Estados Unidos, longe da independência energética
8 de Julho de 2014, 23:47 - sem comentários aindaPor ATILIO A. BORON*
Tal como vários na América Latina vêm dizendo há ao menos dois anos, uma matéria do jornalista especializado Louis Sahagun, publicada em 20 de maio por Los Angeles times (http://www.latimes.com/business/la-fi-oil-20140521-story.html) afirma que “em 2011 uma empresa independente contratada por Washington (trata-se de uma consultora de engenharia, Intek, com sede na Virgínia) fez uma errônea estimativa do petróleo tecnicamente recuperável da maior jazida de xisto betuminoso do país, localizada em Monterrey, Califórnia, que continha aproximadamente dois terços das reservas de petróleo de xisto da nação.
Segundo aquela estimativa, poderia se obter uns 13,7 bilhões de barris de petróleo. No entanto, um relatório recente assegura que a quantidade não é maior do que 600 milhões de barris, ou seja, uma quantidade 96% menor do que esperado (e que, como ressalta a publicação especializada Business Insider, equivale às reservas totais de petróleo da Bolívia). “Essa errônea estimativa de 2011” – segue dizendo o diário – “havia sido qualificada como a esperança para reduzir a necessidade do país em relação às importações de petróleo do estrangeiro”.
A quantidade que agora informa a EIA (Agência de Informações de Energia dos Estados Unidos, dependente do Departamento de Energia do governo federal) é insignificante se levar em conta que “só poderia cobrir as necessidades energéticas dos Estados Unidos correspondentes a 33 dias”.
Para dizer o mínimo: toda essa história foi uma fantasia estatística, fruto do desespero de Washington para conseguir sua tão esperada independência energética combinada com a fenomenal inaptidão de quem elaborou as estimativas iniciais e, por que não, os interesses corruptos de alguns grandes consórcios da indústria – conivente com as construtoras de outrora – interessados em facilitar a realização das operações especulativas no mercado petroleiro mundial. A independência energética dos Estados Unidos, que muitos acreditavam estar na esquina, atuou como um freio sobre o preço do petróleo, fez possíveis aquisições baratas de ativos petroleiros no exterior, desvalorizados diante das perspectivas abertas pelo relatório citado e se prestou a todo tipo de especulação. Mas agora a festa acabou. Assim como declara J. David Hughes, um geólogo porta-voz do Post Carbon Institute, o xisto de Monterrey “sempre foi um mito lendário cuja importância foi inflada pela indústria petroleira – nunca existiu”.
A íntima relação que o capitalismo atual estabeleceu entre petróleo, política e guerra permite extrair quatro conclusões preliminares.
Primeiro, que a dependência energética dos Estados Unidos continuará sendo muito elevada, e talvez crescente em função da evolução da demanda doméstica, e que isto reforçará as tendências belicistas do império para tratar de assegurar a obtenção do petróleo que necessita por qualquer meio, a qualquer preço e em qualquer lugar. Não esquecer que desde o século vinte as intervenções militares dos Estados Unidos em três países tiveram como causas fundamentais o petróleo e as presentes ameaças à “segurança nacional” plantada por governos que não estavam dispostos a sacrificar a autodeterminação nacional.
Segundo, que os planos para destruir a OPEP – um objetivo altamente acariciado por Washington desde 1973 – a partir do auto-abastecimento petroleiro – terão de ser arquivados por muito tempo, talvez definitivamente, o que constitui um duríssimo golpe para a política exterior dos Estados Unidos. A destruição da OPEP não era só um projeto econômico, mas também político, dirigido a disciplinar os desobedientes produtores de petróleo e, especialmente, a Venezuela, cujo protagonismo no relançamento da OPEP foi decisivo no começo deste século.
Em terceiro lugar, dado o exposto, a Casa Branca redobrará sua ofensiva sediciosa sobre a Venezuela bolivariana, reforçando o apoio logístico, financeiro, organizacional e midiático aos peões em suas terras que são apresentados pela imprensa do império como uma “oposição pacífica”, quando na realidade são mercenários cuja missão é semear o caos, quebrar a ordem constitucional e provocar a queda do governo bolivariano. Fato significativo: das várias centenas de arruaceiros presos pelas autoridades, apenas 20% são estudantes, e uma proporção semelhante é formada por estrangeiros, alguns dos quais não falam castelhano. Tendo em vista as notícias publicadas pelo Los Angeles Times, é previsto um aumento da pressão desestabilizadora orquestrada por Washington.
