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3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.

Submissão ou conivência? O lugar da mídia no debate político

15 de Junho de 2015, 17:07, por Renata Mielli


Nos últimos anos, as consecutivas vitórias eleitorais de uma coalizão de centro-esquerda no país levou ao acirramento da disputa política nacional, com a elevação do tom oposicionista que parcela majoritária da mídia no Brasil assumiu diante do governo.

A cada derrota eleitoral e diante de uma direita desorganizada partidariamente, sem um centro político de liderança, a mídia assumiu o papel não de porta-voz dos setores conservadores e da elite econômica nacional, mas de organizadora e liderança da direita, pautando os temas em debate e indo além: editoriais de alguns jornais chegaram, ao longo deste período, a dar recados e passas-moleques em suas próprias lideranças.

Ao travar e fazer parte da disputa política assumindo a liderança de um campo, a mídia se uniformizou de maneira talvez nunca antes vista no Brasil. Um discurso único, com manchetes iguais para atingirem o mesmo objetivo: derrotar o governo.

A escalada oposicionista foi ganhando outras dimensões e alimentando setores reacionários da sociedade, que saíram do armário e estão na ofensiva política, colocando na ordem do dia temas de restrição de direitos humanos como a redução da maioridade penal, de criminalização do aborto, de maior controle da política pela esfera empresarial privada. Um discurso do ódio tem sido cotidianamente promovido, incentivado e potencializado pela mídia.

Pautas que procuram legitimar a homofobia, a xenofobia, o racismo, o machismo e tudo quanto é preconceito ganham cada vez mais espaço. A mídia tem assistido essa escalada como um efeito colateral, que até pode ser incômodo, mas de menor importância diante do seu objetivo central. Ou seja, tem sido conivente com esse discurso.

A expressão maior dessa agenda conservadora é Eduardo Cunha. Investido do poder de presidente da Câmara dos Deputados, Cunha tem misturado religião e política, rasgando o caráter laico do Estado, tal qual definido pela Constituição Federal de 1988, e vem liderando uma verdadeira cruzada religiosa em prol da família, da igreja e de Deus. Sobre isso, ler o excelente artigo do jornalista Renato Rovai (Não em nome de deus, porque em nome dele vale tudo). Talvez um dos pontos altos desse "parlamentarismo religioso" tenha sido a oração do Pai Nosso no plenário da Câmara dos Deputados. Fico imaginando o que aconteceria se algum parlamentar tentasse, ali, entoar um ponto de candomblé....

Neste sentido, o editorial do jornal Folha de S.Paulo deste domingo, 14/06, Submissão, não me surpreende e nem tampouco deve ser lido como uma mea-culpa do jornal.

Isso porque a imagem da Folha, desde a redemocratização, tem sido construída em cima da ideia de um jornal moderno e plural, que abraça os direitos humanos, mas sempre alinhado aos postulados neoliberais na economia, que têm como ícones o PSDB paulista. Ao contrário do Estadão, que tem tradição estritamente liberal, com viés conservador para todas as pautas ligadas aos direitos humanos, refratário à modernidade e defensor do liberalismo econômico clássico.

No último período, essa “diretriz politicamente correta" da Folha ficou secundarizada diante do vale tudo da disputa política para destruir o governo. O editorial em questão tenta reequilibrar essa equação.

Ainda assim, a restrição que a Folha faz ao presidente da Câmara não é pelas suas posições políticas, como fica claro no trecho: “Seria equivocado criticar seu presidente por ter finalmente posto em votação algo que se arrastava há anos nos labirintos da Casa, como a reforma política”. Apesar de criticar a monobra que ele realizou para votar o distritão.

Se Cunha descesse do altar religioso para atuar na Câmara apenas em defesa das posições políticas que contam com o apoio do jornal ele não seria “crucificado”. O perigo está na religião e não na política. Reconhecer isso é muito, mas não basta. 

Claro que em um momento delicado da atual situação política é importantíssimo somar forças aos que querem colocar freios à tentativa de corromper o caráter laico do Estado brasileiro, que querem impor à sociedade seus valores religiosos e que não estão em sintonia com o interesse público. 

