O Decreto presidencial nº 8243, editado em 23 de maio deste ano institui o Sistema Nacional de Participação Social. Este decreto tem o objetivo de regulamentar as práticas das conferências e conselhos participativos como mecanismo de consulta e proposição de políticas públicas, o que vem ocorrendo com mais intensidade nos anos de gestão Lula/Dilma. A edição deste decreto foi bombardeada fortemente pela direita e por parcelas dos meios de comunicação de massa, sob a alegação (falsa) de que a intenção seria criar um mecanismo paralelo de poder e tirar a prerrogativa do Congresso Nacional de ser a casa que aprova as leis.
Basta dar uma olhada no decreto e logo se verá que tais críticas são tão mentirosas e absurdas como as que foram feitas contra o livro “Viver aprender” indicado pelo MEC como material didático para Educação de Jovens e Adultos (na ocasião, deputados de direita diziam que o livro ensinava a falar errado quando o que a obra apontava era sobre as diferenças das formas de falar de parte da população que são distintas da norma culta).
Pode-se afirmar que, com dificuldades de explicitar o seu real projeto político que opõe ao governo – o retorno a prioridade ao capital especulativo, o desmonte da rede de proteção social e a adesão à hegemonia norte-americana – a oposição de direita busca desesperadamente questões pontuais para exacerbar as suas críticas ao governo. Nem que para isto necessite faltar com a verdade.
E é este caso: o Decreto 8243/14 nada mais faz que regulamentar uma prática que vem sendo corrente: a realização de conferências temáticas sobre os mais variados campos de políticas públicas e a instituição de conselhos participativos, todos visando estabelecer canais de diálogos do Estado com a sociedade civil. Em outras palavras, abrir espaços para que a sociedade civil interfira na elaboração de propostas de políticas públicas.
A experiência das conferências participativas no Brasil começa em 1941 com a realização da I Conferência de Saúde. De lá até o segundo mandato do governo Lula, foram 128 conferências nacionais, 74 nas duas gestões do presidente petista (57,81%) e 12 no governo Dilma (9,37%), o que totaliza mais de 67% deste mecanismo concentrado nos últimos doze anos de gestão petista. Comparativamente, o quadro abaixo mostra a evolução deste mecanismo nas últimas gestões:
Período Número de conferências realizadas
1940/1963 - 4
Ditadura militar 1964/85 - 4
Sarney (1985-1989) - 3
Collor/Itamar (1990-1994) - 5
FHC (1995-2002) - 16
Lula (2003-2010) - 74
Dilma (2010-2013) - 12
Segundo pesquisa do professor Leonardo Avritzer, as conferências realizadas durante o governo Lula mobilizaram cerca de 10 milhões de pessoas, o equivalente a 6,5% da população. Este mesmo estudo constatou que 41,8% da população brasileira tinha ouvido falar da realização das conferências, resultado significativo dado o grande silêncio sobre elas imposto pelos grandes meios de comunicação.
A baixa inclusão das conferências de igualdade racial
Em um outro estudo realizado pela professora Petinelli, foi medida, comparativamente, a influência das conferências nas tomadas de decisões para políticas públicas por parte do governo federal. Neste estudo, Viviane Petinelli compara as conferências realizadas no governo Lula na área de mulheres, igualdade racial e agricultura e pesca. Detalhes que chamam a atenção: os recursos orçamentários para realização de programas entre 2003 e 2010 (as duas gestões do governo Lula). A Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) foi a que menos recebeu das três – o Ministério da Pesca teve um orçamento 10 vezes maior e a Secretaria de Políticas para as Mulheres, duas vezes mais.
Uma das consequências disto é que, das deliberações aprovadas nas duas conferências de igualdade racial realizadas entre 2003 e 2010, apenas 43% foram incorporadas na agenda de políticas do governo federal (contra 55% da pesca). Isto a despeito das conferências de igualdade racial terem mobilizado 150.000 pessoas em todas as etapas contra apenas 40.000 da conferência de pesca. Em outras palavras, a conferência participativa da pesca foi chamada por um órgão governamental com muito mais recursos disponíveis para execução de políticas públicas, mobilizou um contingente menor de participantes e teve mais da metade das suas deliberações incorporadas na agenda governamental.