Em quarto lugar, que as declarações enfáticas de Obama e Kerry no sentido de fornecer petróleo e gás a Ucrânia para facilitar que este país seja absorvido pela OTAN e pela União Europeia tem reduzido as intimidações sem nenhum efeito prático. Infelizmente para Washington, o petróleo e o gás se encontram cada vez mais frequentemente nos países que não estão dispostos a se ajoelhar às ordens da Casa Branca. Portanto, suas manobras econômicas operadas na Ucrânia são frágeis e distantes enquanto o petróleo e o gás permanecer nas proximidades e forem abundantes na Rússia.
*Atilio Boron é cientista político.
Traduzido por Daniela Mouro
Fonte: Correio da Cidadania
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Parlamento do MERCOSUL declara total apoio à Argentina na luta contra os fundos abutres
8 de Julho de 2014, 14:23 - sem comentários aindaEsta nova Sessão teve como assunto excludente a disputa judicial que têm a Republica Argentina com os detentores de títulos de dívida soberana desse país, pendente de reestruturação (hold-outs).
A respeito desse tema, devemos recordar os esforços que vêm realizando a República Argentina para honrar os compromissos adquiridos desde a reestruturação de sua dívida soberana nos anos de 2005 e 2010, chegando a um acordo com mais de 92% dos credores.
No entanto, a Corte Suprema dos Estados Unidos decidiu não reverter a decisão do juiz de Nova York Thomas Griesa, situação que obriga à República Argentina a cancelar a totalidade do que lhes é demandado pelos fundos abutres, ao mesmo tempo que paga aos detentores de bonos que ingressaram no câmbio da dívida externa.
Essa decisão da justiça norte-americana põe em risco, não só a resolução cooperativa de crises de dívida soberana dos Estados, senão que condiciona severamente a estabilidade e o desenvolvimento social e econômico da República Argentina.
Neste sentido, o Parlamentar brasileiro Roberto Requião iniciou seu discurso se perguntando, “que vale mais? os fundos abutres ou a soberania de uma nação?”. Com essa pergunta, Requião fez um relatório da história das pressões e as atividades dos fundos especulativos na região nos últimos 15 anos.
Roberto Requião |
Segundo o parlamentar, “a porcentagem de 0,45% credores são fundos abutres, e são estritamente bilionários que iniciam esta guerra contra a Argentina”.
Requião recordou que o ex-presidente Néstor Kirchner, não tomou as recomendações do FMI que sempre beneficiam aos especuladores. Preferiu o caminho de refinanciar a dívida.
O parlamentar assinalou o amplo apoio que recebeu por parte dos organismos internacionais como são OEA; CELA; CEPAL; BANCO DO SUL; MERCOSUL; UNASUL; PARLAMENTO ANDINO e o PARLAMENTO Do MERCOSUL. Requião finalizou dizendo, “Somos todos argentinos nestes momentos, defender a Argentina é defender a todos nós”.
Alberto Couriel |
Em seu turno, o parlamentar uruguaio Alberto Couriel disse que “a situação que vive hoje a Argentina pode ser vivida amanhã por qualquer outro país da região ou do mundo, por isso consideramos indispensável dar nosso apoio à Argentina”.
Couriel prossegue dizendo que “nós estamos denunciando faz tempo o capitalismo financeiro, onde o financeiro predomina sobre o produtivo, onde os credores financeiros pressionam pessoas e nações para conseguir benefícios, devemos defender a Argentina porque é nos defendermos a nós mesmos”.
“A unidade latino-americana é fundamental na hora de enfrentar estes credores especulativos”, sentenciou Couriel.
Saúl Ortega |
Saúl Ortega, parlamentar da Venezuela, indicou que “estamos em presença daquilo que mostra que a justiça norte-americana não é justa e livre e estamos frente a um ato de imoralidade. Por trás desta ação, se ocultam interesses de gerar situações de instabilidade social e econômica na Argentina, essa é a ingerência que os EUA aplicam na região. Por isto é que expressamos nosso apoio ao povo e ao governo argentino”.
Adolfo Mendonza |
O parlamentar Adolfo Mendoza, da Bolívia, expressou que “por trás desta situação que está passando na Argentina, é um vil e canalha saqueio, isso é o que há por trás dos fundos abutres. Devemos construir a agenda da pátria grande, com pactos que nos permitam avançar em eixos comuns em termos da defesa de nossas políticas econômicas, sociais e de segurança regional”.