O editorial da Folha conclui conclamando que não haja uma submissão diante desses valores: “os inquisidores da irmandade evangélica, os demagogos da bala e da tortura avançam sobre a ordem democrática e sobre a cultura liberal do Estado; que, diante deles, não prevaleça a submissão”.

Apesar do posicionamento da Folha ser importante, vale dizer que na verdade, o que não pode prevalecer é a conivência. Porque ao obstruir um debate amplo e plural sobre os vários temas, a mídia na verdade torna-se conivente com a prática que tem sido adotada por Cunha. Mesmo a Folha, para não dar espaço e voz aos movimentos sociais e às lideranças políticas da esquerda que ela luta para enterrar, também torna-se conivente com o retrocesso imposto por Cunha. 

Então, o que precisa se combater é exatamente a conivência. Esperamos que a Folha, a partir do seu editorial, além de não se submeter, deixe de ser conivente com este processo.






















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Galeano o escultor de palavras e sonhos

13 de Abril de 2015, 13:22, por Desconhecido

Se fué. E diante da triste notícia de sua partida as palavras se perdem. Elas que foram esculpidas precisamente pela sua geniosidade. E eu penso na América Latina. Sim, ficamos um pouco órfãos hoje, porque você sempre estava ai para nos lembrar que somos todos irmãos, pertencemos ao mesmo chão, podemos ter línguas e sotaques diferentes, mas somos todos latino-americanos. Nossas veias continuam abertas, e neste dia choram a sua ausência.

Olho para trás, e vejo você em tantos momentos. Suas palavras andantes, os seus abraços, os seus espelhos que refletiam a história sob o olhar de quem não se contenta em ser espectador. Penso nas pessoas, nos ninguéns, os heróis e heroínas desta grande pátria que foram salvos do esquecimento graças aos seus livros. As pequenas histórias que retratam a resistência de um povo para sobreviver. Brava gente!

Queria poder dizer obrigada! Você foi essencial, indispensável. Sem você não teria conhecido lendas, tradições, histórias dessa terra, dos nossos povos originários, a luta pela sobrevivência. Sem você não saberia que placas pelo mundo proibem as pessoas de cantar e brincar. O que mostra que ainda tem gente que brinca e canta. É, o mundo está mesmo ao avesso!

Tudo está de pernas para o ar! Mas nosso desassossego é um combustível potente. Assim como foi o seu. E como nos ensinaste, temos que seguir em direção ao horizonte, olhos no futuro. As transformações são feitas pelas nossas andanças. E caminharemos, mesmo que percalços tornem os caminhos mais longos e ásperos. Porque a nossa utopia é uma esperança.

Você partiu, mas nos deixou tanto! E quantos de nós ainda buscarão inspiração nas suas memórias. Quantos seremos incendiados pela sua chama! De repente, não estou mais triste. Percebo que seu fogo continua aceso.

Como você mesmo disse: “Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros inceideiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chega perto pega fogo”.

Galeano, mesmo apagado, seu fogo queima forte.




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Congresso uruguaio aprova Lei de Meios

23 de Dezembro de 2014, 12:20, por Desconhecido

Bancada da Frente Ampla. Fonte: La Diaria
Depois de um ano e meio de discussões, nesta segunda-feira, (22/12) a Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. Com o voto dos representantes da Frente Ampla, a lei será regulamentada pelo governo do presidente Tabaré Vázquez.

A nova lei prevê, entre vários outros pontos, a proibição do monopólio na radiodifusão, definindo que cada empresa pode ter, no máximo, seis concessões para prestar serviços de televisão. No caso de empresas que possuam concessões na cidade de Montevideo, este número se reduz para três. O intuito da Lei é evitar a concentração econômica e, também, permitir mais pluralidade e diversidade, para fortalecer a democracia no país.

Sobre o monopólio e as ameaças estrangeiras de controlar a radiodifusão no Uruguai, o presidente Pepe Mujica declarou na última semana "A pior ameaça que podemos ter é a vinda de alguém de fora, ou por baixo, ou por cima, e termine se apropriando... Para ser mais claro: eu não quero o Clarín ou a Globo sejam donas das comunicações no Uruguai".

A oposição, que representa os interesses dos conglomerados de radiodifusão, adotam o discurso dos atuais proprietários das concessões atacando a nova lei. O argumento é o mesmo utilizado em outros países: o de que a regulação é uma afronta a liberdade de expressão. O debate, realizado no parlamento Uruguaio foi tenso.

