Como em todo ano de eleição, pré-candidatos a cargos eletivos erguem a voz para assuntos polêmicos apelando para o senso comum na tentativa de angariar os votos daqueles menos interessados nas reais causas dos problemas e na busca por soluções mais sensatas para a solução destes problemas.
Depois dos justiciamentos populares defendidos em cadeia nacional de TV pela apresentadora Rachel Sheherazade do SBT e da repercussão de suas declarações, tenho quase certeza que os temas violência e o direito divino do cidadão de bem’s em se defender dos marginais, serão os principais assuntos da campanha eleitoral que se aproxima.
Ou melhor, se aproxima não, já está aí, a campanha eleitoral já está a todo vapor.
Nas minhas redes, sou diariamente bombardeado por uma campanha quase surreal. Alguns pretendentes ao cargo de deputado, já tem a solução para todos os problemas:
Pôr fim ao estatuto do desarmamento, lei nº 10826/2003
O estatuto do desarmamento não proíbe ninguém de ter uma arma. Desde quê, esta pessoa passe por uma série de exames de capacidade e sanidade mental e não tenha antecedentes criminais. A única exceção, é que o cidadão comum, civil, pode ter sua arma em casa, só não pode andar por aí, desfilando com ela na cintura.
Porém, para os proto-candidatos e gênios da segurança pública, se todo cidadão de bem’s tiver o direito divino de portar uma arma para sua defesa, toda a violência irá acabar, como se num passe de mágica.
Será mesmo?
Neste final de semana, na cidade de Santo André – SP, o médico Ricardo Seiti Assanome, foi até a delegacia do 2º Distrito Policial daquela cidade, apenas para registrar um boletim de ocorrência a respeito de um leve acidente de transito sem vítimas, feridos e apenas um pequeno prejuízo material (o B.O. serviria apenas para os trâmites do seguro do veículo do médico).
De repente, um susto. Um policial militar à paisana entrou correndo na delegacia.
No susto, o agente de telecomunicações da polícia civil, André Bordwell da Silva, achou que se tratava de um atentado, um ataque àquela delegacia. Sacou de sua arma e começou a distribuir tiros para todos os lados. Na confusão, o investigador de plantão ouviu os tiros, sacou sua arma e partiu para o ataque.
Não havia nenhum marginal na recepção da delegacia. Não se tratava de um ataque ou atentado e nenhuma vida corria qualquer tipo de risco. Foi só um susto, nada mais.
Este susto rendeu o disparo de nada menos que 30 projéteis e resultou em dois homens feridos e outro morto com um tiro na cabeça, o médico de 28 anos, Ricardo Seiti Assanome.
Uma tragédia, uma história absurda que desnuda todo o despreparo e o elevado nível de estresse que se encontram os agentes da polícia não só no ABC paulista como em quase todo o Brasil.
Ora, mas se agentes e investigadores da Polícia Civil, com toda sua experiência, treinamento e sangue frio, por causa de um susto disparam trinta vezes suas armas, que fará então, o cidadão de bem’s quando armado e numa situação de estresse?
Num acidente de transito, uma amassadinha no paralamas vai render seis pipocos na cabeça do motorista imprudente?
Numa caminhada noturna, a presença de algum elemento suspeito caminhado atrás ou na direção do cidadão de bem’s será suficiente para justificar uma série de disparos a esmo que podem ferir ou matar sei lá quantos?
Numa discussão de bar, a última palavra e a razão será definida por aquele cidadão de bem’s com o saque mais rápido?
Mais uma infinidade de outras situações que inevitavelmente terminarão em tragédias.
Eu aqui, polaco e completamente doido, não entendo lhufas de segurança pública, mas já andei armado pala rua e sei que, quando se está armado você é muito mais confiante, você não sente medo e, com o sangue quente, você nem mede as conseqüências de seus atos.
Armar a população de bem’s não é a solução, ao contrário, só vai agravar ainda mais o problema.
Arrisco até em afirmar que o problema está nas próprias polícias civil e militar que deixaram de servir e proteger a vida humana e passaram a servir proteger o patrimônio e o capital dos homens de bem’s. O problema está também no sistema que deixou de lado as medidas de prevenção e só tem olhos para as medidas de punição.
Sendo assim, se armar para quê?
Para proteger seu iPhone do ladrãozinho viciado em crack?
O que é mais valioso. Seu iPhone de R$ 3 mil ou sua vida, ou a vida do viciado que pretende trocar seu iPhone por uma dúzia de pedras de crack?
Pois é. Soluções mágicas e mirabolantes são mesmo fascinantes.
Pena que estas soluções mirabolantes e fascinantes escondem debaixo do tapete do senso crítico individual toda e qualquer possível solução para o problema.
A violência endêmica não é o verdadeiro problema. A violência endêmica é apenas o efeito do problema.
Mas quem dos especialistas em segurança pública terá a coragem para apontar e propor soluções para a verdadeira causa do problema da violência endêmica?
A absolvição dos envolvidos no caso do helicóptero do pó já nos dá a dica. Do jeitão que está, tudo tende a piorar.
Polaco Doido
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