“Neste sentido, nossa solidariedade com o povo argentino frente a este descaro”, pronunciou Mendoza.
Por sua parte, o parlamentar argentino Guillermo Carmona, um dos impulsores da proposta de Declaração, expressou que a “Argentina tem expressado em palavras da própria presidenta a firme vontade de cumprir com suas obrigações frente a seus credores sempre que não seja afetada severamente a estabilidade e o desenvolvimento social e econômico” Carmona finalizou sua exposição dizendo que “desde a Delegação Argentina destacamos e agradecemos a solidariedade de todas as delegações que estão representadas no Parlamento do MERCOSUL, que demonstra não somente a preocupação por um tema que afeta toda nossa região senão também uma inusitada e cada vez mais firme irmandade com o povo e o governo argentino em uma situação tão delicada como esta”.
Finalmente, o Secretário de Relações Econômicas Internacionais do Ministério de Relações Exteriores e Culto da Argentina, Embaixador Carlos Bianco, agradeceu ao Parlamento do MERCOSUL pelo apoio ao povo e o governo argentino.
Logo das exposições dos parlamentares, o Parlamento do MERCOSUL aprovou por unanimidade o apoio a República Argentina. No texto da declaração, o Parlamento do MERCOSUL expressa “Sua solidariedade com o povo e governo da República Argentina e seu apoio à consecução de uma solução que não comprometa o amplo processo de reestruturação da sua dívida soberana, rejeitando o comportamento de agentes especulativos que põem em risco os acordos alcançados entre devedores e credores, afetando a estabilidade financeira global”.
Ademais, se recomenda ao Conselho do Mercado Comum (CMC) que “aprove a Declaração adotada no âmbito do Parlamento do MERCOSUL (PARLASUL) e que inste às Presidentas e Presidentes dos Estados Partes do Mercosul a liderar o processo de discussão das dívidas externas soberanas nas esferas competentes a nível mundial”, finaliza a Declaração.
Fonte: Diálogos do Sul
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Evo Morales descarta debate com políticos neoliberais
7 de Julho de 2014, 11:27 - sem comentários aindaO presidente da Bolívia, Evo Morales, descartou neste domingo (6) qualquer possibilidade de debater programas governamentais com políticos que privatizaram no passado os recursos naturais e as empresas estratégicas do Estado.
Morales questionou a autoridade e moral dos políticos que o convocaram o debate, porque entregaram as empresas do Estado quando eram autoridades em períodos neoliberais.
"Que autoridade, que moral têm para debater comigo? Eles privatizaram e deram de presente as empresas do Estado e recursos naturais às multinacionais. Que debatam com sua avó e com os que escaparam para fora da Bolívia, eu não tenho nada que debater com estes senhores", remarcou.
As declarações de Morales no departamento de Santa Cruz foram emitidas em alusão ao pedido de um debate com o líder indígena por parte do empresário e candidato presidencial Samuel Doria.
Recordou que devido à privatização do gás natural em períodos neoliberais, o Estado boliviano recebia em 2005 apenas 300 milhões de dólares de renda petroleira.
Agora, graças à nacionalização dos hidrocarbonetos, em maio de 2006, a Bolívia se beneficiará neste ano com 6 bilhões de dólares de renda petroleira.
"Esse modelo chamado neoliberal, com esse modelo quanto temos perdido, com as privatizações quanto nos roubaram e agora ainda se atrevem a dizer vou debater", questionou.
Morales sublinhou que o debate deve ser instalado com os movimentos sociais, cuja luta preservou os recursos do país e impulsionou a nacionalização dos hidrocarbonetos.
Fonte: Prensa Latina, Vermelho
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Dez anos de cotas na universidade: o que mudou?
1 de Julho de 2014, 13:42 - sem comentários aindaPor Igor Carvalho
Em 1997, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros, entre 18 e 24 anos cursavam ou tinham concluído um curso de graduação no Brasil. O baixo índice indicava que algo precisava ser feito. "Pessoas estavam impedidas de estudar em nosso país por sua cor de pele ou condição social. Se fazia necessário, na época, uma medida que pudesse abrir caminho para a inclusão de negros e pobres nas universidades”, lembra a pesquisadora e doutora em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Teresa Olinda Caminha Bezerra.
A solução encontrada para que se diminuísse o déficit histórico de presença de negros e pobres nas universidades brasileiras foi a adoção de ações afirmativas por meio de reservas de vagas, que ficaram conhecidas como cotas. Porém, por todo o país, houve resistências à sua implementação.
