As várias reportagens que a RPC-TV, emissora afiliada da Globo no estado, vem fazendo a respeito dos moradores de rua na cidade de Curitiba, causam náusea, dão nojo e vergonha por fazer parte da mesma sociedade que os editores e chefes de redação desta empresa “jornalística”.
Depois da indicação de um amigo, assisti várias das reportagens disponíveis no site da emissora.
Talvez na pretensão de dizer apenas o que o curitiboca comum quer ouvir, a emissora local limite-se ao lugar comum. Para o veículo de comunicação, os moradores de rua não são pessoas, seres humanos com tele-encéfalo desenvolvido e polegar opositor, são apenas um transtorno para os curitibanos de boa índole, sempre comportados e passivos, assistindo aos jornais televisivos enquanto esperam pelo próximo capitulo da novela.
As entrevistas destas reporcagens dão voz apenas a comerciantes e transeuntes incomodados com a presença dos moradores de rua, em nenhum momento, algum dos repórteres tentou verificar as histórias ou opiniões dos moradores de rua. Esta parte fica por conta das estatísticas de fontes como IBGE, FAS ou prefeitura de Curitiba.
Os populares entrevistados pela TV Paranaense , é claro, aproveitam para destilar todo seu preconceito em um show de horrores típico dos curitibocas alienantes.
Um deles, munido de uma sabedoria salomônica, afirma que a culpa pela explosão no número de moradores de rua na cidade são os programas de inclusão social do governo federal, para ele, “o Bolsa Família é o que sustenta estes vagabundos”.
Claro que os adjetivos não param por aí. Além de vagabundos, ouve-se com muita freqüência, bandidos, marginais, desocupados, drogados.
Em nenhum momento as reportagens se referem aos moradores de rua como vítimas. São sempre apenas um “transtorno” ao convívio pacífico dos curitibanos de boa índole.
Mas antes de continuar lendo este texto, pare só um pouquinho, respire fundo e se prepare para um lúdico exercício mental.
…
Nas próximas poucas linhas nós dois seremos um só, transformados em um estorvo social.
Somos a partir de agora um morador de rua, perambulando pelas ruas de Curitiba, nas proximidades da praça Ozório. Não se preocupe com sua família, todos estão bem confortavelmente instalados em casa, apenas você não tem onde morar e mora na Rua, como 4.000 outras pessoas na cidade de Curitiba.
Tranquilo, beleza, que maravilha, sem nenhuma responsabilidade a não ser apreciar o movimento.
E os minutos vão se passando… De repente… Que dor de barriga, não deveria ter exagerado no feijão na hora do almoço.
E agora? Deixa, já vai passar…
Putamerda que vontade de Cagar! Se o cagador público existe, está trancado ou você tem que pagar 50 centavos para cagar, mas você não tem nenhum dinheiro e nenhum “empresário” das redondezas vai permitir que você use seu banheiro, a não ser que seja um cliente.
Mas se você não tem dinheiro nem pra cagar, como pode ser cliente de alguém?
E agora?
Putaquepariu! Eu to quase me cagando! Putaquepariu de novo!!!
Cago na não? Cago nas calças? Não, não, não dá… Olha ali, atrás daquele murinho é escondido, ninguém vai ver. Ligeiro que to me cagando. Não tem ninguém vendo, vou pular o murinho e ficar agachadinho pra ninguém ver. Baixo as calças e que alívio. Cheiro de merda fresca no chão é triste, mas não tem problema.
…Que alívio, achei que iria morrer!
E agora? Não tem papel!
Não tem problema, dá pra limpar na cueca, ninguém vai perceber que estou sem cueca, sem contar que ela também serve para esconder a bosta que acabei de fazer.
Pronto! Tô novo. Vamos voltar para a vagabundagem.
E o tempo passa…
Que cheirinho de pão de queijo. Tá me dando uma fome.
