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Análise de filme- Rango: identidade social do sujeito, água e poder

19 de Maio de 2014, 8:27 , por Rafael Pisani Ribeiro - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Licenciado sob CC (by-nc-sa)

 

O filme inicia com um lagarto preso dentro de um aquário cheio de figuras que o lagarto considerava como amigos, dando a cada um deles um significado apesar de serem simplesmente um peixe, um torso de boneca e uma barata morta, ou seja, objetos. Até que o carro em que se localiza o aquário passa em um asno e o vidro se quebra, dando vazão a um novo mundo.  O filme segue mostrando a autodescoberta do personagem em torno de si mesmo e ao conhecer o mundo. Apesar de ser classificado como um filme infantil possui diálogos complexos inclusive para adultos, passando muitas mensagens importantes. ( Link para assistir ao filme caso não tenha assistido http://www.filmesonlinegratis.net/assistir-filme-rango-dublado-online.html  caso leia, isso irá aumentar a curiosidade em assistir o filme.)

 

O personagem passa por 4 fases existenciais durante o filme: a vida no aquário, o caminho até a sociedade, a inserção na sociedade e sua libertação.

Fase 1- a vida no aquário: Durante a conversa com o asno ele assim define seu mundo“...tinha armado uma rede social intercomplexa  de amigos muito sofisticados, eu era muito popular”, ou seja, apesar de não ter convivido com nenhum ser vivo até aquele momento produziu um ambiente que o agradasse e desse sentido a vida, mas que aos poucos foi perdendo seu poder e é quando começa a se questionar quem é, que pode ser de um dançarino a um garanhão, e que para ser herói precisa de um evento inusitado e transformador. Nessa hora seu aquário quebra, dando vazão a um novo mundo onde o primeiro contato mostra a falta de água, que era abundante no aquário.  

 

Fase 2- o caminho até a sociedade: O primeiro contato que tem com esse mundo é a falta de água, logo após se encontra com um asno que ao tentar atravessar a estrada teve seu corpo virado pelo carro onde estava o aquário. O Asno é como uma referência de onde ao fim o lagarto vai chegar e  afirma “O caminho do autoconhecimento é cheio de obstáculos”, sendo que mesmo na dificuldade e tendo voltado ao normal o Asno não desiste de atravessar a estrada, ou melhor, chegar ao outro lado. O lagarto é um animal totalmente domesticado e na batalha do Lagarto e o sapo contra a águia a ideia de individualmente somos fracos, mas juntos somos fortes aparece claramente. Essa fase termina quando ele encontra com a primeira pessoa civilizada, Feijão e uma água que seca rapidamente no deserto.

 

Fase 3- a inserção na sociedade: Se inicia com o encontro com Feijão. Ela pergunta retóricamente a ele “quem é você?” e ele ainda não tem resposta alguma, ou seja, falta de identidade. Ele aos poucos vai inventando fatos para se definir, dito que não tinha experiência alguma para tal. O fato de um porco guiar a carroça mostra também o uso de animais na sociedade, nada diferente da nossa não? Já na cidade começa a criar uma identidade imitando o andar de outras pessoas e dá uma forma nela quando cria uma série de histórias e se denomina Rango, nome encontrado na marca  do suco de cacto, porque até esse momento não tinha identidade alguma, em outras palavras, seu nome é o de uma marca. Coincidentemente as histórias que conta vão se tornando verdade e a partir desse ponto se torna xerife  e consegue descobrir uma extensa rede de corrupção e poder, afetando o povo, representada pelo prefeito. O bar está cheio de cidadãos afogando suas mágoas, havendo inclusive a cobrança de hipoteca por terras. A cena no banco mostra uma mãe pobre tendo pouco para dar de estudo aos filhos, a falta de água no banco, enfim temos na cidade o prefeito representando oficialmente a lei e a corrupção por trás com seus comparsas, Jake cascavel o bandido, a águia o herói/vilão temido, Rango o herói social, o espírito do Oeste deus e a civilização, a quadrilha como os marginalizados, Feijão o símbolo da reforma agrária, mas principalmente a água como o bem social maior.

 

Fase 4- a libertação: Aqui ele reconhece quem é, sabe como ir atrás de seu objetivo e como alcançá-lo. Desarma a corrupção do prefeito, descobre  que a falta de água para a sociedade é por ela estar sendo usada na agricultura e que com a ajuda do espírito da civilização, ou melhor o espírito do oeste é que descobriu isso. Existe também uma referencia aos antigos nativos americanos representado pelo velho índio da cidade. A conclusão sobre a água ao fim não é só que é importante para a saúde, mas que representa poder e em algum momento ela irá tomar esse papel em nossa sociedade. Curiosamente quando a água aparece a cidade muda o nome de “poeira” para “lama”, porque será?

