O ouro e a madeira. Ou a obra de um gênio esquecido
9 de Janeiro de 2018, 10:20
Não há na música popular brasileira nenhum autor de sambas tão melancólico e reflexivo quanto o baiano Ederaldo Gentil - suas canções expressam de maneira cristalina a pequenez do homem frente à engrenagem social e ao próprio mundo que habita.
O mais pobre dos plebeus
O alheio inquilino
O mais baixo pigmeu
O comum do singular
O último dos derradeiros
Viandante e peregrino
O mais manso dos cordeiros
Eu sou maior
Em lampejos de brandura
De angélica candura
Dos mistérios do amor
Sou bem maior
Que os pinheirais da humildade
Pelos campos da bondade
Eu sou a felicidade
Me bastava a fonte
Muito menos ser a rosa
Simplesmente o espinho
Porém o atalho
Muito menos ser a chuva
Apenas o orvalho
Não queria ser o dia
Só a alvorada
Muito menos ser o campo
Me bastava o grão
Porém o momento
Muito menos ser concerto
Apenas a canção
Madeira fica por cima
Ostra nasce do lodo
Gerando pérolas finas
Rato pra comer, rock pra viver, samba pra vender... sorrindo
8 de Janeiro de 2018, 10:14
Roberto Carlos pode ser o "rei", mas o gênio musical nascido em Cachoeiro de Itapemirim é Sérgio Sampaio, que morreu em 1994, aos 47 anos.
Um samba-enredo sobre um país de sonho
6 de Janeiro de 2018, 13:09
Carnaval chegando, as escolas de samba capricham nos ensaios.
Os sambas-enredo deste ano das escolas do Rio, como sempre, abordam uma miscelânea de temas, que vão desde Chacrinha à Rota da Seda, passando pelo Museu Nacional e Frankenstein.
Dos milhares de sambas-enredo compostos, porém, foram poucos os que sobreviveram na memória popular e são cantados em qualquer época de ano.
Um deles, se não o mais lembrado, é "Aquarela Brasileira", de Silas de Oliveira, levado originalmente ao desfile de 1964 pela Império Serrano - em 2004 ele foi novamente apresentado, pois a escola fez uma reedição do enredo.
O samba faz uma homenagem ao clássico "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso, uma das canções brasileiras mais tocadas em todo o mundo.
Silas faz uma viagem pelo Brasil, exaltando a cultura, arte e arquitetura das regiões geográficas e de seus Estados.
Vejam essa maravilha de cenário:
É um episódio relicário,
Que o artista, num sonho genial
Escolheu para este carnaval.
E o asfalto como passarela
Será a tela do Brasil em forma de aquarela.
Passeando pelas cercanias do Amazonas
Conheci vastos seringais.
No Pará, a ilha de Marajó
E a velha cabana do Timbó.
Caminhando ainda um pouco mais
Deparei com lindos coqueirais.
Estava no Ceará, terra de irapuã,
De Iracema e Tupã
Fiquei radiante de alegria
Quando cheguei na Bahia...
Bahia de Castro Alves, do acarajé,
Das noites de magia do Candomblé.
Depois de atravessar as matas do Ipu
Assisti em Pernambuco
A festa do frevo e do maracatu.
Brasília tem o seu destaque
Na arte, na beleza, arquitetura.
Feitiço de garoa pela serra!
São Paulo engrandece a nossa terra!
Do leste, por todo o Centro-Oeste,
Tudo é belo e tem lindo matiz.
No Rio dos sambas e batucadas,
Dos malandros e mulatas
De requebros febris.
Brasil, essas nossas verdes matas,
Cachoeiras e cascatas de colorido sutil
E este lindo céu azul de anil
Emoldura em aquarela o meu Brasil.
A casinha na Marambaia e os dois momentos do Brasil
3 de Janeiro de 2018, 10:25
O paulista Henrique Felipe da Costa, que ficou conhecido pelo apelido de Henricão, compôs dezenas de canções, mas é até hoje lembrado por duas delas, "Está Chegando a Hora", versão da mexicana "Cielito Lindo", e "Só Vendo que Beleza", mais conhecida por "Marambaia", em parceria com Rubens Campos.
