Portugal se recupera sem austeridade? Para o trabalhador, reforma foi implacável
Por Paula Zarth Padilha
Terra Sem Males
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Em recente pauta repercutida no Brasil por diversos sites de notícias internacionais, destaca-se a atual conjuntura econômica em Portugal, tida como modelo de recuperação econômica sem a submissão ao processo de austeridade, palavra difícil e muito citada politicamente no Brasil atual.
O que não se comenta são dois pontos: primeiro, que Portugal tem o Partido Socialista desde 2015 no poder, mas sob um sistema de governo parlamentarista. E segundo, que Portugal passou sim pela chamada austeridade. E mais que isso, o país mudou radicalmente a legislação trabalhista em 2012 e essas alterações promoveram profunda precarização no emprego.
As medidas de austeridade aplicadas em Portugal nos anos de 2011 e 2012 começaram com corte de direitos de funcionários públicos. Foram retirados os subsídios de férias e de Natal, conquistas de 30 anos.
Esse processo de austeridade, precarização no emprego e privatizações em Portugal culminou numa mudança de postura da população, a grande mobilização em junho de 2013, que se internacionalizou em diversos países, sendo que, em Portugal, a motivação foi a crise e a precarização das relações de trabalho após a reforma trabalhista naquele país.
Alguns indicadores do mercado de trabalho de 2010 comprovam a precarização após a reforma trabalhista:
– o emprego precário (parcial, subcontratação, temporário, contratos a prazo) correspondia a 30% do emprego total;
– os contratos a prazo abrangiam 23,2% dos assalariados;
– o desemprego atingiu 11% da população (546,9 mil pessoas) em dezembro de 2010 e atingiu 12,3% em agosto de 2011; e 17,7% no primeiro semestre de 2013.
A austeridade em Portugal ocorreu a partir de março de 2010 com deflação salarial, suspensão radical do investimento público e extensão do programa de privatizações, chamado de “Programa de Estabilidade e Crescimento” pelo governo que o implantou. O pacote foi rejeitado por setores sociais, gerando crise política.
O que ocorreu em Portugal, com as eleições de 2015, foi uma solução possível à esquerda para tirar a direita do poder, mas não houve, com o partido socialista governando no parlamentarismo, uma mudança estrutural. A transformação radical na legislação trabalhista não foi revertida e o país está submetido às regras limitadoras da União Europeia. No curto prazo apareceram efeitos positivos, como o que chegou aqui no brasil sobre sair da crise sem a austeridade, mas no longo prazo não há previsão sobre melhora da vida da população.
Portugal passou pela austeridade, saiu da crise, mas a esquerda não reverteu as mudanças profundas promovidas pela reforma trabalhista.
(Esta abordagem tem como referência os artigos “Trabalho, precariedade e movimentos sociolaborais”, de Elísio Estanque e Hermes Augusto Costa, e “A greve geral de novembro de 2012 e os protestos anti-austeridade – análise a partir do caso português”, de Hugo Dias e Lídia Fernandes)