O mais novo feriado do calendário da cidade de Curitiba é o dia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, padroeira da cidade, celebrado no dia 8 de setembro. Salvo engano, este feriado foi promulgado na década de noventa e, sinceramente, não lembro de nenhuma reclamação dos comerciantes da cidade a respeito de mais esse feriado. Ou melhor, feriadão, já que emenda com o dia da independência e onde comércio perde dois dias úteis.
No final do ano passado foi instituído na cidade de Curitiba um novo feriado, O Dia da Consciência Negra. Uma data especial que não se presta apenas para homenagear uma parcela da população com origens africanas. Muito diferente disso, serve principalmente para comemorar toda a relevante contribuição cultural da comunidade negra na formação da identidade nacional e local e também, tem um caráter social na tentativa de reverter ou, pelo menos, amenizar todo o preconceito e discriminação a que são submetidos muitos dos curitibanos diariamente.
Mas, segundo Ali Kamel em seu livro “Não Somos Racistas,” não existe nenhum tipo de preconceito de cor nestas terras de palmeiras e sabiás e então, não faz nenhum sentido um feriado destinado apenas a um único segmento da complexa mistura de raças que é a população brasileira.
Claro que nem é preciso ser muito inteligente para perceber que é falsa a afirmação de que não há racismo no Brasil, mas como Kamel é um poderoso diretor na mais poderosa empresa de comunicação e formação de opiniões no Brasil, suas falsas verdades publicadas em livro, tronam-se verdades absolutas nas mentes dos não inteligentes ou daqueles que tiram vantagem deste racismo institucionalizado.
Eu aqui, polaco, loiro e olhos azuis, nunca fui vítima de racismo. No máximo, piadinhas sem graça ou comparações do tipo: “Polaco é Preto do Avesso”. Porém, presenciei e presencio atos e atitudes racistas desde que tomei consciência de estar vivo.
Iniciei dois cursos de graduação na UFPR, passei por dois vestibulares bastante concorridos e em nenhuma das turmas dividi as salas de aula com colegas negros. Se isso não é racismo social, eu não sei o que possa ser.
Poderia gastar incontáveis linhas descrevendo as cenas de racismo que presenciei, mas acredito que o leitor também já presenciou cenas parecidas. Basta buscá-las na memória para perceber que existe sim o racismo em nossa sociedade.
Lógico que apenas um novo feriado não vai reverter esse quadro discriminatório. É preciso mais. Programas de inclusão e cotas do governo federal são um bom início, mas se não houver uma massiva campanha educativa, que coloque o dedo na ferida e mostre o quanto somos preconceituosos e o quanto fechamos os olhos para o preconceito e segregação no nosso dia-a-dia, nenhuma lei vai conseguir resolver absolutamente nada.
O que causa a maior indignação são as atitudes dos membros da diretoria da Associação Comercial do Paraná (ACP) e os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-PR). Acredito que todos eles, felizardos portadores de genes europeus e como eu, também nunca sofreram na pele as amarguras do preconceito ou da discriminação racial.
Sob o pretexto de que o novo feriado geraria prejuízo para o comércio da capital, a turma do TJ resolveu suspender os efeitos da lei municipal que cria o Dia da Consciência Negra.
Claro que a ACP deu um “migué” no TJ e o TJ aceitou esse “migué”
Se o TJ acatou o pedido por convicção ou por pressão eu não sei, mas que é uma decisão para lá de suspeita e questionável, não existe a menor dúvida.
Segundo a ACP, o fechamento dos estabelecimentos comerciais no feriado causaria um prejuízo de R$ 160 milhões para o comércio. Este número foi obtido pelo total arrecadado no ano pelo comércio local, dividido pelo número de dias úteis do ano.
Até aí tudo bem, mas será que esqueceram de ligar os neurônios na hora de tomar a decisão?
O comércio curitibano movimenta R$ 160 milhões por dia, não há nem o que discutir sobre isso.
Mas seria muito coerente lembrar que a maior porcentagem deste montante circula nas grandes redes de supermercado, grandes lojas de departamento e shoppings. Não é?
Ora, mas as grandes redes de supermercado, grandes lojas de departamento e shoppings não fecham nem aos domingos e na grande maioria dos feriados também permanecem abertas.
Salvo o primeiro dia do ano, sexta-feira santa e páscoa, nenhum comércio da cidade fecha as portas apenas por que alguma lei determina que é feriado.
O caso aqui é muito mais vil e mesquinho do que o vil e mesquinho cancelamento do Dia da Consciência Negra.
Para poder atender nos domingos e feriados, os comerciantes são obrigados por lei a pagar valores adicionais a seus funcionários.
Um novo feriado implica em mais um adicional nos vencimentos do trabalhador do comércio. Não existe nenhuma ameaça de prejuízo para o comércio da capital. O que existe é apenas a ameaça de diminuição no lucro dos empresários do comércio por conta deste adicional.
Ou seja:
Os empresários simplesmente não querem pagar mais horas-extras para os trabalhadores do comércio.
É triste chegar a esta constatação, mas fazer o quê?
Nos tempos da escravidão, os escravos trabalhavam a troco de comida e um teto sobre suas cabeças. Hoje, trabalhamos a troco de um salário que mal dá para pagar as contas da casa e comprar comida.
Houve mesmo uma abolição da escravatura em 1888 ou, de lá para cá, a escravatura só mudou seus mecanismos e seu nome?
O status de “escravo” há tempos deixou de ser apenas uma questão de cor da pele e os escravocratas de hoje, assim como os do passado, continuam contando com as benesses da justiça na manutenção de seus benefícios históricos.
Polaco Doido
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