Essa última, lançada por Carmen Costa, ganhou inúmeras regravações dos mais importantes artistas populares brasileiros. Fala sobre um local idílico, onde um casal vive uma vida de sonhos, embora frugal:
Eu tenho uma casinha lá na Marambaia
Fica na beira da praia, só vendo que beleza.
Tem uma trepadeira que na primavera
Fica toda florescida de brincos de princesa
Quando chega o verão eu sento na varanda,
Pego o meu violão e começo a tocar.
E o meu moreno que está sempre bem disposto
Senta ao meu lado e começa a cantar
Quando chega a tarde um bando de andorinhas
Voa em revoada fazendo verão
E lá na mata um sabiá gorjeia
Linda melodia pra alegrar meu coração
Às seis horas o sino da capela
Toca as badaladas da Ave Maria
A lua nasce por de trás da serra
Anunciando que acabou o dia.
Eu tenho uma casinha lá na Marambaia...
O sucesso de "Só Vendo Que Beleza" foi tanto que a Henricão e Rubens compuseram uma continuação, que foi praticamente ignorada.
Pudera, "Casinha da Marambaia" expõe a tragédia da separação do feliz casal retratado na primeira canção. A linda morada desmoronou, a trepadeira brinco-de-princesa secou, o sabiá foi embora, só restaram destroços do amor que existia entre os dois:
Nossa casinha lá da Marambaia
A mais bonita da praia se desmoronou
A trepadeira brinco-de-princesa
Ficou triste, amarela e depois secou
E a varanda vive em abandono
É um destroço sem dono numa solidão
Até você que parecia ser sincera
Sem motivo abandonou meu pobre coração
O sabiá também mudou seu ninho
Eu já não ouço mais sua canção
As andorinhas foram em revoadas
Quebraram-se as cordas do meu violão
E há quem diga que isso é desumano
Que eu não mereço tanta ingratidão
Quero que volte como antigamente
Para dar sossego ao meu coração
As duas músicas foram lançadas há mais de 70 anos, quase um século.
De certa forma, retratam o que houve no Brasil, que durante uma década foi como a casinha na Marambaia em seu esplendor, mas que depois acabou destroçada pela ação de forças deletérias.
Henricão morreu em 1984, ano em que o movimento pelas eleições diretas entusiasmava o Brasil, que já havia se cansado da ditadura militar.
O ministro do samba
18 de Dezembro de 2017, 9:44
O pior presidente da história não poderia ter assessores piores.
Seus ministros são de provocar engulhos. O da educação não sabe conjugar o verbo haver; o da Fazenda não entende patavina de macroeconomia; o da saúde acha que o país tem muitos hospitais - e por aí vai o despropósito.
Oscar da Penha (Salvador, 5 de agosto de 1924 — Salvador, 3 de janeiro de 1997), o Batatinha, um dos maiores compositores nacionais, embora não tenha conhecido este Brasil Novo, era um sujeito que se preocupava com a qualidade dos nossos homens públicos - se não todos, pelo menos daquele que viesse a ocupar o ministério que julgava o mais importante - o do samba.
E para titular, a escolha de Batatinha foi certeira: Paulo César Batista Faria, o Paulinho da Viola, um artista popular irrepreensível, síntese das virtudes que fazem do samba, mais que um gênero musical, o maior fator de união deste imenso país.
"Ministro do Samba" está entre as melhores obras de Batatinha. Além de uma homenagem que um grande artista presta a outro, faz a gente pensar: como é que o Brasil, com tanta gente extraordinária, se transformou nessa terra onde só os desprezíveis têm vez?
Melhor nem pensar nisso.
Melhor ficar com Batatinha. E com seu ministro do samba:
Eu que não tenho um violão
Faço samba na mão
Juro por Deus que não minto
Quero na minha mensagem prestar homenagem
E dizer tudo que sinto
Salve o Paulinho da Viola
Salve a turma de sua escola
Salve o samba em tempo de inspiração
O samba bem merecia
Ter ministério algum dia