O deputado Carlos Varela defendeu a regulação e afirmou que com a nova lei, haverá transparência e participação social na discussão das concessões. "Neste se outorgavam meio de comunicação sem transparência, se convocavam jornalistas paa questionar as notícias”, afirmou Varela referindo-se à prática corrente promovida pela direita uruguaia. E durante os debates realizados durante a sessão que aprovou a lei lembrou que todas as convenções internacionais de direitos humanos colocam a regulação da comunicação como um dos indicadores de democracia nos países. E disse: “o controle remoto por si só não da liberdade se do outro lado não houver pluralidade”

Outros pontos que estão previstos na lei são a limitação de publicidade, definição da faixa horária diária entre 6 e 22 horas para a proteção da infância e adolescência, cota de 60% de conteúdo nacional a ser veiculado por todas as emissoras, cria um Conselho de Comunicação Audiovisual e um sistema de meios públicos para garantir a pluralidade.

Um aspecto que suscitou muita polêmica foi a criação do horário eleitoral gratuito, inexistente no Uruguai. Para veicular propaganda no rádio e na TV é preciso comprar o horário comercial. Isso, de acordo com os deputados da Frente Ampla é uma distorção, já que os partidos que não possuem recursos não têm como levar suas mensagens para a população.

Leia também: entrevista com Gabriel Mazzarovich, membro da Frente pela Democratização da Comunicação no Uruguai.




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O fantasma da censura e o exército dos zumbis da mídia

6 de Dezembro de 2014, 14:21, por Desconhecido

Ressuscitar fantasmas e transformá-los em zumbis a atazanar a vida das pessoas é um recurso bastante utilizado em Holywood e tem sido muito adotado, também, pelos donos dos meios de comunicação privados no Brasil e em outros países. Neste caso, o fantasma da censura é evocado para criar pânico na sociedade e colocar todos contra qualquer proposta de regulação dos meios de comunicação.

Pelo roteiro dos barões da mídia, a ideia de regulação parte de grupos que querem controlar os meios de comunicação. Aliás, como se isso já não fosse prática comum no Brasil, afinal nossos meios de comunicação são altamente controlados por um número restrito de famílias, ligadas a poderosos interesses econômicos.

A narrativa empregada pela mídia tenta transformar regulação e censura em sinônimos, com o explícito objetivo de impedir que se debata o assunto para não correr riscos de que este monopólio privado – que detém atualmente o poder de estabelecer o que deve ou não ser cultura, notícia e entretenimento – seja desfeito ou ameaçado.

Para tentar contornar esse discurso, alguém teve uma ideia brilhante: vamos acrescentar um adjetivo para qualificar o tipo de regulação que está se propondo e, assim, tentar afastar o fantasma da censura. Surgiu, então, a proposta da regulação econômica dos meios de comunicação. Bravo.

Sem dúvida que os aspectos econômicos talvez estejam entre os mais relevantes a serem enfrentados no campo da comunicação: combate ao monopólio privado definindo regras explicitas para a presença das empresas na prestação dos vários serviços de comunicação, o que implica limitar o número de concessões por grupo econômico; impedir a propriedade cruzada, para que um mesmo grupo não domine toda a comunicação num mesmo local; dividir a ocupação do espectro entre os setores público, privado e estatal; discutir a distribuição de recursos públicos para a promoção da diversidade, etc, etc.

Se for isso, todo apoio à regulação econômica! Mas é preciso ter bastante claro que a saída adjetivada não vai minimizar o enfrentamento que precisará ser travado para que esta discussão ocorra. A mídia vai taxar a regulação econômica de censura de qualquer jeito, mesmo que ela não trate, diretamente, dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação.

Porque o que esses barões midiáticos mais temem, no fundo, é exatamente a regulação econômica. Temem perder poder econômico, temem perder o domínio do mercado das ideias, da cultura e da notícia. Temem perder seus impérios noticiosos e, com isso, reduzir os lucros auferidos com o cartel da publicidade e com as cifras milionárias de dinheiro público proveniente da publicidade oficial, que irrigam suas fortunas. Tudo isso precisa urgentemente ser enfrentado, seja com que adjetivo for.