 

Conclusão

 

Dada a análise anterior, mais como uma apresentação do filme do que como conclusão muitas coisas se tornam claras. É óbvio que se você não assistiu ao filme muitas coisas não estão claras, ainda assim vamos à frente. Temos na fase da vida no aquário um sujeito sem identidade e referência alguma para tê-la que por um evento inusitado cai em um mundo novo, onde “tem de chegar ao outro lado”, encontrando um primeiro objetivo que é achar água, mas que passa pela sociedade e é um sujeito que se sente guiado pelo espírito do oeste, ou melhor, o espírito da civilização. Lá ele se torna o herói do cidadão, mesmo que simultaneamente engane a si mesmo e a outros com a pura coincidência de tudo dar certo. Já na cidade temos várias representações sociais, entre elas o prefeito representando oficialmente a lei e a corrupção por trás com seus comparsas, Jake cascavel o bandido, a águia o herói/vilão temido, Rango o herói social, o espírito do Oeste deus e a civilização, a quadrilha como os marginalizados, Feijão o símbolo da reforma agrária, mas principalmente a água como o bem social maior.

 Nesse âmbito de relações há vários conflitos, isto é, o prefeito aparece oficialmente como um bem feitor pela visão dos cidadãos, mas por outro lado é quase um causador dos problemas dos cidadãos, e por meio de seus capangas cobra hipoteca das terras que antes eram de outros e foram “vendidas” a ele, ou seja, no fim é um corrupto e bandido. Seu caminho é sempre atrapalhado por Feijão que representa o movimento da reforma agrária e é a única a resistir a vender seu terreno apesar das dificuldades, junto a Jake cascavel que representa o bandido visto através da visão oficial e curiosamente é uma cobra. Rango que apesar de não intencionalmente descobre toda a farsa e o desmascara, tornando Jake Cascavel quase um herói já que ao final ele o salvou da morte pela arma do prefeito.

 

Existem também os marginalizados, que roubam o banco e causam grande confusão, possuindo uma população infinitamente maior que a da cidade, ou seja, os moradores das favelas. Tudo isso por trás de um tema: onde está a água? A resposta vem e é impressionante, as árvores passam a andar, a natureza a se comunicar e mostram a Rango onde ela está. Ela é a responsável por dar a fonte do ritual da quarta feira aos cidadãos e o prefeito por ser o chefe do ritual. Ao mesmo tempo Rango e Jake cascavel se tornam lendas, e lendas são naturalmente exageradas, tanto é que Jake poderia ter matado Rango facilmente, mas a imagem que ele criou não o permitiu. Jake matar o velho nativo americano pode significar o fim daquela cultura. Não dá para esquecer do velho Asno, que representa onde Rango deveria chegar, enfim toda essa relação gerou um grande mal estar social a qual uma boa educação poderia evitar, mas com um povo sem conhecimento o resultado é exatamente esse. O outro lado onde o Asno queria chegar era onde a água se encontrava,  ou seja, conhecimento.

 

Para finalizar o filme faz jus a fala inicial do asno “Conhecimento, não somos nada sem isso” e a fala inicial do prefeito “Quem controla água, controla qualquer coisa”. O poder na sociedade do filme veio da água, todos os conflitos e problemas se originaram pela sua falta, o que gerou o fato de a água ser moeda de troca. Onde a água foi parar? Na civilização, e foi justamente encontrada com a ajuda do espírito do oeste, representante da civilização. Apesar das tentativas do filme de mostrar tais cenas de forma cômica e ser um filme de classificação infantil cheio de diálogos complexos nele não há nada de infantil, simplesmente que há algo errado com essa suposta falta de água no mundo, o que tal falta pode causar e como a falta de conhecimento pode afetar a população. Até o nome “Rango” veio de uma marca, mostrando até que ponto as marcas nos influenciam. O diálogo com o Espírito do Oeste diz a Rango “Hoje em dia se inventa nome para tudo, são as ações que fazem o homem” e “Ninguém pode fugir da sua própria história”. Quem é o espírito do Oeste? Simplesmente  um homem com um carrinho de Golfe e vários troféus. Basicamente, o filme diz que ao seguirmos a civilização vamos chegar a falta de água, ou melhor, distribuição injusta. De infantil de fato não há nada nesse filme.

 

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 Escrito por: Rafael Pisani

 


Fonte: Rafael Pisani Ribeiro

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