Paralisação das atividades começou por atrasos salariais e mobilizou coletivos e entidades que lutam pela regularização fundiária para expor a dimensão social a responsabilidade da Prefeitura sobre habitações populares
Por Paula Zarth Padilha, texto e fotos
Os trabalhadores da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB) iniciaram greve na última segunda-feira, 11 de junho, numa mobilização para denunciar os atrasos salariais. O movimento, organizado por quatro sindicatos das diversas categorias profissionais que atuam na autarquia municipal, uma empresa mista mas que tem a Prefeitura como majoritária, continua nesta quinta-feira, 14 de junho, quando está marcada audiência na justiça do trabalho. A Cohab anunciou pagamento parcial dos valores em atraso, mas escolhendo que vai receber e quem tem que esperar mais. A informação dos sindicatos é de que os menores salários foram pagos e que a paralisação continua até que todos os valores sejam quitados.
A greve começou por questões econômicas mas sua dimensão social rapidamente uniu diversas articulações que atuam em coletivos na cidade para dar suporte junto ao poder público às famílias que lutam há décadas pela titulação de suas casas, pela regularização fundiária, como o coletivo Mobiliza Curitiba, que articulou uma aula pública sobre o direito à moradia em frente ao prédio da Cohab, junto aos trabalhadores grevistas, com a presença do Movimento dos Moradores de Rua.
Entre os temas abordados, o histórico de criação da Cohab, a sua função na execução de projetos de moradia, como a prefeitura se utiliza da empresa para se eximir de responsabilidades sociais e como esses mesmos funcionários em greve são colocados em conflitos com essas famílias que vivem na incerteza da ilegalidade habitacional. O Mobiliza Curitiba reuniu representantes de diversas entidades que a compõem, como o Instituto Democracia Popular, formado por advogados populares que prestam assessoria jurídica às famílias das ocupações irregulares, o Sindicato dos Arquitetos, a entidade Terra de Direitos, também formada por advogados populares, o Coletivo Trena, que presta assistência técnica e cursos de formação sobre questões habitacionais.
O professor aposentado da UFPR, Lafaiete Neves, que compõe o Mobiliza especialmente nos estudos sobre mobilidade e transporte público, situou como ponto de partida da aula o fluxo migratório para a capital, citando os tempos de Jaime Lerner quando prefeito nomeado pela ditadura, em que a construção de conjuntos habitacionais populares, como a Vila Nossa Senhora da Luz, era efetivada nas portas das fábricas, como uma forma não de promover acesso à moradia digna para a população, mas sob o viés de baratear a mão de obra (inclusive num bairro chamado “Cidade Industrial de Curitiba” – CIC). Ele falou sobre a falta de comprometimento do município, historicamenente, e que se mantém atualmente, em que menos de 1% do orçamento é para habitação. “O orçamento não é para os pobres”. O professor também alertou que as políticas públicas no país foram derrubadas com o golpe de 2016, com o desmonte dos serviços públicos, em que a população vive na “ditadura dos bancos, ditadura das empresas de transporte, ditadura dos laboratórios farmacêuticos”, disse.
O servidor da Cohab Ricardo Polucha também integrou a aula pública sobre o direito à moradia e lembrou que a acionista majortiária da Cohab é a Prefeitura de Curitiba e precisa aportar recursos para a moradia, pois a criação da companhia, ainda na ditadura, junto com o BNH (Banco Nacional de Habitação) e o FGTS, como instrumentos para fomentar a habitação de interesse social para as pessoas que não têm dinheiro para acessar financeiramente a moradia. Ele afirmou que 80% das famílias na fila da Cohab têm renda entre zero e três salários mínimos e que o funcionamento da Cohab demanda, por este motivo, aporte financeiro da prefeitura, por não ser autossustentável e por executar política pública.
A advogada Mariana Auler, do Instituto Democracia Popular, realizou abordagem na perspectiva das comunidades que demandam política habitacional. Ela falou, durante a aula pública na greve dos trabalhadores da COHAB, sobre a importância da consciência da habitação como política pública social, abordando que o município responsabiliza os funcionários da COHAB pelas ações habitacionais e isso gera conflito com as comunidades e por isso os trabalhadores devem entender o interesse social da moradia. “O município não trata como central a questão habitacional, o interesse social não é compreendido e é preciso entender o porquê existe conflito entre a Cohab e os moradores”, disse. Auler defendeu que as questões de mobilidade, moradia, segurança pública, que estão inseridas no debate do Plano Diretor e que a prefeitura atribui como responsabilidades fragmentadas, como da Cohab, precisam ser incorporados e assumidos pela prefeitura. Sobre a greve dos trabalhadores, ela salientou que talvez nesta quita a demanda salarial seja resolvida, mas esse problema mais amplo não e por isso a Cohab deve entender o interesse social do direito à moradia e integrar na pauta trabalhista. “Nós esperamos diálogo contínuo em relação à política habitacional”.
Julio Kajewski, do Sindicato dos Arquitetos, falou sobre assistência técnica nas habitações, em que 85% da população constrói ou reforma sem essa assistência, e para ele a COHAB poderia assumir essa demanda. Ele denunciou o desinteresse do município em acessar recursos federais que poderiam beneficiar a população mais pobre para melhorias na moradia. “Curitiba não tem nenhum projeto para acessar a verba orçamentária do cartão reforma. É a gestão atuando como empresa de mercado em que o problema a ser resolvido não interessa”. Julio disse que o sindicato desenvolve projetos nas comunidades do Cajuru que para além de levar assistência, leva também conhecimento.
Alexandre Pedrozo, do Mobiliza Curitiba, convidou os funcionários da COHAB para compor o coletivo para que a atuação dos trabalhadores tirem as famílias das ocupações do mapa da invisibilidade da companhia, afirmando que a prefeitura também considera esses trabalhadores invisíveis ao deixá-los sem salário. Alexandre também abordou a tramitação da lei de zoneamento na câmara municipal, em que é a possibilidade de reverter as escolhas de onde a prefeitura vai atuar pela regularização fundiária, em que as famílias também possam decidir.
Maria Eugênia Trombini, da Terra de Direitos, falou sobre a ação civil pública que anula milhares de contratos habitacionais da COHAB , lembrando que essa demanda será dos trabalhadores da companhia para a resolução das irregularidades e lembrou que a vida dessas famílias serão alteradas e que os movimentos sociais e organizações coletivas por moradia contam com os trabalhadores da COHAB para rever esses erros do passado. Ela também retomou o debate sobre o projeto locação social, uma forma de diversificar o acesso à moradia, direcionado à população em situação de rua.
A greve dos funcionários da Cohab contra atraso de salários chegou ao quarto dia, com forte adesão das diversas categorias dos trabalhadores, de acordo com avaliação dos sindicatos dos Engenheiros (Senge-PR), do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas (Sindarq-PR), do Sindicato dos Trabalhadores em Urbanização (Sindiurbano) e do Sindicato dos Assistentes Sociais (Sindasp).
A Justiça do Trabalho adiantou para esta quinta-feira (14), às 14h, uma audiência conciliatória referente a uma ação movida pelo Senge contra o atraso de salários na COHAB Curitiba. A audiência será na 6ª Vara do Trabalho. Por volta das 11h30, o setor de Recursos Humanos da Cohab informou aos funcionários que enviou para o banco todos os pagamentos que faltavam, que devem ser creditados ainda hoje. Os trabalhadores continuarão mobilizados em frente à Cohab até as 15h, no aguardo da quitação.