Mas o debate em torno da comunicação não pode parar ai. A sociedade brasileira não pode se deixar levar pela falsa ideia de que regular conteúdo é censura. Isso é grave e é um atentado a democracia, feito em nome de interesses muito particulares.

Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Portugal, enfim, muitos países que não podem de maneira nenhuma serem classificados como autoritários ou onde não haja liberdade de expressão possuem mecanismos de regulação de conteúdo – para proteger a infância e adolescência de conteúdos impróprios, para impedir a discriminação e o discurso do ódio, para evitar abusos econômicos na área da publicidade, para garantir conteúdos independentes, nacionais e regionais. Em alguns lugares, há sanções e penalidades previstas pós veiculação, quando configurado abuso e irregularidade.

Vale ressaltar que na Constituição brasileira também estão previstos mecanismos de regulação de conteúdo, nos casos citados e inclusive a indicação do direito de resposta, dispositivo que protege a sociedade das já correqueiras calúnias, injúrias e difamações cometidas pela grande mídia, através de escândalos e sensacionalismos que destroem reputações sem que haja qualquer possibilidade do ofendido se defender das acusações feitas, na maior parte das vezes sem qualquer prova.

Lutar para que o Brasil discuta e estabeleça um marco legal para o setor da comunicação é mais do que urgente, porque sem isso estamos diante de sérias ameaças à democracia. Deixemos os fantasmas devidamente enterrados. Não podemos ser capturados por discursos que nos transformam em zumbis da mídia e escravos de interesses que nos tiram o senso crítico e a autonomia.


Façamos a regulação econômica dos meios de comunicação, mas não podemos jamais sermos envolvidos pelo discurso de que regular conteúdo é obstruir a liberdade de expressão. Esse discurso alimenta ações como a que a Abert move contra a vinculação horária da classificação indicativa – mecanismo fundamental de proteção da infância –, ou as iniciativas para impedir a aprovação do direito de resposta, ações contra políticas de regulação positiva de conteúdo como a definição de espaço para a veiculação de produção nacional, independente e regional. Todos instrumentos que promovem diversidade e pluralidade, permitindo que mais falem e que assim possam ser ouvidos e vistos.
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Uruguai: Democratizar a comunicação é estratégia de poder

2 de Dezembro de 2014, 17:38, por Desconhecido

Lei de Serviços Audiovisuais é o primeiro desafio de Tabaré
Aprovar a lei de serviços audiovisuais ainda em 2014 é um compromisso da Frente Ampla, que tem o apoio de Tabaré Vázquez, eleito para presidir o país até 2020. Para Gabriel Mazzarovich, um dos integrantes da Coalizão por uma Comunicação Democrática, é preciso mobilizar a sociedade para garantir a aprovação da lei.

Por Renata Mielli, para o ComunicaSul

No dia 30 de novembro, a Frente Ampla elegeu Tabaré Vázquez para comandar o Uruguai até 2020. O resultado das urnas mostrou que as políticas de desenvolvimento local e de ampliação de direitos trabalhistas e sociais desenvolvidas nos últimos 10 anos (primeiro com Tabaré e depois com Pepe Mujica) foram aprovadas pelos uruguaios. E a agenda política que saiu vitoriosa das urnas sinaliza para a ampliação de direitos e adoção de políticas para aprofundar ainda mais a democracia. Nesse contexto, uma das primeiras e mais polêmicas agendas a serem enfrentadas, ainda neste ano, é a discussão no Senado da Lei de Serviços Audiovisuais.

Pouco antes do primeiro turno da eleição, estive no Uruguai e entrevistei o jornalista Gabriel Mazzarovich sobre as dificuldades em se fazer avançar a agenda da democratização da comunicação no Uruguai. As similaridades com os problemas que enfrentamos no Brasil são muitas. Inclusive no discurso blocado dos “barões da mídia uruguaia”, que como nos disse Mazzarovich é a de que “a melhor lei de meios é a que não existe”. 

