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É tudo culpa de 2013?

11 de Julho de 2017, 23:00 , por Bertoni - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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É lugar comum nas análises atuais dizer que a desgraça pela qual passa o Brasil é culpa das manifestações de 2013. Não há dúvidas que as mesmas tiveram um papel nisso tudo e parte delas contaram inclusive com financiamento interno e externo do grande capital. Porém, é preciso analisar o que tornou, ao longo de décadas, possível que 2013 tivesse lugar da forma como aconteceu.

Arte povo trabalhador

No artigo Ciberguerra potencializa guerra informacional analisamos o roteiro usado nas chamadas revoluções coloridas ou primaveras disso ou daquilo que aconteceram no planeta desde o início da década de 2010.

Obviamente as condições que permitiram a aplicação do roteiro variaram de acordo com o momento histórico de cada país, mas regra geral, estas condições foram sendo criadas ao longo das últimas 3 décadas com maior ou menor intensidade segundo o momento histórico e o estágio de desenvolvimento político, econômico e social vivido por cada um deles. Não se trata aqui de debater qualitativamente o desenvolvimento de cada país, mas entender que os países se desenvolvem em ritmos diferentes.

Mas como o objetivo deste artigo é tentar entender como as manifestações de 2013 foram possíveis no Brasil precisamos olhar o que aconteceu em nosso país e no mundo nas últimas 3 décadas.

O processo que levou a derrota do projeto de governo petista de inclusão social e redução da pobreza não teve início em 2014, nem em 2013, nem 2010 e muito menos em 2002.

Por paradoxal que possa parecer, este processo teve início em meados de 1980, quando o movimento sindical e o PT viviam um momento de ascendência. Crescíam vertiginosamente, com uma proposta popular e socialista quando o mundo soviético a rejeitava ferozmente.

No Brasil e no Mundo daquela época acontecem alguns movimentos importantes que podem indicar porque chegamos ao que chegamos:

  • O trabalho como conceito moral, como valor social, é sistematicamente desqualificado, criando a ideia de quem trabalha é otário;
  • A Igreja Católica da Teologia da Libertação é dizimada pelo anti-comunista papa polonês (Józef Wojtyła) e seu buldog alemão (Natzinger);
  • A Teologia da Prosperidade (dos neopentecostais) cresce e leva os católicos a pregar a renovação carismática e uma guinada à direita;
  • O movimento sindical tira o pé do acelerador e começa a deixar o trabalho de base de lado em nome de uma possível eleição de Lula, processo que fica cada vez mais forte depois da quase vitória em 1989;
  • O neoliberalismo ganha força no mundo todo (inclusive na URSS), cuja derrubada do Muro de Berlim foi o símbolo maior;
  • A esquerda mundial entra numa crise de criatividade sem precedentes;
  • A socialdemocracia europeia rende-se ao neoliberalismo e, por vezes, é mais radical em sua implantação que os próprios direitistas;
  • A esquerda que sempre teve um papel importante no imaginário das pessoas e forte influência na área cultural, perde o espaço para a direita;
  • Direitos Humanos e o Humanismo são ridicularizados. O deus mercado e o lucro fácil tomam contam de corações e mentes das mais distintas classes sociais;
  • A utopia cede espaço ao pragmatismo, que na prática se traduz em vantagens pessoais de curto prazo colocadas acima dos objetivos históricos coletivos de longo prazo;
  • O fim do modelo soviético fortalece o dogma ideológico difundido pelos capitalistas de que não há alternativas ao capitalismo e que, portanto, a saída que nos resta é melhorar a situação econômica dos mais pobres e, com isso, garantir seu apoio aos programas de governos progressistas;
  • Passa-se a tolir todo e qualquer debate que possa levar a um crítica ao capitalismo e desqualifica-se àqueles que lembram que a Luta de Classes não terminou com o fim da URSS.

Por outro lado, os problemas e as mazelas no Brasil eram e são tão profundos que até mesmo pequenas reformas e alguns programas sociais teriam um efeito enorme sobre toda a sociedade, conforme pudemos notar nos anos de governos petistas. Isso gerou a atual onda de fúria e ódio da CasaGrande que culminou no impedimento de Dilma em 2016 e nos ferozes ataques, que ocorrem desde a instauração do governo golpista e cleptocrata de Michel Temer e seus tucanos, aos direitos sociais e trabalhistas duramente conquistado ao longo de décadas de lutas de brasileiros e brasileiras.

É claro que em 13 anos de governos petistas não se conseguiria substituir toda uma estrutura socio-político-econômica cuidadosamente montada em 502 anos de domínio pleno da Casagrande. Esta tarefa se tornou ainda mais difícil ao deixarmos de fazer trabalho de conscientização e organização de base, coisas, aliás, que fizemos muito bem no final dos anos 1970, começo dos anos 1980.

Contudo, um dos maiores erros cometidos por parte da esquerda foi acreditar que a tomada do poder político (ganhar o governo) facilitaria o processo de transformação econômica. A história já demonstrou que aqueles que conquistam o poder político, sem ter o poder econômico, acabam transformados em servos do último e, nos casos onde não se submetem aos pesados interesses econômicos, são expulsos do poder político por movimentos mais atrasados e piores para os Trabalhadores, piores até que os derrotados pela esquerda no período anterior.

Para evitar este desastre socio-político é preciso que existam na sociedade forças extremamente organizadas a partir da base e preparadas para fazer com que a economia funcione, capaz de gerar riquezas, segundo novas condições. Em outras palavras é preciso construir poder econômico, tendo os Trabalhadores não só a frente deste processo, mas sujeito dos mesmos. (Escrevemos este parágrafo em 2007, publicado na apresentação do livro Concepção Anarquista de Sindicalismo de autoria de Neno Vasco, o anarco-sindicalista português que traduziu para a língua pátria os versos de A Internacional.)

Eis aqui uma das chaves para entender porque 2013 foi possível. Além de não se ter investido na formação de poder econômico próprio, controlado pelos trabalhadores e apontando para uma nova forma de organização política, social e econômica, não conseguimos fazer frente ao massivo ataque ideológico direitista de endeusamento do mercado e das liberdades para o capital porque deixou-se de fazer trabalho de base e estar junto com o povo, ouvindo-o e construindo coletivamente com ele as soluções possíveis, assim como lançando as bases para a construção da alternativa desejada e compartilhada por todos.

Então, 2013, foi possível não só pela organização da direita, mas também pela desorganização e desmobilização da esquerda, da qual, uma parte, se contentou com os programas de governo que podia implantar a partir dos palácios do governo e, outra parte, se meteu num radicalismo acadêmico distante do povo.

Certamente, poderíamos nos comunicar melhor com o povo e não deixar que seu imaginário fosse conquistado pelos fundamentalistas de mercado e seu braço neopentecostal. Resta saber se teremos capacidade para avaliar todo este processo, fazer autocrítica, aprender com os próprios erros, reconquistar o imaginário das pessoas e avançar.

Ficar na análise fácil de que tudo é culpa das manifestações de 2013, certamente não nos ajudará a entender nada.


Fonte: Bertoni

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