Por João Telésforo Medeiros Filho
Publico aqui relato do debate sobre democratização da comunicação
que fiz, representando o B&D, com a candidata do PV à presidência da
República, Senadora Marina Silva, no roda-viva que promovemos na UnB na
última quinta-feira. No final do post, abordarei a reação às respostas dela na imprensa (que mereceu até um artigo específico, no Blog do Noblat). PS: veja aqui os vídeos desse trecho do debate com Marina.
No Capítulo Constitucional destinado
à Comunicação Social (que, aliás, vem logo antes do capítulo sobre Meio
Ambiente), ficou estabelecido explicitamente, por exemplo, que:
“Art. 220, § 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.
Porém, até hoje essa e outras disposições
constitucionais referentes à Comunicação Social não foram
regulamentadas pelo Congresso Nacional. Os
meios de comunicação de massa continuam sob domínio de forte oligopólio
empresarial, e exercem forte pressão para que tudo continue como está.
A Constituição não tem sido levada a sério. O efeito disso é que não se
vê pluralidade nos meios de comunicação. Sentimos isso de diversas
formas. Por exemplo, na forma como a imprensa costuma estigmatizar e até
criminalizar movimentos sociais, greves, manifestações, minorias, índigenas,
sem-terras… A imprensa claramente tem lado, e não se trata de calar a
voz que se manifesta hoje por meio dela, mas de impor limites à
concentração para pluralizá-la, dar voz a mais vozes no espaço público.
A primeira pergunta à
candidata Marina: a senhora e o seu partido assumem a luta democrática e
constitucional pela democratização dos meios de comunicação, contra o
oligopólio dos meios de radiodifusão? A senhora pretende levar a
Constituição a sério, se unir às forças vivas da sociedade para romper a inércia legislativa em torno do assunto e propor uma legislação que limite a concentração dos meios?
A segunda pergunta:
acontece, atualmente, processo de transição do ambiente analógico para o
ambiente digital de radiodifusão. A criação dessa nova plataforma seria
uma oportunidade histórica para dar cumprimento à diretriz
constitucional que proíbe o oligopólio dos meios de rádio e TV, para
outorgar as concessões de uso do espectro digital por meio de amplo
processo público, permitindo a entrada de novos atores, dando voz a mais
vozes. Porém, não foi isso que ocorreu. Por meio de decreto, o governo
determinou que esse novo ambiente continuaria dominado pelos mesmos
velhos grupos concessionários. Essa decisão é antidemocrática e fere os
princípios constitucionais para a outorga ou renovação de concessão
pública; foi inclusive ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF contra ela (que – isso eu esqueci de dizer na pergunta – já recebeu parecer do Procurador-Geral da República pela procedência da ação, isto é, pela inconstitucionalidade do decreto). A senadora Marina Silva, caso seja eleita Presidente, revogará esse decreto?
Terceira pergunta: 25% dos seus colegas senadores são concessionários de rádio e TV.
A propriedade de empresas de radiodifusão por deputados e senadores
também desrespeita a Constituição Federal e o interesse democrático,
pois reforça o uso do meio de comunicação em nome de interesses
privados, e reforça oligarquias regionais sob nova forma, do coronelismo eletrônico (v. também aqui e aqui). Qual a posição da senhora a respeito?
A candidata Marina respondeu,
em síntese, que (i) é importante que esse debate aconteça, (ii) não
conhece a fundo o assunto e não pode dizer que revogará o decreto, mas
estudará a questão; (iii) sofreu muito com a concentração de concessões
de rádio e TV nas mãos de políticos. Enquanto seus adversários usavam
rádios, jornais, TV, ela tinha “apenas uma cornetinha” para fazer
campanha no Acre. Porém, a Senadora acrescentou que é preciso “ter
cuidado” para não se cercear a liberdade de expressão, pois toda forma
de censura é inadmissível. A Senadora acrescentou também que não é
contra a concessão a grupos privados, mas que é preciso ter com eles uma
relação transparente.
Na minha réplica,
observei que dizer que o movimento pela democratização da comunicação
quer censura é tão bizarro quanto dizer que os ambientalistas
brasileiros na verdade defendem interesses escusos de empresas e
governos estrangeiros (a primeira pergunta feita à Marina no debate,
pelo socioambientalista André Lima, criticava esse canhestro discurso, que procura deslocar o foco do problema – v. crítica aqui).
Não que a Senadora estivesse dizendo isso, mas é fundamental deixar
claro que não é disso que se trata: pelo contrário, a luta pela
democratização da comunicação nasceu na resistência contra a censura,
durante a ditadura, e o que ela busca é assegurar a pluralidade, é
ampliar os espaços de participação de mais grupos no espaço público. E
também não se trata de ser contra a propriedade privada. Assim como a
reforma agrária não tem o objetivo de abolir a propriedade, mas de
desconcentrá-la, democratizá-la, a reforma contra o “latifúndio do ar”
tem o objetivo de pluralizar, democratizar a propriedade dos meios de
comunicação. Para que a diversidade ideológica da sociedade tenha o
direito de se manifestar, e para que assim tenhamos acesso a fontes
plurais de informação, elemento essencial à noção de espaço público.
Tão importante quanto democratizar a
propriedade dos meios, porém, é garantir que cumpram a sua função
social, que respeitem os direitos humanos e cumpram o caráter público da
comunicação social, estabelecido constitucionalmente. Numa democracia,
toda empresa, toda organização, todo indivíduo tem obrigação de
respeitar os direitos humanos, a Constituição, o direito. A liberdade
econômica das empresas não pode estar acima da sua obrigação de cumprir
as regras de direito do trabalho ou a legislação ambiental, por exemplo.