Por isso, assim que perceberam a franca maioria da Frente Ampla no parlamento e o favoritismo de Vázquez, os empresários dos meios de comunicação no Uruguai rapidamente se mobilizaram para manifestar seu repúdio ao projeto de lei construído pela Frente Ampla com apoio das entidades que participam da Coalização por uma Comunicação Democrática. O Diário El País estampou manchete nesta segunda-feira(01/12) destacando a posição da Associação Nacional dos Radiodifusores Uruguaios que taxa a proposta em tramitação no Senado de autoritária. “Em regimes autoritários da história do homem, como os fascistas, os mussolinistas e os stalinistas, ou em Cuba que não há liberdade para nada, ou na Venezuela onde estão fechando os veículos, há leis desse tipo”, afirmou o presidente da Andebu, Pedro Abuchalja. A reação é claramente uma tentativa de obstruir o debate, que contou com o apoio explícito do presidente eleito.

Se há uma clara semelhança entre a postura dos donos da mídia lá e aqui no Brasil, uma diferença entre a situação brasileira e a uruguaia nesta pauta é gritante e nos coloca, brasileiros, em grande desvantagem: no Uruguai há um projeto de lei tramitando no Congresso, já aprovado pelos deputados e aguardando votação no Senado, onde a Frente Ampla tem maioria para aprovar a proposta que conta com o apoio do atual presidente e do presidente eleito. Leia mais sobre o apoio de Vásquez ao projeto aqui.

Mas, apesar do compromisso em votar o projeto ainda este ano, a luta política em torno da democratização da comunicação no Uruguai ainda tem um vasto caminho que passa, necessariamente, como alertou Gabriel Mazzarovich pela mobilização da sociedade em torno desta pauta, que é estratégica para qualquer projeto de poder.

ComunicaSul: Como está atualmente o debate sobre a comunicação no Uruguai?
Gabriel Mazzarovich
Gabriel Mazzarovich: No Uruguai, assim como no mundo inteiro, o tema dos meios de comunicação para a esquerda e para o movimento popular é um tema que apenas recentemente vem sendo tratado como um problema estratégico. Muitos dos nossos companheiros dizem que há governos que governam bem, mas que têm problemas de comunicação. Nós dizermos que se a esquerda tem problema de comunicação, então governa mal. Comunicar é parte de governar e é parte de fazer política, sempre foi, mas nesta sociedade é muito mais. A democratização da sociedade é estratégia de poder e para fazer o debate da democratização da comunicação é preciso discutir poder. Há setores da esquerda e do movimento popular uruguaio que sequer o reivindicam, que a sua perspectiva estratégica é um programa de governo de cinco anos. Mas a nossa perspectiva estratégica é a revolução, portanto é uma perspectiva estratégica histórica e que necessita da democratização dos meios de comunicação, porque eles são um ponto central do poder. Não há democratização da sociedade possível e nem qualquer projeto de esquerda que implique na ampliação dos direitos sem a democratização dos meios de comunicação.

ComunicaSul: E como este debate está organizado na sociedade uruguaia?
Gabriel Mazzarovich: Temos no Uruguai a Coalização por uma Comunicação Democrática, um espaço muito amplo que integra o movimento sindical, as faculdades de comunicação, sindicatos de jornalistas, mas que tem tratado do assunto como um tema de lobby, realizando grandes seminários. Isso é muito importantes, mas nós estamos convencidos de que se não colocarmos milhares de pessoas nas ruas para lutar por esta pauta não teremos êxito. Porque os grandes meios de comunicação são os reis do lobby, eles o inventaram. Por isso temos que ter milhares de pessoas nas ruas.