Em 2003, a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul começou a usar fotos enviadas por estudantes para decidir quais poderiam ter acesso às vagas, que foram determinadas por uma lei aprovada pela assembleia legislativa daquele estado. O "fenótipo” exigido era composto por "lábios grossos, nariz chato e cabelo pixaim”. A ação gerou protestos de movimentos negros. Ainda na Uems, em 2004, o professor de Física Adriano Manoel dos Santos se tornou réu em um processo na Justiça do estado por racismo. Ele teria dito, na sala de aula, que a universidade deveria "nivelar por cima, e não por baixo” o ensino, fazendo alusão aos cotistas presentes na sala, entre eles o estudante Carlos Lopes dos Santos, responsável pela ação judicial.
No Rio de Janeiro, em 2004, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciou que rejeitaria uma possível política de cotas. O conselho de ensino da instituição, formado por professores, alunos e funcionários rejeitou a ação afirmativa. E o Ministério Público Federal (MPF) do Paraná entrou, em 2004, com um recurso na Justiça pedindo que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) não adotasse o sistema de cotas em seu vestibular. O Judiciário paranaense freou a prática entendendo que a reserva de cotas afrontava "o princípio constitucional de isonomia e reforça práticas sociais discriminatórias.”
Já em 2012, quando a Universidade de Brasília (UnB) já havia completado oito anos de distribuição de vagas pelo sistema de cotas, o Partido Democratas (DEM) entrou com recurso no Superior Tribunal Federal contra a medida, alegando, inclusive "racismo”.
Mas a resistência às cotas não se dava somente no âmbito de conselhos das instituições ou do Judiciário, e muitas vezes se dava por meio de atitudes racistas. Durante um torneio esportivo envolvendo faculdades de Direito, em 2005, torcidas adversárias se referiam à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) como "Congo”, por sua diversidade racial. A alcunha foi adotada pelos alunos da instituição carioca, e até hoje o país africano é símbolo de suas equipes.
Após algumas universidades estaduais e federais aderirem a sistemas de cotas, os números apresentados no começo da matéria começaram a apresentar melhoras. Subiu de 2,2% para 11% a porcentagem de pardos que cursam ou concluíram um curso superior no Brasil; e de 1,8% para 8,8% de negros. Os números são do Ministério da Educação (MEC), em levantamento de 2013. Parte dos movimentos negros questiona os números, considerados "tímidos”. "Não podemos nos conformar com esses dados, são baixos ainda. Há avanços, mas estão muito longe de significar os resultados que buscamos”, afirma Douglas Belchior, do conselho geral da UneAfro e da Frente Pró Cotas Raciais.
Uerj, o motor propulsor
Em 2013, foram completados 10 anos da primeira experiência brasileira com cotas. A Uerj autorizou, no vestibular de 2002, que Pretos, Pardos e Indígenas (PPI) autodeclarados solicitassem suas vagas por meio do sistema e a distribuição das matrículas ficou assim: 20% para negros, 20% para alunos de escola pública e 5% para portadores de necessidades especiais. Em 2007, o governador Sérgio Cabral determinou que no percentual de 5% deveriam ser inseridos os filhos de policiais, bombeiros e agentes penitenciários mortos.
De 2003 a 2012, já ingressaram na Uerj, pelo sistema de cotas, 8.759 estudantes. Destes, 4.146 são negros autodeclarados, outros 4.484 usaram o critério de renda, enquanto 129 pelo percentual de portadores de deficiência, índios. "O desempenho da UERJ é excelente. Os cotistas derrubaram o mito de que o nível cairia nos cursos, o desempenho deles é ótimo”, elogia Teresa Olinda Caminha Bezerra, que produziu, em parceria com o professor de Administração Pública, também da UFF, Cláudio Gurgel, o artigo "A política pública de cotas nas universidades, desempenho acadêmico e inclusão social”, de agosto de 2011.
Neste estudo, Teresa e Gurgel ajudam a derrubar um dos mitos do discurso anti-cotas. Dos 32 cursos oferecidos pela UERJ, seis são analisados no artigo, todos da turma ingressante no ano de 2006, e apontam para uma equivalência de notas no desempenho entre cotistas e não-cotistas, que contrapõe os valores alcançados no vestibular. No curso de Administração, os cotistas tiveram uma média de 30,48 pontos no vestibular, contra 56,02 dos não cotistas, quase o dobro de diferença. Porém, o desempenho durante o curso mostra um crescimento no rendimento dos cotistas, que chegam à média de 8,077 contra 8,044 dos não cotistas.
