“Quase 600.000 refugiados Rohingya procuraram refúgio em Bangladesh nos últimos dois meses. Os números não mostram sinais de desaceleração – 40 mil pessoas atravessaram a fronteira de Mianmar nas últimas duas semanas, indicando que a violência continua no estado de Rakhine.
É difícil compreender a magnitude da crise até você vê-la com seus próprios olhos. Os acampamentos de refugiados são incrivelmente precários. Os abrigos improvisados são feitos de barro e plástico, fixados com bambu e espalhados por pequenas colinas. Se você parar na entrada principal do acampamento de Kutupalong, que tem sido o lar de vários milhares de Rohingyas mesmo antes desse influxo mais recente, as coisas parecem algo organizadas. Mas, se você entrar para dentro do acampamento, nas florestas e áreas sem estradas, é outra história. Não há quase nenhum serviço disponível e a vulnerabilidade em que vivem as pessoas é chocante. Famílias inteiras vivem sob cabanas de plástico em terrenos enlameados e inundados. Elas têm muito poucos pertences, são vulneráveis a ataques de elefantes e não têm acesso a água limpa, latrinas, alimentos ou cuidados de saúde.
É um deslocamento humano muito novo e as pessoas ainda lutam pelo básico para sobreviver, o que você pode ver em sua linguagem corporal. As pessoas estão vivendo dia após dia, tentando garantir o básico para chegar ao dia seguinte. Atualmente, a resposta humanitária está bastante dispersa: coberturas de plástico são entregues em um local, enquanto sacos de arroz ou água são distribuídos em outro.
Em Kutupalong, onde MSF administra uma clínica desde 2009, elevamos nossa capacidade de internação de 50 para 70 camas, e agora recebemos de 800 a 1.000 pacientes por dia. Nossas equipes estão tratando casos que normalmente não deveríamos ver, como adultos que desmaiam ou morrem de desidratação por causa de um caso simples de diarreia aquosa. Abrimos novos projetos médicos, de água e de saneamento em outros lugares na região de Cox’s Bazar, para responder melhor ao crescimento exponencial das necessidades médicas. Mas uma ação maior é desesperadamente necessária. O acampamento é uma bomba de tempo de saúde pública.
Também não devemos esquecer a causa do deslocamento dos Rohingya, que é a crise em andamento em Mianmar. As pessoas não fogem de suas casas sem uma boa razão. Eles saem porque suas vidas estão em perigo e não têm outra opção. Centenas de milhares ainda permanecem presas em Mianmar, continuam vivendo esse terror e isoladas da ajuda humanitária.
Para Bangladesh, receber mais de meio milhão de pessoas em dois meses é uma atitude tremendamente generosa, mas que vem com enormes desafios. Nenhum país do mundo pode atender necessidades tão grandes sozinho. Pedimos ao governo do Bangladesh que mantenha suas fronteiras abertas e à comunidade internacional que apoie esse gesto corajoso. É dever dos doadores ajudar a impedir um desastre de saúde pública. Só podemos fazer isso assegurando o atendimento das necessidades vitais de uma população que enfrentou violência, estupro e tortura. Precisamos de mais organizações em campo construindo latrinas, fornecendo água, prestando cuidados de saúde e distribuindo alimentos. Isso só pode acontecer se o governo do Bangladesh facilitar a presença de ajuda e permitir uma massa crítica de organizações humanitárias.
Esta conferência de doadores deve ser um grito de alerta. É nossa chance de criar mobilização e evitar uma segunda catástrofe, restaurando a dignidade de uma população em grande necessidade.“
Depoimento da Dra. Joanne Liu, presidente de Médicos Sem Fronteiras
Confira abaixo algumas fotos da situação em Bangladesh.



