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Luiz Muller Blog

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Sobre Desencontros, despedidas, a morte e o novo que ainda não veio (por Pablo Spinelli)

Ottobre 14, 2025 9:23 , by Luíz Müller Blog - | No one following this article yet.
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Desencontros e despedidas, por Pablo Spinelli

Frases viram clichês quando servem para explicar fenômenos e situações diversas com um grau de abuso que desloca as preocupações e contextos em que foram forjadas. Uma delas é do pensador e político Antonio Gramsci: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; nesse interregno, surge uma grande variedade de sintomas mórbidos.”¹

Mencionamos essa frase dentro de um contexto nada feliz, mas ao mesmo tempo natural e pertencente à vida: a passagem de uma geração para outra. Pode ser que a atmosfera claustrofóbica e suspensa da pandemia tenha acentuado o tom de obituário — ou que o autor destas linhas, pela idade, perceba o vagão da frente se esvaziar de suas referências intelectuais, artísticas, políticas e desportivas; talvez ambas as coisas.

Dentro da cultura cinematográfica há, hoje, vazios como o de David Lynch, um diretor de filmes que evocavam o sonho e o “estranho” para tratar de patologias do mundo contemporâneo. O seu primeiro sucesso comercial foi o Homem-Elefante (1980), que para além da dualidade entre a aparência e essência, nos brinda com um filme em preto e branco na década de Rambo e afins. A sua série Twin Peaks (1990 – 1991, com breve retorno em 2017) é referenciada em várias outras séries que vão de Breaking Bad (2008 – 2013) a Ozark (2017 – 2022) – dentro de uma pequena cidade há muitos fantasmas no armário acionados pelos interesses racionais ou não. Aliás, o tema central de Twin Peaks deveria ser melhor explorado por aqueles que tratam do tema da educação e psicologia, especialmente no mundo pós-pandêmico nas camadas subalternas.

Robert Redford e Sônia Braga, no lançamento de Rebelião em Milagro (1988).

Há poucas semanas tivemos a notícia do falecimento de Robert Redford (1936 – 2025), que, mesmo não sendo um excepcional ator, tinha um carisma, uma beleza e uma mente aberta para o cinema singulares. Sua parceira e amizade com Paul Newman (1925 – 2008) deram como legado um faroeste revisionista – Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969) – e um filme de um grande golpe que seria a inspiração para os “homens e segredos” que vieram décadas depois – Golpe de Mestre (1973). Robert Redford foi fundamental para a carreira de Sônia Braga em Hollywood, ao convidá-la para seu primeiro filme nos Estados Unidos, Rebelião em Milagro (1988). Sua atuação – e obstinação para que a obra acontecesse – em Todos os Homens do Presidente (1976) é exemplar quanto a dividir estrelato. Ele ocupa grandiosamente o papel do “segundo violino” e deixa a melodia principal (e crédito) para Dustin Hoffman (1937). E não menos importante: a fundação de um festival de cinema independente (Sundance – em homenagem ao seu personagem icônico Sundance Kid) de onde foram revelados os Irmãos Coen, Tarantino, Robert Rodriguez, Chloe Zhao e Steve Soderbergh.

E agora somos surpreendidos pela ausência da solar, sorridente e carismática Diane Keaton. Uma diretora falou que Keaton era capaz de dar 5 emoções diferentes no rosto em uma mesma tomada. Sem ela a vida pessoal e profissional de Woody Allen seria outra. As melhores comédias de Allen têm a sua presença, como em A última noite de Boris Grushenko (1975), filme que retrata toda a Rússia do XIX a partir das melhores obras de seus filhos mais famosos – Tolstói e Dostoievsky. Quando as até hoje não provadas acusações de Mia Farrow contra Allen surgiram nos anos 1990, quem lhe estendeu a mão foi Keaton, que fez Um misterioso assassinato em Manhattan (1993). Só com muito talento uma mulher consegue ter um destaque em um filme do universo masculino como O Poderoso Chefão (1972), quando só basta um olhar de tristeza e surpresa ao ver Michael Corleone ser o novo padrinho. O olhar de Keaton encerra o mais perfeito filme do cinema americano. E com muita coragem estrelou Reds (1981), um filme sobre comunistas americanos na efervescência dos neoconservadores anos Reagan.

Diane Keaton com Woody Allen em Manhattan (1979).

Voltemos à frase grasmsciana. O que vemos dessa geração que se vai é um grande legado e ao mesmo tempo um vazio pela falta de conexão de uma geração a outra. Filmes panfletários, esquematizados seja para o mercado, seja para o mundo identitário, abundam; e a força de nomes se esvai no espaço. Quem tem mais de 40 anos sabe que a Globo anunciava os seus filmes pelo nome dos atores ou diretores. Os blasés Zendaya e Timothée Chalameté são a referência?

E não mencionamos os nossos Sebastião Salgado, Veríssimo, Angela Ro Ro, Mino Carta, Hermeto Pascoal, Preta Gil…. Há lacunas nos mais variados espaços da cultura. E sem a cultura crítica e democrática não haverá a derrota do trumpismo e outros “ismos”. Não há espaço para se pensar em uma sociedade mais justa e com pluralismo democrático sem uma formação dialética das novas gerações dos instantâneos tiktoks ou de fórmulas dos animes. Um Festival do Rio esvaziado, sem jovens na plateia, sem escolas, é a demonstração da morte de algo e da ausência do novo.

¹ – A. Gramsci, Quaderni del Carcerevol. 1, Quaderni 1-5 (Turim: Giulio Einaudi editore, 1977), 311.

Pablo Spinelli é é doutorando em Ciência Política (UNIRIO), Mestre em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (UFRRJ) e Professor de História da redes pública (Saquarema/Petrópolis) e privada (Rio de Janeiro).

Reblogado de VotoPositivo do amigo Vagner Gomes


Source: https://luizmuller.com/2025/10/14/sobre-desencontros-despedidas-a-morte-e-o-novo-que-ainda-nao-veio-por-pablo-spinelli/

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