Descubro que fome não é aquele negócio que você sente quando sai de casa atrasado e lá pelas 10 da manhã fica louco para que chegue a hora do almoço. Esta sensação é só seu corpo avisando que está na hora de comer. Depois de pouco tempo esta sensação passa e você nem se lembra mais dela. O cheiro do café, do pão fresquinho e do churrasco não impressionam mais, é só uma dorzinha incômoda na boca do estômago. Uma dorzinha, constante e que por ser tão constante, você acaba se acostumando. De vez em quando você ganha umas sobras. Uma senhora simpática de dá um pãozinho e um café todas as manhãs, mas a dor da fome não passa, não passa, não passa… É melhor não pensar nisso.
O tempo virou, o frio chegou. E agora? Só tenho a roupa do corpo e nem é de frio, é de meia estação. Vô me fuder esta noite!
Ali, debaixo daquela marquise tem uma parede que quebra o vento gelado, vou me esconder do frio ali. Um outro morador de rua me vê tremendo com frio e me oferece um gole de pinga de uma garrafa de plástico. Aceito e dou um talagaço.
O líquido entra ardendo e queimando pela garganta. A sensação é horrível, mas logo depois uma quentura toma conta do meu corpo e esqueço do frio por breves momentos.
Preciso conseguir uns trocados para comprar uma garrafinha dessas para amanhã. Não vai dar pra aguentar outra noite dessas.
Ah! pinga na garrafa de plástico. que quenturinha boa. Bem que o Polaco avisou para eu não me preocupar com a família, mas não deu para segurar, lembrei da mulher, daí da filha, do cachorro, das galinhas… Que saudade da mulher. Será que ela está bem? Será que a menina ainda lembra de mim?
Não! não! O que é isso? Melancolia?
É muito ruim. Prefiro morrer a sentir isso. E aquele pessoal. Estão ali fazendo o quê?
Fumando??? Crack!!!
Não isso é droga, isso mata. Mas o que tenho a perder? Só uma tragadinha, para ver o que acontece.
Ahhhhh! eu não tenho mais problemas!
Não sinto o frio.
A dor da fome desapareceu!
Olha que legal, faz dias que estou descalço!
Hahahaha! sapato pra quê? Que gostosinho!
Que gostosinho! Que gostosinho! Que gostosinho…
…
Então leitor?
Será que qualquer ser vivente, provido de um tele-encéfalo extremamente desenvolvido e polegar opositor, gozando de perfeita saúde mental, iria abandonar um teto, uma cama, cobertor, geladeira, fogão e televisão para “vagabundear” como morador de rua?
Não. É lógico que não! Os cerca de 4.000 moradores de rua de Curitiba estão na rua pelos mais variados motivos. Garanto que nenhum deles está lá mesmo tendo um teto, uma cama e um cobertor em qualquer lugar da cidade.
O pessoal da RPC está maluco. Estão revertendo tudo quanto é tipo de valor para reduzirem pessoas, seres humanos ao status de estorvo, inconveniente, transtorno!
Sente só:
Vagabundo e desocupado não é o morador de rua. Vagabundo e desocupado é aquele cidadão importante, que nunca precisou apertar um parafuso na vida. Pagador de impostos que mora numa grande casa e dedica sua vida à futilidades. Aquele cuja renda é fruto dos imoveis e aluguéis deixados de herança por seus ancestrais.
Bandido e marginal é quem aplica dinheiro público em calçadas de granito para seus apadrinhados políticos e não constrói abrigos, creches e escolas. Morador de rua não é marginal é marginalizado.
E para o leitor pensar na cama quentinha antes de dormir.
O aumento de moradores de rua na cidade de Curitiba não é só mais um inconveniente um estorvo na vida da cidade modelo. É sim, só mais um sintoma de uma sociedade doente, caquética que tenta esconder ou finge não ver o tamanho de suas próprias feridas.
Não adianta queimar, bater ou matar os moradores de rua.
Para cada um que desaparece nas estatísticas, outros três surgem do nada e ocupam seu lugar.
Conviva com isso, ou ajude a encontrar uma solução humanitária para o problema. Só reclamar não resolve porra nenhuma!
Polaco Doido
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