E o papel do Estado e dos cidadãos é zelar para que essas normas
protetivas sejam respeitadas. Só as empresas de comunicação estariam
acima de quaisquer deveres e limites?
Nesse sentido, pergunto:
a candidata Marina é a favor de mecanismos de controle social sobre o
conteúdo veiculado pela mídia, para assegurar, por exemplo,
representação de minorias e veiculação de conteúdo local? O que a
senhora pensa da proposta
de que pelo menos metade dos componentes do conselho de administração
das entidades de comunicação seja eleita pelos jornalistas que nelas
trabalham? Finalmente, o André Lima faz uma crítica muito importante às
falhas do BNDES, que financia empreendimentos que não são social e
ambientalmente sustentáveis. Também no ramo da comunicação, o Estado não
deveria adotar critérios de respeito aos direitos humanos para o
financiamento que dá às empresas privadas, sob a forma de publicidade
estatal?
Na tréplica, Marina
Silva respondeu que sua experiência com controle social no Ministério do
Meio Ambiente foi muito positiva, o controle social é uma conquista da
sociedade brasileira e deve ser aprofundado. Áreas como arte e
comunicação, porém, merecem uma liberdade especial, pelo papel que tem;
deve-se ter cuidado para que controle social não signifique censura. A
Senadora é favorável ao Conselho de Comunicação Social, responsável por
analisar, no Congresso Nacional, as outorgas e concessões de rádios e
televisões.
–
Infelizmente, a candidata Marina não
afirmou que revogaria o decreto da TV Digital, nem se posicionou
favoravelmente ao incremento da participação social no controle do
conteúdo veiculado pela mídia, com vistas a pluralizá-lo
e impor o respeito aos direitos humanos. Não quis comprar a briga
contra o corporativismo da maioria dos veículos da grande imprensa, que
tem garantido a ela um espaço significativo de exposição pública. Mesmo
assim, é impressionante que um jornalista a tenha criticado pelo mínimo comentário que ela fez favoravelmente ao controle social previsto na nossa Constituição…
Caso eu tivessse tempo para fazer um
comentário final, citaria experiências bem-sucedidas de regulação e
fiscalização da atuação dos meios de comunicação de países como
Inglaterra, Suécia e Espanha. A esse respeito, diz o Prof. Dr. Fernando
Paulino, do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB:
“Por uma série de processos
históricos, os catalães tendem a se inspirar nos vizinhos europeus. No
campo mediático, a exemplo de iniciativas de democracias consolidadas
como Suécia e Inglaterra, há dez anos foram criadas experiências de
conselho de imprensa e conselho do audiovisual que promovem um sistema
permanente de prestação de contas à mídia, pleiteando garantir os
direitos humanos dos usuários, sem atentar contra a liberdade de
expressão.” (V. aqui íntegra desse seu breve texto , sobre responsabilidade social da mídia, tema de sua tese de doutorado).
Não se pode admitir que o fantasma da
censura seja utilizado para censurar o importante debate público sobre a
questão fundamental da responsabilidade social da imprensa – e a
necessidade de controle social para garanti-lo (a forma republicana de
assegurar a responsabilidade é a fiscalização e controle por meio da
sociedade). Costuma-se omitir do debate público o fato de que o espectro
eletromagnético de difusão de rádio e TV é extremamente limitado,
escasso. É preciso definir publicamente, socialmente, portanto, qual é a
maneira adequada de compartilhar esse importantíssimo recurso público.
Infelizmente, não é o que tem ocorrido…
Veja-se, na apresentação à edição n. 2, de 2010, da Revista de Direito, Estado e Telecomunicações (REDETEL, p. 12, aqui), elaborada por seu Conselho Editorial, formado por professores de diversos cursos da Universidade de Brasília, da University of Southern California e da Portland State University:
“As TVs universitárias e
comunitárias, por sua vez historicamente marginalizadas da ocupação do
espectro da TV aberta, viram suas pretensões de consignação de canais
digitais de 6 MHz novamente postergadas quando o consultor jurídico do
Ministério das Comunicações foi o porta-voz da posição da pasta de que a
discussão de tais consignações somente seria possível quando da
devolução dos canais analógicos em 2016, já que o ministério já teria
feito um ‘esforço enorme’ para acomodação dos quatro canais públicos,
além da TV Senado, TV Câmara e TV Justiça. Como se pôde notar, a
presença dos canais comunitários, componente fundamental da democracia
participativa de nível local, continua ocupando uma posição periférica
na política setorial.” (Em sentido contrário ao que afirmou o jornalista Ruy Fabiano em artigo para o blog do Noblat).
O movimento pela democratização da
comunicação é solidário ao movimento socioambiental. Eu cobro da
Senadora Marina Silva que assuma essa luta, não apenas por
reciprocidade, mas porque se trata de uma pauta central para atacar os
grandes e indissociáveis déficits democráticos da sociedade brasileira: a
concentração de poder, a desigualdade, os desrespeitos aos direitos
humanos, o aparelhamento e a usurpação de tudo o que deveria ser público
pelos velhos grupos privados dominantes. Faço, assim, minha última
pergunta: a candidata e aqueles que a apóiam irão à luta ou se
conformarão com pintar de verde o recorrente fenômeno brasileiro da reprodução da desigualdade, no nosso histórico processo de modernização excludente?
no Imaginar para Revolucionar
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