O estudo de Petinelli indica que a baixa inclusão da conferência de igualdade racial comparativamente a da pesca deve-se ao fato da primeira ter uma finalidade mais de caráter social (conquistar a equidade racial) e a segunda, econômica (desenvolver determinado segmento produtivo).
Esta inferência de Petinelli vai ao encontro de uma discussão importante que deve ser feita pelos movimentos sociais e, em particular, o movimento negro: a necessidade de se desprivatizar o Estado brasileiro. Alguns indicadores sobre esta privatização podem ser vistos nestes tópicos: a sonegação de impostos por ano via evasão de divisas para paraísos fiscais chega a 415 bilhões por ano; o pagamento de juros da dívida pública consome 42% do Orçamento público (900 bilhões em 2013) e as campanhas eleitorais de 2012 custaram 4,5 bilhões sendo que 95% vieram de doações de empresas que, assim, tem o poder de decidir quais candidatos terão mais recursos para fazer campanhas e serem favorecidos nas eleições. Enquanto isto, a Seppir teve um orçamento em 2013 de apenas 38,4 milhões.
ITEM Valor (em R$milhões)
Sonegação/evasão de divisas - 415.000
Juros e amortizações da dívida - 900.000
Campanhas eleitorais 2012 - 4.500
Orçamento da Seppir (2013) - 38
Esta relação promíscua entre Estado e poder econômico faz com que as agendas de interesse do poder econômico se sobressaiam. A constituição de espaços participativos pode ser um contraponto possível a este poder do dinheiro que se realiza por meio de acordos nada transparentes com os ocupantes do cargos decisórios (como, por exemplo, investir nas campanhas eleitorais em troca de favorecimentos em compras governamentais, licitações, preferências em contratos, etc).
E o que se percebe é que tais espaços participativos ainda estão contaminados com uma cultura política que privilegia as agendas econômicas em detrimento das de caráter social. Mesmo assim, ainda que conferências como a da igualdade racial tenham uma baixa inclusão, por dar visibilidade a temas que dificilmente seriam refletidos nesta estrutura de relações promíscuas Estado/poder econômico, são bombardeadas pela direita. Isto porque ameaçam ser este contraponto de espaço político. O que coloca para se refletir a necessidade de se aprofundar esta discussão colocando como ponto central o modelo de Estado que se quer construir.
Basta dar uma olhada no decreto e logo se verá que tais críticas são tão mentirosas e absurdas como as que foram feitas contra o livro “Viver aprender” indicado pelo MEC como material didático para Educação de Jovens e Adultos (na ocasião, deputados de direita diziam que o livro ensinava a falar errado quando o que a obra apontava era sobre as diferenças das formas de falar de parte da população que são distintas da norma culta).
Pode-se afirmar que, com dificuldades de explicitar o seu real projeto político que opõe ao governo – o retorno a prioridade ao capital especulativo, o desmonte da rede de proteção social e a adesão à hegemonia norte-americana – a oposição de direita busca desesperadamente questões pontuais para exacerbar as suas críticas ao governo. Nem que para isto necessite faltar com a verdade.
E é este caso: o Decreto 8243/14 nada mais faz que regulamentar uma prática que vem sendo corrente: a realização de conferências temáticas sobre os mais variados campos de políticas públicas e a instituição de conselhos participativos, todos visando estabelecer canais de diálogos do Estado com a sociedade civil. Em outras palavras, abrir espaços para que a sociedade civil interfira na elaboração de propostas de políticas públicas.
A experiência das conferências participativas no Brasil começa em 1941 com a realização da I Conferência de Saúde. De lá até o segundo mandato do governo Lula, foram 128 conferências nacionais, 74 nas duas gestões do presidente petista (57,81%) e 12 no governo Dilma (9,37%), o que totaliza mais de 67% deste mecanismo concentrado nos últimos doze anos de gestão petista. Comparativamente, o quadro abaixo mostra a evolução deste mecanismo nas últimas gestões:
Período Número de conferências realizadas
1940/1963 - 4
Ditadura militar 1964/85 - 4
Sarney (1985-1989) - 3
Collor/Itamar (1990-1994) - 5
FHC (1995-2002) - 16
Lula (2003-2010) - 74
Dilma (2010-2013) - 12
Segundo pesquisa do professor Leonardo Avritzer, as conferências realizadas durante o governo Lula mobilizaram cerca de 10 milhões de pessoas, o equivalente a 6,5% da população. Este mesmo estudo constatou que 41,8% da população brasileira tinha ouvido falar da realização das conferências, resultado significativo dado o grande silêncio sobre elas imposto pelos grandes meios de comunicação.