ComunicaSul: E nos dez anos de governo da FA não houve avanços na pauta da Comunicação?
Gabriel Mazzarovich: O que mudou nos últimos anos. Nós, no Uruguai, temos um sistema de meios de comunicação parecido com o de outros países da América Latina, e que pode ser definido por quatro palavras: privado, comercial, concentrado e estrangeirizado. É uma merda. Um desserviço para a democracia uruguaia. No Uruguai vivemos num país capitalista, a propriedade capitalista está garantida pela Constituição, e existe propriedade capitalista em todos os setores da economia, menos na Comunicação. Na Comunicação a propriedade é feudal. As concessões de radiodifusão existentes foram outorgadas sem nenhum tipo de concurso e não têm fim, não têm prazo para acabar; 60% das concessões de rádio que existem no Uruguai foram outorgadas pela ditadura e ainda seguem vigentes. A direita segue sempre com o mesmo discurso que a melhor lei de meios é a que não existe. É mentira. No Uruguai existe uma lei de meios, é o único setor do Uruguai que continua sendo orientado por uma lei da ditadura.  Mesmo com a recuperação democrática e 10 anos de governo de esquerda não conseguimos revogá-la. Não conseguimos mudar essa maldita lei da ditadura. Mas ainda assim, no governo da FA foram feitas várias coisas.  A primeira foi a lei das radiocomunitárias, que é um avanço histórico para o Uruguai no qual o Estado deixou de ser repressivo e passou a ser um Estado com ambição de inclusão. A lei estabelece pela primeira vez nas leis uruguaias três espaços para os meios de comunicação: o espaço privado, o espaço comunitário e o espaço público e estabelece que estes espaços devam ser equivalentes. Isso foi fundamental porque aqui se criou o antecedente para todo o resto. Hoje, 95% das rádios são privadas e 80% dos canais também. Todas as novas frequências estão sendo alocadas para as rádios comunitárias e para aumentar a presença das rádios públicas. Falta muito, mas efetivamente criamos este espaço. O governo da Frente Ampla estabeleceu por decreto presidencial -- por isso é tão importante a lei de serviços audiovisuais, já que decreto pode ser mudado por outro presidente – que é obrigatório haver licitação e audiências públicas para destinar as novas frequências e ainda proíbe a entrega de frequências radioelétricas um ano antes das eleições e seis meses depois de assumir o mandato. Porque é neste período que elas são repartidas para favorecer a cobertura da campanha e para dar os serviços aos candidatos e a FA é a única força política que não fez isso. Outro tema principal é o decreto da TV Digital, que definiu a distribuição das novas frequências da TV Digital a partir de um concurso público, que teve os seus problemas, mas que foi um concurso público, com audiência pública, os pleiteantes tiveram que apresentar um projeto de comunicação, foram julgados, e as concessões têm prazo para terminar (25 anos). Além disso, a cada 5 anos as emissoras serão submetidas a uma avaliação e se não cumpriram com seus planos de investimento e programação podem ter suas outorgas canceladas. Mas, mesmo com essas medidas, nós reiteramos que precisamos de uma nova lei de serviços audiovisuais porque ela é um instrumento legal e tem um peso que não têm os decretos.

ComunicaSul: E o que propõe a Lei de Serviços Audiovisuais?
Gabriel Mazzarovich: A lei de serviços audiovisuais é muito mais ampla. Ela outorga pela primeira vez direitos à audiência, cria-se a figura do defensor da audiência, estabelece a participação dos trabalhadores no acompanhamento da lei, estabelece que as emissoras devam respeitar os direitos trabalhistas e a liberdade sindical. Pela lei fica obrigada a reserva de uma porcentagem da programação para exibição de conteúdo nacional, estabelece critérios de como se devem dar as notícias de violência para proteger os direitos das crianças e adolescentes, estabelece prazos para a vigência das outorgas e estabeleces a divisão do espectro em terços: 1/3 privado; 1/3 comunitária e 1/3 pública. E mais, se não for possível ocupar o espectro reservado para o campo comunitário e público, porque não existiram propostas, esses espaços não podem ser oferecidos aos meios privados, eles se mantêm em reserva até que se tenha uma proposta comunitária e pública. O privado fica limitado a 1/3 do espectro. Este é o projeto de lei que o parlamento está discutindo, que já tem a aprovação dos deputados e agora resta ser aprovado pelo Senado.

