Hoje vamos lembrar dos militares heróicos que resistiram à implantação da ditadura em 64.
Em agradável conversa com Ivete Caribe Rocha, representante da Comissão da Verdade no Paraná, a advogada nos lembrava que, pouco antes da implantação da ditadura, foi feita uma verdadeira limpa nos quartéis, que incluiu prisões, assassinatos e desaparecimento dos militares politizados que se oporiam a ditadura.
Essa parte da História é de difícil descortinamento, mantida em segredo até hoje e, assim, não nos foi dado a conhecer sobre a maioria daqueles Homens que são verdadeiros Heróis Nacionais e cuja história impenetrável não se tem conseguido resgatar.
Entretanto, há alguns poucos guerreiros deste sombrio período, cuja história pode ser resgatada.
Amadeu Felipe da Luz Ferreira é um deles.
A jornalista Luciana Pombo, em julho de 2007, quando do lançamento do livro ''Caparaó - A primeira guerrilha contra a ditadura'', do jornalista capixaba José Caldas da Costa, resenhou algumas informações sobre a história do ex-sargento, que atualmente mora em Londrina, Amadeu Felipe da Luz Ferreira.
O livro remonta à história de resistência de sargentos das Forças Armadas Brasileiras (FAB) que se rebelaram contra a ditadura militar e tentaram reestabelecer a democracia. Amadeu Felipe foi o comandante da guerrilha e foi localizado pelo obstinado jornalista (José Caldas da Costa) que queria descobrir o que havia visto na infância.
''A minha história de jornalista começou em 1967, quando eu tinha sete anos. Eu morava em Alegre (ES), numa região montanhosa chamada de Pico da Bandeira. Ali nasceu o repórter. Eu segurava a mão de minha mãe quando saíamos da roça para a cidade e vi as tropas passando por mim. Sabia que era algo importante'', relatou Caldas. Foram anos de procura de relatos sobre o que havia acontecido naquele local. Ninguém sabia contar -nem a esquerda, nem a direita. Em 1998, em Curitiba, ele descobriu o primeiro relato que poderia indicar fontes para a descoberta. O livro ''A Repressão no Paraná'' fazia menção do sargento Amadeu Felipe e sua luta pela resistência.
Na época, Amadeu Felipe já moravam em Londrina e tinha trabalhado no governo José Richa. ''Procurei encontrá-lo e o achei na Rua João Cândido, em Londrina. Uma lucidez fantástica, uma memória extraordinária. Ele me deu as dicas de todos que poderia conversar para fazer o trabalho. Visitei dez estados, gravei 100 horas de entrevistas e falei com mais de 20 pessoas'', contou. A história já virou um documentário que chegou a ganhar prêmios no Festival É tudo Verdade e no Festival de Cinema do Rio de Janeiro. ''Caparaó sai agora da geografia e entra para a história'', disse o jornalista.
A pedido de Amadeu Felipe, o livro foi também lançado em Londrina. ''Os sargentos resistentes amavam muito o Brasil. Eles entraram para as Forças Armadas porque defendiam o País. Eram nacionalistas. Por isso é que eles resolveram resistir armados'', relatou. A história da guerrilha começa em 1954, com o suicídio de Getúlio Vargas (um dos guardas foi guerrilheiro em Caparaó).
Mas foi em 1961, na Cadeia da Legalidade comandada por Leonel Brizola para evitar o golpe militar e garantir a posse de João Goulart, que os sargentos se uniram e iniciaram a resistência. ''Tive que ler 50 livros para poder me contextualizar com a história falada por cada um dos sargentos entrevistados. A lição que ficou para mim é que a luta sempre vale a pena. Alguém precisa resistir. Graças ao sangue, a luta e o suor derramado naquela época é que conseguimos reestabelecer a democracia'', garantiu o jornalista.
O ex-sargento do Exército Amadeu Felipe da Luz Ferreira, que comandou a resistência em Caparaó, disse que o movimento não nasceu por acaso. Ele era reflexo da indignação dos sargentos do Exército, Aeronáutica e Marinha que não admitiam o golpe militar -feito com o apoio da elite brasileira. ''Nós começamos a nos mobilizar antes mesmo do golpe. Mas foi em 1964 que nos reunimos mais fortemente. Em 64, travou a evolução da história econômica do Brasil. As reformas de base ficaram paradas. Fomos presos, nos foi cerceado o direito a atividade política. Tentamos derrubar a ditadura por todos os meios possíveis e a resistência em Caparaó foi o ápice do nosso movimento'', contou Amadeu Felipe.
A resistência tinha ligação internacional. ''Tínhamos contatos no Uruguai, na Argentina e na Bolívia. A luta era em comum. Queríamos a emancipação da América Latina -que passava por um período de ditadura'', disse o ex-sargento. Amadeu Felipe, com 72 anos (em 2007), relata que os quartéis reproduziam a luta de classes no Brasil. De um lado, os sargentos, que pensavam política e ideologicamente como o povo. De outro os oficiais, que queriam manter a ditadura e a dominação.
''Acho que a construção da democracia no Brasil surgiu de todos os movimentos que ocorreram: nosso, dos jovens que deram a vida pelo fim da ditadura militar. Amigos meus foram assassinados vilmente pela ditadura. A violência militar é que apressou sua queda'', analisou.
Amadeu Felipe passou cinco anos preso no Rio de Janeiro. O refúgio dele foi Londrina (PR). Hoje ele tem três filhos e dez netos. ''Tento mostrar a eles o que ocorreu. Naquela época a gente mastigava ferro pelo Brasil. Acho que ainda existe muito para fazer no sentido de democratizar nosso País. Mas estamos no caminho'', previu.
O Charuto pretende entrevistar a advogada Ivete Caribe Rocha, para aportar aqui outras histórias que estão se descortinando pela Comissão da Verdade e, já adiantamos, existem histórias incríveis que têm se revelado com o imprescindível trabalho de resgate da Comissão.
Por hoje, nossa homenagem aos militares que, contrariando a caserna, defenderam com suas vidas, a Liberdade e a Democracia no Brasil.
Morte, vela, sentinela sou do corpo desse meu irmão que já se vai. Revejo nessa hora tudo que ocorreu, memória não morrerá!
0sem comentários ainda
Por favor digite as duas palavras abaixo