A baixa inclusão das conferências de igualdade racial
Em um outro estudo realizado pela professora Petinelli, foi medida, comparativamente, a influência das conferências nas tomadas de decisões para políticas públicas por parte do governo federal. Neste estudo, Viviane Petinelli compara as conferências realizadas no governo Lula na área de mulheres, igualdade racial e agricultura e pesca. Detalhes que chamam a atenção: os recursos orçamentários para realização de programas entre 2003 e 2010 (as duas gestões do governo Lula). A Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) foi a que menos recebeu das três – o Ministério da Pesca teve um orçamento 10 vezes maior e a Secretaria de Políticas para as Mulheres, duas vezes mais.
Uma das consequências disto é que, das deliberações aprovadas nas duas conferências de igualdade racial realizadas entre 2003 e 2010, apenas 43% foram incorporadas na agenda de políticas do governo federal (contra 55% da pesca). Isto a despeito das conferências de igualdade racial terem mobilizado 150.000 pessoas em todas as etapas contra apenas 40.000 da conferência de pesca. Em outras palavras, a conferência participativa da pesca foi chamada por um órgão governamental com muito mais recursos disponíveis para execução de políticas públicas, mobilizou um contingente menor de participantes e teve mais da metade das suas deliberações incorporadas na agenda governamental.
O estudo de Petinelli indica que a baixa inclusão da conferência de igualdade racial comparativamente a da pesca deve-se ao fato da primeira ter uma finalidade mais de caráter social (conquistar a equidade racial) e a segunda, econômica (desenvolver determinado segmento produtivo).
Esta inferência de Petinelli vai ao encontro de uma discussão importante que deve ser feita pelos movimentos sociais e, em particular, o movimento negro: a necessidade de se desprivatizar o Estado brasileiro. Alguns indicadores sobre esta privatização podem ser vistos nestes tópicos: a sonegação de impostos por ano via evasão de divisas para paraísos fiscais chega a 415 bilhões por ano; o pagamento de juros da dívida pública consome 42% do Orçamento público (900 bilhões em 2013) e as campanhas eleitorais de 2012 custaram 4,5 bilhões sendo que 95% vieram de doações de empresas que, assim, tem o poder de decidir quais candidatos terão mais recursos para fazer campanhas e serem favorecidos nas eleições. Enquanto isto, a Seppir teve um orçamento em 2013 de apenas 38,4 milhões.
ITEM Valor (em R$milhões)
Sonegação/evasão de divisas - 415.000
Juros e amortizações da dívida - 900.000
Campanhas eleitorais 2012 - 4.500
Orçamento da Seppir (2013) - 38
Esta relação promíscua entre Estado e poder econômico faz com que as agendas de interesse do poder econômico se sobressaiam. A constituição de espaços participativos pode ser um contraponto possível a este poder do dinheiro que se realiza por meio de acordos nada transparentes com os ocupantes do cargos decisórios (como, por exemplo, investir nas campanhas eleitorais em troca de favorecimentos em compras governamentais, licitações, preferências em contratos, etc).
E o que se percebe é que tais espaços participativos ainda estão contaminados com uma cultura política que privilegia as agendas econômicas em detrimento das de caráter social. Mesmo assim, ainda que conferências como a da igualdade racial tenham uma baixa inclusão, por dar visibilidade a temas que dificilmente seriam refletidos nesta estrutura de relações promíscuas Estado/poder econômico, são bombardeadas pela direita. Isto porque ameaçam ser este contraponto de espaço político. O que coloca para se refletir a necessidade de se aprofundar esta discussão colocando como ponto central o modelo de Estado que se quer construir.
do FNDC
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