ComunicaSul: E como é o cenário das Telecomunicações? O serviço no Uruguai é público certo?
Gabriel Mazzarovich: Sim. Nós temos uma coisa distintiva no Uruguai. Ainda durante a ditadura se criou Antel como ente das telecomunicações. Porque os milicos já tinham claríssimo, eles sim tinham estratégia de poder. Nós mantemos com vocês (privados) os meios de comunicação e cuidamos das telecomunicações, que são o futuro.  E é lindo nós termos uma empresa de telecomunicação estatal, estratégica, e que é central para qualquer projeto de desenvolvimento. Por isso, nós temos que defendê-la. A Argentina não tem, está inventando. Todas as empresas de telecomunicações na Argentina são privadas, todas. Inclusive a plataforma pela qual vai circular a muito boa lei de meios que eles têm é toda privada. Eles não têm nada público. Aqui é o contrário, tudo é público, e o setor privado terá a obrigação de pagar para as empresas públicas para utilizar a plataforma digital. E na nossa proposta de lei agregamos uma coisa que é única no mundo, que se chama proibição cruzada. A lei tem um artigo que estabelece que as empresas que sejam concessionárias de ondas de televisão são proibidas de terem empresas telefônicas, e as empresas telefônicas são proibidas de terem concessão de radiodifusão. Por exemplo, no caso do Peru, a Movistar e Claro são donas de todas as televisões peruanas. Isso é o que se está passando no mundo. Por isso, o Uruguai enfrenta processos da Organização Mundial do Comércio e de outras cortes internacionais por violar a liberdade comercial, os tratados comerciais. Esse é o centro da disputa hoje, porque eles querem destroçar a Antel e dar mais poder a esta tropa. Então, essa é a lei pesada que estamos discutindo no parlamento hoje, mas que os deputados conseguiram aprová-la depois de um debate de dois anos. Foram feitas inúmeras modificações no projeto original de lei, algumas inclusive impulsionadas por nós, para aperfeiçoá-lo. Por exemplo, introduzimos a proposta de se criar um conselho independente que ficará encarregado de fazer a gestão de todos os temas relacionados ao assunto. No projeto original da FA não havia esse conselho. (Veja mais sobre as alterações aqui)

ComunicaSul: E qual a sua perspectiva para a aprovação do projeto de lei dos serviços audiovisuais?
Gabriel Mazzarovich: O compromisso de Mujica e Tabaré é de votar depois das eleições. Queríamos votar antes de outubro. Apresentamos o projeto dois anos antes das eleições para que fosse votado antes. Mas não conseguimos colocar a massa lutando por ele. Se conseguirmos aprová-lo será um passo histórico para o uruguaio. O debate sobre o conteúdo da lei de serviços audiovisuais avançou muito no governo da FA. Mas veja, tivemos experiências fundamentais neste último período. Aprovamos no Uruguai a lei de responsabilidade penal empresarial, que é uma lei pesada, dura, uma das mais importantes que foram votadas no Uruguai. Também a lei de negociação coletiva e a lei que anula a lei da impunidade. Estas talvez tenham sido as três leis mais pesadas votadas no Uruguai. Elas representam um passo contra-hegemônico dos trabalhadores e da esquerda e por isso sofreram tanta resistência dos empresários, como se fossem uma revolução. Porque foram aprovadas? Porque houve uma pressão gigantesca para serem aprovadas. A bancada da esquerda mudou cinco vezes o seu voto. Começamos perdendo de 15 a 1 e terminamos ganhando de 12 a 5. Saiu porque tivemos 350 mil assinaturas, porque tivemos mais de 35 mil trabalhadores nas ruas e mais de mil assembleias de trabalhadores. Outras leis importantes que podemos usar de exemplo são a lei do matrimônio igualitário e da regulação da maconha. Elas representaram uma ampliação de direitos enorme, em uma sociedade hipócrita como essa, com toda a Igreja Católica e Evangélica lutando contra as duas, com a esquerda na dúvida se apoiava ou não. Porque saiu? Porque existiu um movimento popular pujante e novo que foi às ruas com mais de 30 mil pessoas defendendo essas bandeiras. O que aconteceu com a lei de serviços audiovisuais. Teve um debate programático na Frente Ampla, tem fundamentos de sobra, todos os debates que fizemos nós ganhamos, todos. Então, porque os donos dos meios de comunicação conseguiram trancar essa discussão? Porque neste processo não conseguimos mobilizar nem 10 pessoas para defender essa lei aqui no Uruguai. O dia em que se discutiu esse tema no Congresso éramos 20 pessoas nas galerias. Então, o tema da correlação de forças e da base social que é necessária para essa lei se tornar realidade é central. Este é o problema que nós estamos enfrentando agora, criar uma base social que dê respaldo para a lei, criar uma onda para todo movimento popular uruguaio tomar isso como bandeira central.


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