A superação demonstrada pelos alunos cotistas é considerada "espetacular” por Teresa. "Eles rompem barreiras como preconceito e o histórico de ensino precário, mostrando que esse mito do ‘nível’ é apenas isso, um mito, sem qualquer base cientifica que se justifique.” Outro preceito desmentido no estudo é o da evasão (ver tabela abaixo), o que configuraria um "fracasso escolar”, nas palavras de Teresa e Gurgel. Nos seis cursos avaliados, a evasão de não cotistas é sempre maior.
Hoje, 10 anos depois da experiência da Uerj, 32 das 38 universidades estaduais já adotaram modelos de ações afirmativas. No princípio, leis estaduais obrigavam as instituições a oferecem cotas, caminho seguido por 16 delas. Porém, com o passar do tempo, a outra metade das adesões foi espontânea, se dando por meio de resoluções dos conselhos universitários.
Alckmin e as "ilhas do privilégio branco”
Entre as 32 instituições que tem ações afirmativas há uma divisão importante. Enquanto 30 delas se utilizam do modelo de cotas para a inclusão de negros, alunos de escolas públicas e portadores de deficiência, somente a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) optaram pelo sistema de bônus.
O formato é criticado por especialistas e movimentos sociais. "O bônus é horrível porque não reserva vagas, não estabelece uma condição para que o estudante negro possa acessá-las. As alternativas que foram colocadas, do College até a atual bonificação são ineficazes, elas não reconhecem o elemento racial como fundamental para a garantia do direito ao acesso às universidades”, explica Douglas Belchior.
"Os números que eles [USP e Unicamp] mostram são autoexplicativos, é uma política equivocada. Política pública tem que ser pragmática, se ela não produz resultado, não deu certo. O bônus você pode regular para fazer diferença, mas nessas universidades não querem que se faça a diferença”, afirma o cientista político do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (Gemaa) João Feres Júnior.
Na USP, a bonificação oferecida à alunos PPI é de apenas 5% na média. Porém, o estudante só terá acesso ao benefício se for aprovado na primeira fase do vestibular. O sistema funciona desde 2006, quando foi criado o Programa de Inclusão Social (Inclusp). Números divulgados pela USP mostram que desde 2006 o índice de ingressantes na universidade por meio do Inclusp variou entre 24% e 29%, sendo que o maior índice foi alcançado em 2009. Em 2012, último ano com dados compilados, o índice ficou em 28%.
Porém, a instituição paulista não desmembra os dados, impossibilitando que se saiba quantos negros e pardos conseguiram entrar na universidade. "A USP tenta mascarar os números, aliás os números falam o que você quiser. Os 28% apresentados pela USP são uma mentira apresentados assim. 28% quem? Quantos são negros? Em quais cursos eles ingressaram?”, pergunta Silvio de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama. Em matéria de junho de 2012, o jornal O Estado de S. Paulo revela que, em 2011, dos 26% de aprovados pelo Inclusp, apenas 2,8% eram negros e 10,6%, pardos, totalizando 1.409 alunos, entre os 90 mil da universidade.
Na Unicamp, o sistema de bonificação oferece 20 pontos ao candidato que se autodeclarar PPI e mais 60 para os que pedem acesso por ter baixa renda. Porém, a média de nota da universidade de Campinas é de 500 pontos, chegando a 700 pontos em cursos como o de Medicina. O resultado da política de inclusão da Unicamp é um índice baixo de negros, pardos ou índios que acessaram a universidade. Desde 2003, quando o modelo foi adotado, o percentual variou entre o mínimo de 10,7% no primeiro ano e o máximo de 16% em 2005. No ano de 2013, apenas 13,2% de PPIs entraram na Unicamp.
A culpa para o fraco desempenho é do governo paulista, para Douglas Belchior. "Em São Paulo, há um interesse político, que vem de cima, de manter a USP e a Unicamp como ilhas do privilégio branco. A tropa conservadora do [governador Geraldo] Alckmin tem maioria absoluta na Alesp, onde não se consegue instalar nem mesmo uma CPI sobre o cartel do Metrô, que é um escândalo absurdo. Nas universidades, os conselhos são dominados por educadores ligados ao PSDB e ao Alckmin.” A terceira estadual de São Paulo, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) reservou pela primeira vez, em dezembro de 2013, vagas para cotistas. Foram apenas 391 vagas para negros, pardos e indígenas, do total de 7.259 disponíveis.
A Frente Pró-Cotas Raciais, de São Paulo, iniciou uma campanha com o objetivo de conseguir 200 mil assinaturas para que um Projeto de Lei de iniciativa popular seja encaminhado e votado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). No documento, o movimento pede que o estado separe 25% das vagas disponíveis nas universidades.
Sudeste inclui menos
Geraldo Alckmin (PSDB), tentou, em 2013, aprovar o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (Pimesp), projeto que foi massacrado por parlamentares e ativistas, que o consideravam racista, sendo derrotado nos conselhos universitários. O Pimesp propunha que os alunos aprovados no vestibular, na modalidade cotas, passassem a integrar um colégio comunitário que teria o intuito de nivelar os alunos considerados, pelo estado, mais "fracos”. Eram os chamados "colleges”.
Segundo o estudo "As políticas de ação afirmativa nas universidades estaduais”, de novembro de 2013, do Gemaa, coordenado por João Feres Júnior, a inércia paulista coopera para que a região Sudeste (16,7%) seja a que menos inclui no país, contra 40,2% do Centro-Oeste, 32,6% do Nordeste, 29% do Sul e 26,6% do Norte. "São Paulo tem estaduais gigantes que não incluem. O Rio de Janeiro tem uma estadual eficiente e que é pioneira, mas é pequena. Minas Gerais tem um sistema "vagabundo”. Voltando para São Paulo, a USP não funciona, a Unicamp também e a Unesp nunca gerou vagas. O Alckmin nunca criou uma regulamentação decente. O Sudeste, mesmo nas federais, quando aprovada a lei (leia abaixo), foi muito resistente em aceitá-la”, afirma Feres Júnior.
Silvio de Almeida lamenta que Alckmin não siga o mesmo prumo da maioria das universidades estaduais do país. "Ao se colocar numa postura de resistências às políticas de inclusão, que já se provaram eficientes, o governo paulista se coloca de maneira totalmente contrária aos interesses de uma parcela significativa de São Paulo.”
Lei obriga adesão de política de cotas nas federais
No segundo semestre de 2004, a Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição de ensino superior federal a adotar o modelo de cotas raciais como política de ação afirmativa. À época, se reservou 20% das vagas para quem se autodeclarasse como PPI.
Somente em 2012 foi aprovada a Lei 12.711, determinando que as universidades federais devem destinar 50% de suas matrículas para estudantes autodeclarados negros, pardos, indígenas – conforme definições usadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE-, de baixa renda, com rendimentos igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita, e que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. O número de cotas para negros, pardos e indígenas é estipulado conforme a proporção dessa população em cada estado, segundo último Censo do IBGE, em 2010.
Dados apresentados pelo Gemma em seu estudo "O impacto da Lei 12.711 sobre as universidades federais”, de novembro de 2013, indica um crescimento no número de estudantes negros as universidades comandadas pela União. "Em 2003, pretos representavam 5,9% dos alunos e pardos 28,3%, em 2010 esses números aumentaram para 8,72% e 32,08%, respectivamente”, aponta o documento.
Antes da lei ser aprovada, 18 das 58 universidades federais do país ainda resistiam em aplicar alguma política de cotas ou bônus. Desde o vestibular de 2013, por força da legislação, todas as instituições já aderiram, ampliando o número disponível de vagas para cotistas de 140 mil para 188 mil. Silvio de Almeida, assim como a Frente Pró-Cotas Raciais, entende que a lei federal precisa ser revista, ampliando o número de vagas para cotistas. "Se vamos levar em consideração o percentual da população paulista de negros para estabelecer a quantidade de vagas, isso tem que ser feito em cima dos 100% das vagas, e não dos 50%, porque não seremos, no caso de São Paulo, 34,6% de negros na universidade, mas sim metade desse número. As demais vagas, continuarão nas mesmas mãos.”
O argumento é reforçado por Feres Junior, do Gemaa. "A Lei federal de cotas foi muito difícil de aprovar, acho que politicamente é difícil que os movimentos sociais consigam modificar esse percentual agora. Porém, eles tem razão, da forma como está, você tem um teto baixo. É claro que existem negros entrando pela ampla concorrência, mas ainda é um número tímido.”
Fonte: Adital
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